quinta-feira, 27 de outubro de 2022

O QUE É CRAVING ALIMENTAR?

 

O QUE É CRAVING ALIMENTAR?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem? Hoje quero discutir com vocês o conceito de craving alimentar (desejo de comer) na obesidade, mas também conceituar outros elementos. Prometo, como sempre, ser didático. Todavia, prometo, como sempre, ser demasiadamente crítico, pois só assim podemos expandir os conhecimentos, expressando nossas opiniões, porém baseado em evidências.

 

Por que falar de OBESIDADE?

 

A resposta é óbvia: a obesidade é um importante problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Segundo a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), a obesidade é uma doença (https://cid10.com.br/), onde temos uma condição inflamatória crônica com o acúmulo excessivo de gordura corporal e índice de massa corporal (IMC) elevado (<https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/obesity-and-overweight>).

 

Deixa-me apresentar alguns números:

 

De acordo com a Agência de Notícias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 25,9% das pessoas adultas são obesas (ou seja, 41,2 milhões de pessoas), enquanto que 60,3% da população adulta apresenta sobrepeso (ou seja, 96 milhões de pessoas). O sobrepeso e a obesidade são mais prevalentes em mulheres do que homens, considerando os indivíduos adultos. Aliás, entre os adolescentes, a prevalência permanece no sexo feminino do que no masculino. E, por fim, entre os idosos (igual ou maior que 60 anos de idade), a prevalência para mulheres supera nos homens, novamente (<https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2020-10/ibge-obesidade-mais-do-que-dobra-na-populacao-com-mais-de-20-anos>).

 

Portanto, onde vamos chegar com o excesso de peso?

Mulherada, o que está acontecendo?

Homens, porque estão acima do peso?

Crianças e adolescentes, o que houve?

Idosos, onde vocês querem chegar com o excesso de peso?

Deixa-me apresentar outros números:

Entre 2003 e 2019, a proporção de pessoas, adultas, com obesidade, de ambos os sexos, passou de 12,2% para 26,8%. A obesidade feminina, passou de 14,5% para 30,2% no mesmo período. Quanto aos homens, no mesmo período, passou de 9,6% para 22,8%. Portanto, a obesidade praticamente dobrou, sendo mais prevalente em mulheres (<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/29204-um-em-cada-quatro-adultos-do-pais-estava-obeso-em-2019>).

 

Não sei se você entendeu, mas vejam:

 

Em 1980, tínhamos 487 milhões de pessoas (adultos) com obesidade no mundo. Em 2013, passamos para 838 milhões de pessoas (adultos) com obesidade, sendo 2,1 bilhões de pessoas com sobrepeso (<https://abeso.org.br/numero-de-obesos-no-mundo-quase-dobrou-desde-1980>).

 

ASSUSTADOOOO? Tá, mas não acabou:

 

Atualmente, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), temos 700 milhões com obesidade e 2,3 bilhões com sobrepeso. De acordo com Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), mais de 1 bilhão de pessoas são obesas no mundo, sendo 650 milhões de adultos, 340 milhões são adolescentes e 39 milhões são crianças (<https://gastrovision.com.br/a-oms-preve-que-em-2025-cerca-de-23-bilhoes-de-adultos-estejam-com-sobrepeso-e-mais-de-700-milhoes-obesos-2/>).

 

E quais são os países recordistas em obesidade?

 

Boa! Entre os países recordistas em obesidade (entre 1975 a 2014), em ordem de obesidade, destacam-se: Estados Unidos, China, Índia, Rússia e Brasil (<https://exame.com/casual/os-paises-com-mais-obesos-no-mundo-brasil-e-um-deles/>).

 

E na América do Sul, quais são os recordistas?

 

Boa! Entre os países da América do Sul, no ano de 2016, com obesidade, em ordem de obesidade, destacam-se: Argentina, Chile, Uruguai, Suriname, Venezuela, Colômbia, Brasil, Paraguai, Guiana, Bolívia, Equador e Peru (<https://www.indexmundi.com/map/?v=2228&r=sa&l=pt>).

IMPRESSIONADOOO? Só um segundo, vou resumir:

 

Em 1989, no Brasil, tínhamos 8,8% da população adulta com obesidade (cerca de 13 milhões de pessoas). Em 2002/2003, passamos para 11% (19 milhões de pessoas). Em 2008/2009, já existia 14,5% (27,5 milhões de pessoas). Em 2014, observamos 18,2% (36,8 milhões). E, atualmente, são 25,9% (41,2 milhões de pessoas) de pessoas com obesidade.

