ORTOREXIA: OBSESSÃO POR ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG
Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
ORTOREXIA é um distúrbio alimentar de quem tem obsessão por alimentação
saudável, onde alguns alimentos são considerados “impuros”, “impróprios para
consumo”, “tóxicos” ou “venenos”.
E porque precisamos falar deste assunto?
Pois bem, a influenciadora russa Zhanna Samsonova, mais conhecida como Zhanna D'Art, de 39 anos, morreu recentemente, em julho de 2023, cujo noticiários apontam que ela seguia uma dieta exótica e radical, baseada em alimentos crus, que teria deixado a moça doente. Zhanna D'Art ficou famosa por se alimentar somente com alimentos crus, onde o cardápio tinha frutas exóticas, sucos e smoothies, basicamente.
Segundo noticiários, a influenciadora não ingeria nem mesmo água, pois acredita que tinha tudo que precisava em seus sucos de frutas e vegetais. Amigos e parentes relatavam que a moça parecia fraca, muito emagrecida, anorética, com pernas inchadas e tinha linforréia (distúrbio onde ocorre vazamento de fluido linfático a partir da superfície da pele).
Em seu perfil no Instagram, com 27,2 mil seguidores, a influenciadora deixava claro que era Chef de “comida vegana crua” e, dessa forma, exibia suas receitas geralmente baseadas em frutas e vegetais crus.
A influenciadora tinha diagnóstico de ortorexia?
Não, não sabemos. E, justamente por isso, precisamos falar deste
assunto, pois logo você vai entender.
Todavia, antes de continuar, preciso fazer cinco (05) comentários rápidos
e necessários:
PRIMEIRO, a causa da morte não foi confirmada, embora suspeita-se de “infecção
semelhante à cólera”. Cabe destacar, portanto, que os alimentos crus devem ser
higienizados adequadamente para evitar intoxicações alimentares. Sendo assim, qualquer
associação da morte com dieta “extrema” é meramente especulativa.
SEGUNDO, não sabemos se a moça tinha transtornos alimentares (TA) e, se
sim, tratam-se de distúrbios comportamentais que requerem tratamento médico. Amigos
e parente relatam possível anorexia da influenciadora e, neste sentido, a
ANOREXIA NERVOSA possui critérios diagnósticos através do Manual Diagnóstico e
Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, Diagnostic
and Statistical Manual of Mental Disorders-5) da American Psychiatric Association
(AHA). Em outras palavras, a raiz do problema não está exatamente na dieta! De qualquer
forma, sentimentos à família e respeito aqueles que necessitam de auxílio e
acompanhamento clínico.
TERCEIRO, os noticiários fizeram uma “salada de frutas”, por assim
dizer, ao noticiar a morte da influenciadora. Sendo assim, não faça confusão
com as terminologias, pois não são sinônimos. Deixa-me elucidar rapidamente:
Dieta vegetariana (vegetarianismo) é uma alimentação baseada no consumo
de alimentos de origem vegetal, podendo ser ovo-lacto-vegetariano,
lacto-vegetariano, ovo-vegetariano e vegetariano estrito (veganos). Aliás, as
dietas veganas excluem todos os produtos de origem animal, onde o veganismo é
um movimento no sentido de evitar a exploração e crueldade contra os animais,
seja no campo da alimentação, vestuário/vestimenta e outras esferas do consumo,
segundo a Sociedade Brasileira de Vegetarianismo (https://sbv.org.br). Dieta
frugírova (frugivorismo) é uma alimentação baseada no consumo de frutas,
preferencialmente in natura,
complementando a dieta com hortaliças e oleaginosas. Já dieta crudívora
(crudivorismo) é uma alimentação baseada no consumo de alimentos naturais,
crus, não cozidos e não processados. Sua variação permite laticínios, ovos e
peixes, desde que cozimento seja inferior a 45ºC (The Journal of Nutrition
135(10): 2372-2378, 2005).
QUARTO, anorexia, bulimia, obesidade e vigorexia são transtornos
alimentares (e de imagem corporal), mas pouco se fala de ORTOREXIA. Por isso,
vamos falar deste assunto!
QUINTO, muitas pessoas sofrem da “Digital
Influencer Syndrome” (ou seja, Síndrome do(a) Influenciador Digital, que
acabei de inventar, mas faz todo sentido). Explicando: essa síndrome (que
inventei) acomete pessoas não graduadas em nutrição, mas que acreditam que
podem “influenciar” outras pessoas quanto aos hábitos alimentares e, por vezes,
prescrevendo planos alimentares. É bom lembrar que a prescrição dietética é uma
atividade privativa do(a) nutricionista amparado por Lei Federal nº 8.234 de
1991. Além disso, a maioria das informações sobre nutrição, saúde e exercício
físico, nas mídias sociais, não são fontes seguras de informação, segundo
International of Enviroment Research and Public Health 17: 9022, 2020.
Feito as considerações iniciais, vamos falar de ORTOREXIA.
