terça-feira, 28 de agosto de 2018

Dieta Low Carb - Carboidrato é seu amigo

DIETA LOW CARB - CARBOIDRATO É SEU AMIGO. 

O ser humano tem a incrível capacidade de procurar (e achar) “mocinhos” e “vilões” da nutrição e alimentação. O colesterol e a gordura saturada já sabem disso, mas a bola da vez são carboidratos. Neste post vamos aprofundar os conhecimentos sobre os hidratos de carbono ou carboidratos.

O que são carboidratos?
Carboidratos são substâncias orgânicas que apresentam fundamentalmente carbono, hidrogênio e oxigênio (CHO) e são derivados de poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas. Aldeídos e cetonas pertencem a família dos compostos orgânicos que possuem um grupo funcional carbonila (C=O). Nos aldeídos, o grupo funcional carbonila (C=O) está na extremidade da cadeia carbonada, enquanto que nas cetonas nunca estará na extremidade. Em outras palavras, CHO (carboidratos) podem ser aldeídos que possuem muitos grupamentos hidroxilas ou oxidrilas (OH), o que justificaria o termo poliidroxialdeídos (poli = muitos; hidroxi = hidroxilas ou oxidrilas; aldeídos = carbonila na extremidade da cadeia carbônica). Como exemplo temos a D-glicose, que é na realidade uma aldohexose (ou seja, um aldeído com 6 carbonos). CHO também podem ser cetonas com muitas hidroxilas, ou seja, poliidroxicetonas (poli = muitos; hidroxi = hidroxilas; cetonas = carbonila nunca na extremidade carbônica). Como exemplo temos a D-frutose, que é na realidade uma cetohexose (ou seja, uma cetose com 6 carbonos). Enfim, quanto a posição da carbonila (C=O) temos aldeídos (aldoses) e cetonas (cetoses), mas quanto ao número de átomos de carbono temos trioses (3C), tetrose (4C), pentose (5C), hexose (6C) e heptose (7C). Isso poderia gerar aldotrioses (aldeído com 3 carbonos) ou cetotrioses (cetoses com 3 carbonos), bem como aldotetroses ou cetotetroses, aldopentoses ou cetopentoses e assim por diante. 

Quais são as funções dos carboidratos?
Bem, resumidamente, o CHO (carboidrato) é uma fonte energética aos tecidos, especialmente ao sistema nervoso central (SNC), mas também podem ser armazenados como reserva energética. Sua reserva ocorre principalmente no fígado (6% do peso do órgão) e tecido muscular esquelético (cerca de 1% do peso do tecido seco). Obviamente a reserva no músculo é maior que o fígado, pois temos cerca de 650 músculos e apenas um figado. Os CHO também permitem a manutenção da glicemia (65-99 mg/dL) e uma pequena porção é componente estrutural das membranas biológicas. Por fim, a ingestão de carboidratos exerce efeito "poupador" de proteínas musculares, ou seja, evita que seus músculos sejam usados para refazer glicose (processo conhecido como gliconeogênese = nova formação de glicose a partir de compostos não glicídicos, como aminoácidos das proteínas).

Que tipo de carboidrato existe?
Aqui podemos discutir a classificação dos carboidratos (CHO), que poderia ser resumida da seguinte forma:
1 - Classificação do ponto de vista químico: monossacarídeos, oligossacarídeos (onde os mais importantes são dissacarídeos) e polissacarídeos. Entre os monossacarídeos destaca-se a glicose, frutose e galactose. Entre os dissacarídeos destaca-se a maltose (glicose + glicose), sacarose (glicose + frutose) e lactose (glicose + galactose). Entre os polissacarídeos destaca-se o amido (reserva vegetal) e glicogênio (reserva animal). Os mono e oligossacarídeos normalmente são referidos como CHO simples, enquanto que os polissacarídeos são CHO complexos, quimicamente falando. 
2 - Classificação do ponto de vista nutricional: índice glicêmico e carga glicêmica. Neste sentido, o arroz branco e arroz integral são polissacarídeos (CHO complexos), porém o arroz branco tem um índice glicêmico maior que o arroz integral (IG 69 versus IG 55, respectivamente). Da mesma forma, a melancia e maçã são CHO simples, porém o IG da melancia é 72, enquanto que o IG da maçã é 36. Por fim, o mesmo ocorre com batata inglesa e batata-doce. Ambas batatas são CHO complexos, mas o IG da batata inglesa é 82, enquanto que o IG da batata-doce é 54. Em suma, nem todo CHO complexo é lento e nem todo CHO simples é rápido, pois ser "lento" ou "rápido" refere-se ao índice glicêmico. Os alimentos de alto IG (índice glicêmico) possuem resposta glicêmica (e insulinêmica) rápida (15-20 minutos após ingestão), enquanto que os alimentos de baixo IG possuem resposta glicêmica mais lenta (40-50 minutos ou mais) após ingestão. Em outras palavras, o índice glicêmico (IG) refere-se à medida de velocidade que um alimento glicídico é ingerido e lançado ao sangue, onde a glicose obtida participa de reações bioquímicas intracelulares. Alguns alimentos entram e saem do sangue rapidamente (alto IG), devido hiperinsulinemia (picos do hormônio insulina, responsável pela captação da glicose circulante). Já outros alimentos entram e saem do sangue lentamente, ditos alimentos de baixo IG. Já a carga glicêmica (CG) não mede a velocidade, mas, sim, a qualidade e a quantidade de carboidratos presentes em uma determinada porção de alimento. Por exemplo, a melancia, embora tenha IG 72, não teria capacidade de causar grande picos de insulina em determinada porção, pois temos apenas 4 ou 5 g de carboidrato em uma porção de 120 g de melancia. Quer dizer, um alimento pode ter alto IG, mas baixa CG. 

