segunda-feira, 26 de maio de 2014

VOCÊ SABE A DIFERENÇA “BIOQUÍMICA” ENTRE DIABETES MELLITUS DO TIPO 1 (DM1) E DO TIPO 2 (DM2)?




Quando as Ilhotas de Langerhans pancreáticas tornam-se infiltradas por linfócitos T-citotóxicos ocorre insulite (que seria a inflamação das células pancreáticas). A partir daí ocorre uma destruição disseminada de células beta-pancreáticas que requer infecção viral e determinante genético. Em outras palavras, ocorre uma reação auto-imune mediada por anticorpos citotóxicos que destroem as células pancreáticas secretoras de insulina causando diabetes mellitus do tipo 1 (DM1). Todavia, é um erro pensar, simplesmente, que o DM1 é um problema de "insulina e carboidrato", pois trata-se de uma doença com amplo campo de complicações. Ou seja, múltiplos efeitos são esperados no metabolismo glicídico, lipídico, proteico e hidroeletrolítico.

Na ausência de insulina no DM1 ocorre menor captação de glicose (via transportadores de glicose ou GLUTs) e um aumento da glicogenólise hepática (degradação do glicogênio armazenado, particularmente do glicogênio hepático), gliconeogênese (nova formação de glicose a partir de compostos não-glicídicos, como aminoácidos derivados das proteínas tissulares), lipólise (mobilização dos triglicerídeos do tecido adiposo), beta-oxidação dos ácidos graxos (oxidação ou “queima” deste lipídeos na mitocôndria celular), cetogênese (formação de corpos cetônicos, que seriam combustíveis alternativos aos tecidos, especialmente sistema nervoso central ou SNC), proteólise (degradação proteica) e redução da proteinogênese (menor síntese de proteína). Também há menor captação de potássio e um aumento deste no plasma. Por fim, o paciente DM1, particularmente na cetoacidose diabética (CAD), apresenta hiperglicemia (aumento do “açúcar” no sangue), hipertriacilglicerolemia ou hipertrigliceridemia (aumento de lipídeos no sangue), cetonemia (aumento de corpos cetônicos no sangue), acidose metabólica (queda do pH com risco de acidez e desnaturação de proteínas) e hiperventilação (aumento do processo ventilatório). São comuns relatos de polidipsia (sede excessiva), poliúria (urinar excessivamente), glicosúria (presença de glicosa na urina), cetonúria (presença de corpos cetônicos na urina), cansaço e fadiga. Inicialmente observa-se hiperglucagonemia (excesso do hormônio glucagon), que exacerba as rotas catabólicas. Obviamente torna-se necessária a insulinoterapia (terapia de reposição insulínica), bem como adequação dietética e atividade física orientados com um profissional competente. No DM1 de longa data pode ocorrer ainda deficiência de glucagon e, devido à neuropatia, igualmente a deficiência de adrenalina, onde os pacientes apresentam crises de hiper e hipoglicemia. O cuidado deve ser maior.

Já o diabetes mellitus do tipo 2 (DM2), que possui importante fator genético (mas não anticorpos auto-imunes), apresentam resistência periférica à insulina e disfunção de células beta-pancreáticas. Ou seja, nem todo paciente obeso torna-se DM2, embora encontramos muitos casos. Em outras palavras, o tecido adiposo branco (TAB) secreta leptina, resistina e adiponectina que estão associados a resistência periférica à insulina em tecidos-alvo, como o próprio TAB e músculos esqueléticos. Ao que tudo indica, o fígado é menos resistente captando a glicose e favorecendo a lipogênese (formação de gordura a partir do excesso de nutrientes, particularmente excesso de carboidratos). Isso aumenta a formação da lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL), onde o resultado final seria é um maior depósito de triacilglicerol (TAG) ou triglicerídeo (TG) no TAB. Quer dizer, favorecendo o sobrepeso e obesidade. Além disso, o excesso de lipídeos, ou a chamada lipotoxicidade, favorece ainda mais a resistência à insulina, onde os níveis de insulina não são, inicialmente, tão altos em obesos não diabéticos. Todavia, com o passar dos anos há resistência à insulina com hiperinsulinemia compensatória, tornando o indivíduo obeso e diabético. Com a progressão da doença ocorre disfunção de células beta-pancreáticas, favorecida por glicolipotoxicidade (toxicidade glicídica e lipídica), e o paciente adulto pode necessitar de insulinoterapia e/ou hipoglicemiantes orais. A partir daí ocorre secreção inadequada de insulina com déficit em sua secreção e "crises" hiperglicêmicas. O paciente obeso-DM2, sem o devido cuidado, pode evoluir para complicações de longo prazo, tais como doenças cardiovasculares (infarto e derrame), retinopatia (alterações visuais), nefropatia (importante lesão renal) e neuropatia (alterações no sistema nervoso). Enfim, o paciente obeso-DM2, complicado de se lidar, apresentará resistência periférica à insulina e disfunção de células beta-pancreáticas.