ORTOREXIA (orthós, correto; orexis, apetite) foi o termo criado pelo
Dr. Steven Bratman, em 1997, em seu livro “Health Food Junkies” (tradução livre:
Viciados em Comida Saudável). Segundo Dr. Bratman, trata-se de um distúrbio
alimentar de quem tem obsessão por alimentação saudável, onde alguns alimentos
são considerados “impuros”, “impróprios para consumo”, “tóxicos” ou “venenos”. Dessa
forma, estes alimentos “impuros” devem ser totalmente eliminados da alimentação
(Agnieszka Decyk and Maja Księżopolska. Orthorexia nervosa - the border between
healthy eating and eating disorders. 73(4): 381-385, 2022).
Em um primeiro momento faz todo sentido, pois argumentam que estão eliminando
da dieta os corantes, conservantes, pesticidas, agrotóxicos e gordura trans, além
do açúcar, adoçantes e sal. O consumo de alimentos “limpos”, “puros”, também
exige a eliminação de carnes, ovos e laticínios da dieta.
Por outro lado, os seguidores da dieta “limpa” passam muitas horas do
dia pensando no “cardápio saudável” e tornam-se antissociais. Também existe um
cuidado em demasia com utensílios utilizados na preparação dos alimentos, análise
da rotulagem nutricional e, claro, tornam-se “chatos” através da observação e
comentários sobre a forma e a maneira como as outras pessoas se alimentam. Para
o Dr. Bratman, a busca de uma alimentação saudável extrapolou os limites,
tornam-se, na realidade, uma obsessão.
Todavia, é difícil diagnosticar ortorexia, pois não existem critérios
definidos no DSM-V. E, dessa forma, a obsessão por “alimentação saudável”
invadiu as mídias sociais, incluindo Facebook, Instagram, Telegram e Twitter. Nestas
redes sociais, cujo proprietário(a) muitas vezes não são profissionais
nutricionistas, apresentam pratos, sucos e smoothies coloridos. Por vezes, os
atraentes pratos apresentam frutas e vegetais exóticos, onde se desconhecem
suas propriedades fitoquímicas. Não importa, são bonitos, atraentes, chamativos
e, segundo influenciadores, são ricos de nutrientes e princípios ativos
naturais (bioativos), além de pouco calóricos.
Vejam: é muito fácil derrubar argumentos descabidos do tipo “leite
inflama”, “frutose causa esteatose hepática” ou “proteína causa lesão hepática”,
porém como você consegue derrubar que um prato repleto de frutas e legumes, tão
colorido e bonito, pode ser prejudicial à saúde quando se torna a única fonte
de nutrientes da dieta? Em outras palavras, você não pode simplesmente dizer
para as pessoas não comer frutas e legumes, mas precisa argumentar que
ortorexia nervosa é um transtorno alimentar, caracterizado pelo foco obsessivo em
uma alimentação “saudável” e inflexibilidade na dieta, que acarreta prejuízos na
vida de relação, psicossocial, e saúde (Sanjay Kalra et al. Review J Pak Med
Assoc 70(7): 1282-1284, 2020).
Ao mesmo tempo, a prevalência de ortorexia na sociedade varia de 1% a 60%, segundo Mateusz
Gortat et al. (Orthorexia nervosa - a distorted approach to healthy eating. Review
Psychiatr Pol 30;55(2): 421-433, 2021). Aliás, as pesquisas nos últimos 10 anos
mostram que o número de pessoas que enfrentam o risco de ortorexia está
aumentando, porém com o diagnosticar estes indivíduos? Existem algumas
tentativas de estabelecer protocolos diagnósticos para ortorexia (Hellas Cena
et al. Definition and diagnostic criteria for orthorexia nervosa: a narrative
review of the literature. Review Eat Weight Disord 24(2): 209-246, 2019). Neste
sentido, o questionário ORTO-15 (Antoni Niedzielski and Natalia
Kaźmierczak-Wojtas. Prevalence of Orthorexia Nervosa and Its Diagnostic Tools-A
Literature Review. Review Int J Environ Res Public Health 18(10): 5488, 2021) é
uma ferramenta comumente mencionada. Porém, quem é o especialista para
reconhecer o transtorno e como separar o resultados falso-positivos?
Enfim, a obsessão por alimentação saudável não parece ser uma novidade,
porém com a advento das mídias sociais este fato parece estar aumentando, onde
a hiperinformação (excesso de informação) não significa exatamente qualidade de
informação sobre saúde, nutrição e exercício físico. Muitas decisões que
tomamos frente a comida, por exemplo, são influenciadas por terceiros e, por
vezes, nem percebemos. Neste sentido, como você pode filtrar uma informação
falsa (FAKE NEWS) de outra verdadeira (FATO) se você é leigo na ciência na
nutrição?
Gostou da informação? Sinta-se à vontade de compartilhar, deste que
citada a fonte (Blog: www.peraltanutri.blogspot.com). Siga-me, também, nas
redes sociais (Face: Joelso Peralta; Instagram: @peraltanutri). Para maiores
informações, incluindo cursos, palestras ou debates, segue e-mail:
joelsoperalta@hotmail.com.