 

Quais são as projeções futuras?

 

É uma bela pergunta! Segundo as projeções publicadas pela BMJ Global Health, em 2060, teremos 88,1% da população brasileira com sobrepeso e obesidade, o que resultará em um impacto econômico de US$ 218,2 bilhões (cerca de R$ 1,3 trilhão de reais) (<https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63005525>).

 

Portanto, porque falar de OBESIDADE?

 

Além dos números assustadores apresentados, não esqueça: a pessoa com sobrepeso ou obesidade acumula uma série de comorbidades: síndrome metabólica, dislipidemia, hipertensão, infarto, derrame, trombose venosa, diabetes, depressão, ansiedade, hérnia discal, problemas articulares e ligamentares, problemas dermatológicos, alguns tipos de câncer, entre outros.  

 

O que leva uma pessoa ser OBESA?

 

As causas são inúmeras, pois a etiologia é multifatorial. Existem causas genéticas, neuroendócrinas, relacionada aos péssimos hábitos alimentares, sedentarismo, associados ao uso de alguns medicamentos, de ordem psicológica e psiquiátrica. Nesta matéria, quero me dedicar ao craving alimentar (desejo de comer).

 

O que é CRAVING ALIMENTAR?

 

Craving alimentar pode ser definido como um desejo alimentar, ou melhor, uma vontade instantânea, persistente e incontrolável de ingerir um certo tipo de alimento hedônico. Hedônico ou “comer hedônico” é uma espécie de “comer emocional”, ou seja, as pessoas estariam se alimentando por estresse, ansiedade, situações emotivas e emocionais, motivadas por hábitos familiares ou circuito de amizades... enfim, relacionadas ao mecanismo de recompensa e prazer. Os alimentos selecionados, muitas vezes, são doces (bolachas recheadas, chocolate, sobremesas, entre outros), mas também aparecem os salgados e ricos em gordura (batatas fritas, hambúrgueres, salgadinhos, etc.).

Não quero, nesta matéria, abordar o tratamento, mas apenas estabelecer alguns conceitos importantes. Por exemplo, fome é uma sensação fisiológica pelo qual nosso corpo percebe que necessita de alimentos (energia e nutrientes) para manter suas atividades inerentes à vida. Os pacientes obesos, muitas vezes, não exigem exatamente fome, mas, sim, vontade de comer. O termo apetite seria o desejo de comer algo, vontade de comer alguma coisa, alimentar-se por preferência. Quer dizer, o apetite implica o desejo por certos tipos de alimentos, o que podem ser bons ou ruins, dependendo da seleção frequente destes alimentos preferidos. Os pacientes obesos, muitas vezes, fazem escolhas ruins de alimentação, baseada em fast food (“comida rápida”) e junk foods (“comida lixo”). Em outras palavras, a seleção de alimentos é altamente palatável e calórica, pobre em fibras, vitaminas e minerais.

O termo saciedade seria o estado de satisfação completa em relação aos alimentos, plena satisfação do apetite ou, para alguns, o contrário da fome. Os pacientes obesos, muitas vezes, não se sentem saciados, onde distúrbios endócrinos e neurobiológicos podem estar envolvidos. Um grande complicador, digamos assim, é a vivencia e convivência em ambientes obesogênicos. Ambientes obesogênicos são todos os fatores que contribuem para obesidade em um determinado ambiente: acesso fácil aos fast foods e junk foods (que estão associadas as estratégias de marketing que incentivam a adesão de alimentos inadequados, por exemplo, anúncios, embalagens e rótulos atrativos); contexto escolar e educacional (crianças e adolescentes que ingerem lanches inadequados, adultos na graduação e pós-graduação que não possuem tempo adequada para a seleção correta de alimentos e estudantes que passam muitas horas em ambientes virtual e aulas online); funcionários de uma empresa que passam horas e horas sentados na frente do computador (muitas vezes em trabalho home office).

Para maiores detalhes, leiam:

Hisham Ziauddeen et al. Obesity and the neurocognitive basis of food reward and the control of intake. Adv Nutr 15;6(4):474-86, 2015 (<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26178031/>).

Michelle A Joyner et al. Food craving as a mediator between addictive-like eating and problematic eating outcomes. Eat Behav 19:98-101, 2015 (doi: 10.1016/j.eatbeh.2015.07.005).