Enfim, por que tanta discussão em torno dos carboidratos e dieta low carb?
Agora sim, deixa-me te explicar. No dia 17/08/18 a BBC News Brasil fez uma imensa matéria, citando um estudo publicado na The Lancet Public Health, cujo título ficou pra lá de sensacionalista: “Dietas low carb, com restrição de carboidratos, reduzem expectativa de vida, indica estudo”. Claro que a reportagem foi replicada em diferentes jornais e redes sociais do tipo comer pouco carboidrato (low carb diet) mata? Neste sentido, os seguidores do estilo de vida Paleo (Dieta Paleolítica) devem ter pulado das cavernas e quebrado a pescoço, por assim dizer. Neste sentido, vejamos o que diz o estudo original que se baseou a reportagem na BBC News: “Sara B. Seidelmann et al. Dietary carbohydrate intake and mortality: a prospective cohort study and meta-analysis. Lancet Public Health, 2018”.

Qual delineamento do estudo?
Trata-se de um estudo observacional prospectivo que avaliou 15.428 adultos entre 45 e 64 anos de idade dos EUA durante 25 anos. Os participantes preencheram um questionário dietético, especificamente o inquérito alimentar do tipo questionário de frequência alimentar semiquantitativo (QFCA), que contenha 61 itens, incluindo alimentos sólidos e bebidas. Foram realizadas cinco (05) visitas (entrevistas): (1) entre 1987 e 1989; (2) entre 1990 e 1992; (3) entre 1993 e 1995; (4) entre 2011 e 2013; e (5) entre 2016 e 2017. Como critério de exclusão estava às ingestões calóricas extremas, ou seja, menos de 600 kcal/dia e mais de 4200 kcal/dia para homens; e menos de 500 kcal/dia e mais de 3600 kcal/dia para mulheres. Foi investigada a associação entre a porcentagem de energia proveniente da ingestão de carboidratos e a mortalidade por todas as causas. Na análise estatística foram analisadas as covariáveis (idade, sexo, raça, escolaridade, tabagismo, nível de atividade física, ingestão de calorias e diabetes).


Então, quais foram os resultados? 
Os resultados mostram que a ingestão média de carboidrato foi de 48,9% do valor energético total (VET), quer dizer, nem chegou em 50%. O estudo relatou que aqueles que consumiam entre 50 e 55% das calorias em carboidratos tinham menor risco de morte quando comparados com aqueles que consumiam baixo carboidrato (30-40% do VET) ou alto consumo de carboidratos (acima de 65% do VET). Quer dizer, o gráfico gerado pelo estudo parece à letra “U”, onde nas pontas da letra (menores e maiores consumos de carboidratos) haveria maior mortalidade. A partir daí rolou a discussão dos dados, onde a partir dos 50 anos de idade, as pessoas com consumo moderado de carboidratos (50-55%) viveriam mais anos de vida. Aqueles que consumiam menos carboidratos (30-40%) viveriam menos (quer dizer, viveriam até 4 anos menos) e aqueles que consumiam muito carboidrato (acima de 65%) viveriam menos ainda.


O estudo prova que comer pouco ou muito carboidrato mata? 
Não. Para tanto, deixo minhas considerações:


1 – Trata-se de um estudo observacional prospectivo e, como muitos já sabem, podemos levantar hipóteses/associações e não estabelecer relação de causa e efeito. O estudo original diz: “Existem limitações para este estudo que merecem consideração. Este estudo representa dados observacionais e não é um ensaio clínico. No entanto, estudos randomizados de dietas de baixo carboidrato sobre a mortalidade não são práticos, devido necessidade de longa duração”. Quer dizer, se é difícil fazer o correto vamos assustar a população com um estudo observacional?