Como podemos perceber, o estudo do diabetes (DM1 e DM2) não é algo simples, o que exige um profissional com grande competência no mercado de trabalho e, por isso, sempre digo: vamos estudar mais! E acabou? Na verdade não, pois ainda precisaríamos discutir o papel da leptina e grelina na fome e saciedade, bem como da gastrina, colecistoquinina (CCK), secretina, entre outros, mas deixamos para outra postagem. E porque estou falando disso em um BLOG de Nutrição Esportiva? Simples, pois temos esportistas e atletas diabéticos que precisam de cuidados especiais e merecem toda nossa atenção profissional. Abraços.



CREATINA: BOM OU RUIM? USAR OU NÃO USAR?



Olá Pessoal. Estou colocando muita informação no FACE e, portanto, acabei deixando o "pobre coitado" do BLOG de lado. Mas, já vamos resolver isso com novas postagens. Espero que gostem! 

A creatina (CR), juntamente com a proteína do soro do leite (Whey Protein) e os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), é um dos suplementos mais populares no cenário da hipertrofia muscular. Eu já usei, você já usou e, provavelmente, nós conhecemos alguém que usa ou que pensa em usar. Ok, mas, afinal, o que sabemos sobre este suplemento esportivo?

A CR é sintetizada no organismo a partir de três aminoácidos: glicina (GLY), arginina (ARG) e metionina (MET). Ou seja, ARG se combina com GLY a fim de formar guanidoacetato e ornitina pela arginina-glicina-aminotransferase renal ou glicina transaminase (este processo não ocorre no fígado ou músculo esquelético). No fígado, a guanidoacetato forma CR com a entrada de S-adenosilmetionina (SAM) e saída de S-adenosilhomocisteína (SAH) em uma reação hepática catalisada pela guanidoacetato-N-metiltransmetilase. Por fim, CR forma fosfocreatina ou creatina fosfato (CP) – já no músculo esquelético – com entrada de adenosina trifosfato (ATP) e saída de adenosina difosfato (ADP) em uma reação da creatina fosfoquinase (CPK), que é uma enzima reversível. Em uma reação irreversível e não enzimática, por desidratação, forma-se creatinina no músculo que, posteriormente, sofrerá excreção urinária (Mendes & Tirapegui. Organo Oficial de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127, 2002).

A CR pode ser obtida da dieta através da ingestão de carnes (bovina e suína) e peixes (arenque, salmão, atum e bacalhau), o que no alimento cru oscila entre 4 e 5 g/dia e após preparo entre 1 e 2 g/dia. Endogenamente (fígado, pâncreas e rins) obtém-se 1 até 2 g/dia adicionais. Em outras palavras (o que você já deve ter percebido) existe um equilíbrio (homeostase) da CR (Gualano B. et al. Rev Bras Med Esporte. 16(3): 2010). E se eu ingerir 20 ou 25 g/dia de CR através da suplementação? Humm, discutiremos mais adiante, mas já deve perceber que ocorrerá uma quebra desta homeostase, não é mesmo?

O tecido muscular não produz CR e, portanto, obtém a mesma da corrente sanguínea para gerar CP intramuscular. Em condições fisiológicas, o sistema do fosfagênio ou ATP-CP mantém as concentrações de ATP no músculo, mesmo quando este está sendo depletado como fonte energética durante o esforço físico. Em outras palavras, CP intramuscular (que é um composto de alta energia) regenera rapidamente a molécula de ATP para contração muscular (Mendes & Tirapegui. Archivos latinoamericanos de nutricion. Organo Oficial de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127, 2002).

A suplementação com CR tende aumentar a CR total (tCR) em 16 a 22%, enquanto que a CP intramuscular próximo de 20%. Em uma linguagem mais simples, ter mais CR e CP nas fibras musculares pode significar mais ATP para sustentar o esforço físico, o que poderia conduzir aos ganhos de força, potência, velocidade, destreza e, porque não dizer, crescimento muscular. A suplementação com CR também reduz o cansaço e viabiliza a adoção de cargas mais intensas no treinamento (Martins, F.C. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16(155), 2011; Frederico S.C. et al. Rev Bras Med Esporte. 13(5): 2007). Dessa forma, muitas pessoas recorrem à suplementação com CR em uma tentativa de aumentar a força e a massa muscular. Ao que tudo indica, acaba funcionando. Isso pode beneficiar não só o fisiculturista, mas também os atletas em esportes de potência ou força explosiva (lutadores, halterofilistas e corredores de 100 ou 200 metros rasos, por exemplo). E o aumento da massa muscular é verdadeiro ou seria apenas “inchaço”? Bem, um aumento da força pode, indiretamente, já lhe proporcionar um grande treino e, consequentemente, maior hipertrofia muscular. Mas entendo sua pergunta em relação a uma ação “direta” sobre o aparato contráctil miofibrilar, que responderei mais adiante.