Phong Ching Lee, John B Dixon. Food for thought: reward mechanisms and hedonic overeating in obesity. Curr Obes Rep 6(4):353-361, 2017 (<https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/29052153/>).

Wendy Sun e Hedy Kober. Regulating Food Craving: From Mechanisms to Interventions. Physiol Behav. 1; 222: 112878, 2020 (doi: 10.1016/j.physbeh.2020.112878).

 

Enfim, é óbvio que existem fatores neurobiológicos envolvidos, onde os centros de fome e saciedade do hipotálamo merecem destaque (aliás, já discutido neste blog). Meu objetivo, contudo, foi estabelecer uma reflexão sobre estes conceitos, afinal o desejo de comer (craving alimentar) acompanha o ser humano há séculos. Todavia, nunca vivemos em um ambiente obesogênico tão “tóxico”, impulsionados pelas mídias sociais e vias de comunicação em massa. A reflexão, portanto, faz-se necessária.  

Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. Ahhh, siga-me nas redes sociais (FACE: Joelso Peralta; Instagram: @peraltanutri).  

terça-feira, 18 de outubro de 2022

REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA: O QUE SABEMOS DE VERDADE?

 

REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA: O QUE SABEMOS DE VERDADE?

 (Parte 3 - Final)

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem? Na “Parte 1” falei sobre as “estratégias mirabolantes” de dieta e suplementação para aumentar os níveis naturais de testosterona, particularmente dos estudos (ou melhor, da inexistência de estudos) em relação a pimenta vermelha, gengibre, castanha de caju, gergelim, linhaça, ostras, salmão e cafeína. Aliás, existem alimentos que aumentam os níveis naturais de testosterona em homens e mulheres? Dessa forma, também falei dos estudos sobre os micronutrientes: magnésio e zinco. Na “Parte 2” falei essencialmente do colesterol, que é importante para a biossíntese de hormônios esteroides, incluindo a testosterona. Porém, faltou falar dos ácidos graxos ômega-3 e antioxidantes, o que nos remete à “Parte 3”. Essa será a última parte, onde aproveito para falar da importância do sono e do treinamento, bem como da polêmica Terapia de Reposição Hormonal (TRH). Vamos lá, mas aviso: o texto é “grande”, mas repleto de estudos.  

 

O SONO TEM IMPACTO SOBRE OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?

Existe uma ciência chamada cronobiologia, que estuda as características temporais da matéria viva em todos os níveis de organização, o que inclui o estudo dos ritmos biológicos. Os ritmos biológicos são os fenômenos que se repetem de tempos em tempos e, portanto, de forma cíclica. Enfim, a cronobiologia é um ramo da biologia que estuda os ritmos fisiológicos naturais dos organismos e, neste caso, o ritmo circadiano (que se repete ocorre em 24 horas) é de grande interesse. Obviamente, quando se fala em ritmo de 24 horas, logo pensamos no sono. Todavia, existem os ritmos infradianos (que ultrapassam 24h, por exemplo, o ciclo menstrual que se repete a cada 28 dias) e os ritmos ultradianos (que se repetem em um período menor que 24h, por exemplo, os batimentos cardíacos).

O ciclo sono-vigília (acordar e dormir) é comum em todas as espécies (leões, ursos, aves, ratos, seres humanos, etc.), onde alguns se baseiam na luminosidade para sincronizar seu ritmo biológico com o meio ambiente. Por exemplo, os seres humanos, normalmente, trabalham durante o dia e dormem durante à noite. Já os ratos, estão mais ativos durante a noite e dormem durante o dia. Um fenômeno pouco compreendido, mas repleto de hipóteses, envolvem as aves migratórias, que verdadeiramente migram de uma região para outra, percorrendo grandes distâncias. Entre as hipóteses, temos migração na busca por alimentos; busca de temperaturas mais elevadas; para garantir a sobrevivência da espécie através da reprodução; entre outras. Neste sentido, uma alteração climática poderia desestabilizar o relógio biológico destas aves e porque não dizer dos seres humanos?

 

Onde você quer chegar, professor?