2 – O estudo original diz: “Existem várias explicações possíveis para nossas descobertas. Dietas com baixo teor de carboidratos tendem a resultar em menor ingestão de vegetais, frutas e grãos e maior ingestão de proteínas de origem animal (...) que tem sido associada com maior mortalidade”. Ou seja, a população estudada que ingeria menos de 40% de carboidrato também consumir menos fibras alimentares, vitaminas, minerais e componentes dietéticos bioativos, pois também ingeriam menos grãos integrais, legumes, vegetais e frutas. Neste sentido e, obviamente, fazer dieta pobre em carboidrato sem frutas, legumes e vegetais em geral é ou não pedir para morrer mais cedo? E se a dieta fosse menos de 40% de carboidrato, mas 100% balanceada em fibras, vitaminas, minerais e bioativos qual seria o resultado de expectativa de vida?

3 – Curiosamente, quando olhamos a Tabela 1 apresentada no estudo original, observamos que o grupo que consumia menos carboidrato (37%) tinham maior índice de massa corporal (IMC), tinham maior incidência de diabetes, eram mais tabagistas e praticavam menos atividade física. Ou seja, foi realmente o baixo carboidrato que está matando essa população? Ou, quem come menos carboidrato também revelou um estilo e hábito de vida não condizente com a saúde e expectativa de vida?

4 – O estudo original também diz: “No outro extremo do espectro, dietas ricas em carboidratos tendem a ser ricas em carboidratos refinados, como o arroz branco. Esses tipos de dietas podem refletir má qualidade dos alimentos, conferir uma carga glicêmica cronicamente alta que podem levar as consequências metabólicas negativas”. Quer dizer, fazer dieta rica em carboidrato baseado em açúcar e produtos refinados não seria, obviamente, pedir para morrer mais cedo?

5 – O estudo original diz: “Outra limitação deste estudo é que a dieta foi avaliada apenas em dois intervalos de tempo (1987-1989 e 1993-1995), abrangendo um período de 6 anos e os padrões alimentares podem mudar durante 25 anos”. Ah tá, o estudo é de 25 anos, mas a população foi avaliada em apenas dois intervalos de tempo, sério? Alguém consegue ficar 25 anos comendo o mesmo percentual de carboidrato, sem nunca ter oscilado para menos carboidrato (30-40%) e mais carboidrato (acima 65%), em alguma fase da vida? Como avaliar se tal oscilação não matou o sujeito? Um indivíduo que morreu na categoria baixo carboidrato (30-40%) jamais esteve na categoria alto carboidrato (acima de 65%) nos últimos 25 anos?

6 – O estudo original diz: “Nosso estudo focou na ingestão geral de carboidratos, que representa um grupo heterogêneo de componentes dietéticos. Qualquer número e combinação de componentes dietéticos poderiam ter sido considerados e ajustados nesta análise. Portanto, alguns fatores de confusão podem ter sido desajustados. O ideal seria fazer uma meta-análise em nível individual em um esforço colaborativo que permitisse um ajuste consistente para fatores de confusão na análise agrupada”. E conclui: “Algum grau de erro de medição é inevitável para todos os métodos de avaliação dietética e precisam ser interpretadas com cautela”. Resumindo: não tirem conclusões precipitadas com um estudo observacional, mas isso não quer dizer, também, que o estudo seja ruim. Não faça confusão, apenas reflita.

Enfim, qual minha opinião sobre o assunto?
Os hidratos de carbono ou carboidratos (CHO) não são “mocinhos” e tão pouco “vilões”, pois são apenas nutrientes que podem ou não ser valorizados no plano alimentar. Este plano alimentar depende da estratégia previamente traçada com o profissional nutricional, quer dizer, depende da periodização nutricional e dos objetivos previamente para o paciente/cliente. A periodização nutricional pode ter 40% de carboidrato (pois hoje você é um individuo pouco ativo que busca o emagrecimento ou um fisiculturista que busca definição muscular), mas pode atingir 65% de carboidrato (pois amanhã você pode ser um maratonista ou triatleta que busca o primeiro lugar em uma competição). E, pasmem, você não vai morrer comendo pouco hoje e mais amanhã. Agora, uma coisa é certa: “Carboidrato é seu amigo".

Quer saber mais sobre esse assunto? Quer agendar sua consulta nutricional com minha Equipe PeraltaNUTRI? Quer uma palestra/aula em sua Instituição de Ensino ou local de trabalho? Se sim, deixo meu contato abaixo.


Prof. Me. Nutr. Joelso Peralta
Professor de graduação, pós-graduação e especialização
Mestre em Ciências Médicas pela UFRGS
Nutricionista Clínico e Esportivo
Coordenador da Equipe PeraltaNUTRI
Tel./Whats: (51) 99943-1815
E-mail: joelsoperalta@hotmail.com ; peraltanutri@gmail.com
FACE: Joelso Peralta
Insta: peraltanutri
Atendimentos em Canoas/RS e Porto Alegre/RS