Alguns estudos relatam melhorias significativas na força máxima (FM) com a suplementação de CR, verificado por 1 repetição máxima (1RM) em treinos envolvendo membros superiores (supino reto para peitoral e rosca direta para braços) e inferiores (agachamento para quadríceps, por exemplo) tanto em indivíduos treinados quanto em sedentários. Óbvio que isso teria relação com retenção hídrica, acúmulo de glicogênio e aumento da tCR e CP intramuscular. As metodologias são curtas (8-10 semanas), porém parecem confirmam um aumenta da FM versus placebo e uma mudança no número de repetições que o indivíduo é capaz de realizar após o uso orientado de CR na forma de suplementos. Observa-se, também, um ganho ponderal (0,7 a 2,0 kg/semana, podendo chegar a 6-11 kg em apenas quatro semanas) com a suplementação de CR, o que é atribuído à retenção hídrica e tem relação com o poder osmótica da CR intramuscular. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento no conteúdo de glicogênio muscular na ordem de 25% com a suplementação de CR associada ao treinamento resistido ou de força (Frederico S.C. et al. Rev Bras Med Esporte. 13(5): 2007; Mendes & Tirapegui. Archivos latinoamericanos de nutricion. Organo Oficial de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127, 2002). 

Todavia, estudos comprovam um aumento significativo no crescimento muscular com a suplementação de CR? Enfim, vejamos. Louise Deldicque et al. (J Appl Physion 104: 371-378, 2008) apresentaram os efeitos do exercício (homens saudáveis submetidos ao teste de 1RM) com e sem a suplementação de CR sobre a expressão gênica e a sinalização celular no músculo esquelético. Os resultados sugerem que a suplementação com CR no pós-treino poderia estar modulando a expressão de genes envolvidos na hipertrofia muscular, particularmente aumentando a cadeia longa da miosina (MHC) e superexpressando o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), bem como o transportador de glicose do tipo 4 (GLUT-4). Além disso, um aumento de células satélites e número de mionúcleos também estariam aumentados com a suplementação de CR, ou seja, as células satélites mononucleares dos músculos esqueléticos poderiam se diferenciar e fundir-se para aumentar o número de fibras musculares existentes, criando novas fibras e regenerando o músculo. Em outro estudo (Hespel P. et al. Journal of Physiology, 536.2, 625–633, 2001) a suplementação oral com CR estimulou a hipertrofia muscular após o treinamento de força de reabilitação, ou seja, a capacidade funcional dos músculos após desuso. Este efeito seria mediado pela expressão de fatores de transcrição miogênica, particularmente o fator miogênico regulatório do tipo 4 (MRF4) associado ao treinamento, que seria responsável pela proliferação e diferenciação de células satélites. Fica aí a dica da suplementação com CR no tratamento ou prevenção da atrofia muscular por desuso. Gualano B. et al. (Rev Bras Med Esporte. 16(3): 2010) também sugere que a suplementação com CR possa alterar a transcrição de fatores miogênicos, bem como aumentar a tradução proteica através da via da proteína quinase de mamíferos alvo de rapamicina (mTOR) (Lembram deste? Sim, aquela via estimulada por BCAA). Quer dizer, um estimulo sobre a fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) e a quinase-dependente de fosfoinositílicos do tipo 1 (PDK1) ativaria a proteína quinase B (PKB/Akt) e mTOR. Este (mTOR) seria o sinalizador hipertrófico, via proteína quinase S6 (p70S6K), resultando em hipertrofia muscular. Segundo Gualano B et al. (2010), a suplementação de CR aumentaria, além da via PI3K/Akt/mTOR, a expressão de fatores de transcrição (MEF2 e MyoD) capazes de regular a ativação e diferenciação de células satélites, que são necessárias ao processo hipertrófico.
 
Que maravilha, não é mesmo? Você pensa em tomar CR feito “bicho” agora? Muita calma nessa hora. No passado um estudo (Koshy K.M. et al. N. Engl. J. Med. 340: 814-815, 1999) relatou dano renal induzido pela suplementação com CR (homem jovem usando 5 g/dia por 4 semanas), enquanto outro (Pritchard & Karla, Lancet, 351:1252:1253, 1998) relatou hospitalização de paciente com nefrite intestinal associado à suplementação de CR. Isso gerou “medo” entre os usuários, enquanto outros se perguntavam: E a metodologia utilizada foi adequada? Foi investigada a história pessoal e familiar para renais? Passaram-se alguns anos quando outra revisão (Gabardi, S. et al. J. Am. Soc. Nephrol. 2: 757-765, 2007) relatou que a medicina completar ou alternativa é uma indústria multibilionária e que muitas pessoas fazem uso de medicamentos e/ou suplementos capazes de causar disfunção renal, incluindo nefrotoxicidade, nefrolitíase, rabdomiólise com lesão renal e síndrome hepato-renal. Entre as substâncias supostamente nefrotóxicas estavam à CR e relatos de nefrite intersticial focal aguda, injúria tubular renal, disfunção renal específica e rabdomiólise renal. Do medo passamos ao pavor, não é mesmo? (Para curiosidade geral da nação, na lista de substâncias nefrotóxicas também podemos encontrar cromo, efedrina, extrato de gerânio, L-lisina e vitamina C). Em outros estudos (Poortmans et al. Med Sci Sports Exerc 37:1717-1720, 2005; Francaux & Poortmans. International Journal of Sports Physiology and Performance, 1:311-323, 2006) sugerem-se que o excesso de CR por longos períodos induz a formação de compostos mutagênicos e carcinogênicos. A CR excessiva é convertida em sarcosina, que poderia resultar em metilamina. Posteriormente forma-se formaldeído (agente citotóxico) e peróxido de hidrogênio (H2O2). O H2O2 pode gerar o radical hidroxil (OH•) pela reação de Fenton. A espécie reativa de oxigênio (ROS/ERO), então, gera uma cascata de reações capaz de danificar o ácido desoxirribonucléico (DNA) das células. O conteúdo urinário de metilamino e formaldeído, neste estudo, aumentaram com a suplementação de CR (21 g/dia por 14 dias). Claro, também existem estudos que não revelam diferenças estatisticamente significativas em creatinina, uréia, albumina ou alterações na filtração glomerular, reabsorção tubular renal ou presença de microalbuminúria (que é preditor de lesão renal) com o uso de CR. Cabe destacar, ainda, que a suplementação com CR pode ser interessante para pacientes vegetarianos, que apresentam baixos estoques de CR sérica e, possivelmente, muscular (Martins, F.C. EFDeportes.com, Revista Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011).


Putz! Agora você pensa: usar ou não usar, eis a questão? Pessoal, o fato é: 95-98% da tCR encontra-se no músculo esquelético, sendo 40% como CR e 60% como CP. O CP intramuscular regenera rapidamente a molécula de ATP para contração muscular, segundo a reação da CPK, que é muito legal. Porém, cadê os outros 2 ou 5% restantes que ninguém lhe conta quando você compra um suplemento de CR? Aí que mora o perigo, pois estes pequenos percentuais encontram-se no coração, cérebro, retina e espermatozoides. Quer dizer, seria muita ingenuidade sua achar que pode suplementar com CR e aumentar “apenas” CP intramuscular sem aumentar nos demais tecidos-órgãos. Assim, uma sobrecarga de CR (esquema clássico: 20-25 g por 5-7 dias e manutenção por até 2 meses) promove uma quebra da homeostase da CR e subsequente inibição da produção endógena (fígado, pâncreas e rins), bem como complicações gastrintestinais (vômito, diarreia ou dor abdominal) até, segundo alguns estudos, disfunção renal. Ou seja, a regra do “quanto mais melhor” não é válida aqui. Isso tanto é verdade que o músculo esquelético possui uma saturação máxima para CR (90-125 mmol de creatina/kg de músculo seco em um indivíduo saudável não suplementado com CR para no máximo 160-162 mmol/kg de músculo seco já suplementado). Percebeu? Usar ou não usar? Quanto usar professor? Bem, aí já teria que agendar uma consulta (joelsoperalta@hotmail.com). Não estou aqui para condenar ou incentivar o uso de CR, mas, sim, apenas apresentar fatos. Contudo, em minha opinião, o suplemento de CR é formidável, desde que usado com moderação e, sempre, sob supervisão de um profissional nutricionista esportivo qualificado, que pode solicitação de exames laboratoriais em respaldo a Lei 8234/91, artigo 4º, inciso VIII. Todavia, quer tomar CR com orientações de seu amigo “experts” em treinamento e/ou dieta? Então depois peça para ele interpretar bioquimicamente seus exames bioquímicos caso ocorra complicações de saúde.