 

AHHH sim, estou dizendo que as perturbações nos ritmos biológicos podem afetar a saúde de todas as espécies. Especificamente, a interrupção na regularidade dos padrões de sono pode confundir o relógio biológico humano e, dessa forma, impactar negativamente sobre a saúde. Por exemplo, a falta de sono ou excesso de iluminação na hora de dormir pode prejudicar a secreção de melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) pela glândula pineal. Este “hormônio do sono”, por assim dizer, permite o sono tranquilo e acolhedor, mas também possui efeitos antioxidantes e imunomoduladores. Além disso, essas perturbações na qualidade do sono podem afetar os genes  CLOCK (clock controlled genes, relógio controlado por genes) e BMAL1 (brain and muscle Arnt-like protein-1, proteína-1 cerebral e do músculo ligada ao Arnt), onde a melatonina e neurotransmissores podem ser afetados. Neste sentido, duas leituras são sugeridas:

 

Sandra J. Kuhlman et al. Introduction to Chronobiology Cite. Cold Spring Harb Perspect Biol 10: a033613, 2018 (doi: 10.1101/cshperspect.a033613).

Alexandra J. Trott; Jerome S. Menet. Regulation of circadian clock transcriptional output by CLOCK:BMAL1. PLOS Genetics 1-34, 2018 (doi: 10.1371/journal.pgen.1007156).

 

Professor, conte-me mais sobre essa perturbação?

 

CLARO, vamos lá. Outro ponto que devemos considerar é o efeito “jetlag” ou “jetlag social”. O termo refere-se à experiência comum entre as pessoas que viajam para lugares com fusos horários diferentes, quem já não sofreu? Neste exemplo clássico de perturbação do ritmo biológico, a inadequação do padrão comum de sono deixa o indivíduo lento, preguiçoso, ou seja, dessincronizado de seu relógio biológico. Quando ocorre com frequência, existem relatos de irregularidades menstruais, aumento da irritabilidade, alterações de humor, alterações nos batimentos cardíacos e dos processos digestórios e fadiga. Existem estudos neste sentido, onde aconselha-se a leitura:

 

M. Parsons et al. Social jetlag, obesity and metabolic disorder: investigation in a cohort study. International Journal of Obesity 39: 842-848, 2015 (doi: 10.1038/ijo.2014.201).

 

Conforme estudo supracitado, existe correlação entre o “jetlag social” e a disfunção metabólica, obesidade e diabetes mellitus tipo 2 (DM2).

 

Mas, professor, a privação do sono afeta a testosterona?

 

SIM, e deixa-me explicar. Um descompasso ou desequilibro do ritmo biológico, devido “jetlag social” ou privação do sono dos inúmeros motivos (preocupação e estresse, ansiedade, brigas entre casais, dor ou desconforto, apneia do sono, refluxo gastroesofágico, excesso de estímulos visuais, excesso de comida e/ou bebidas alcoólicas, excesso de cafeína, etc.), podem acarretar consequências negativas à saúde, inclusive sobre os níveis de testosterona. Para entender melhor, leia o estudo abaixo, que iremos conversar:

 

Konrad S Jankowski et al. Chronotype, social jetlag and sleep loss in relation to sex steroids. Psychoneuroendocrinology 108: 87-93, 2019 (doi: 10.1016/j.psyneuen.2019.05.027).

 

Segundo autores, a perda de sono afeta os níveis de desidroepiandrosterona (DHEA) que, como sabemos, este é precursor primário para testosterona em homens e mulheres. Quer dizer, DHEA forma androstenodiol, que dá origem a testosterona. A testosterona pode aromatizar para formar estradiol. Lembre-se, ainda, uma grande quantidade de testosterona, nos homens, é produzida pelas células de Leydig dos testículos. Todavia, em homens e mulheres, uma pequena quantidade de testosterona é obtida a partir do DHEA na zona reticulosa do córtex adrenal (glândula suprarrenal). Agora, vamos continuar o estudo supracitado.

Konrad S Jankowski et al. (2019) mostraram que perda de sono afeta negativamente os níveis de DHEA (e, consequentemente, testosterona) em homens, mas não em mulheres. Quer dizer, nas mulheres, não foram encontradas associações entre cronótipo (predisposição natural que cada indivíduo tem de sentir picos de energia ou cansaço, de acordo com a hora do dia) e os níveis hormonais. Aliás, um parêntese na explicação: cronótipo e ritmo circadiano não são sinônimos. O cronótipo refere-se aos períodos do dia que você se sente mais capaz, fisicamente e mentalmente, digamos assim. Algumas pessoas são, portanto, diurnas ou matutinas, enquanto que outras são mais noturnas ou vespertinas. Já ritmo circadiano, como já visto, envolve os ritmos (sono, produção de hormônios, reprodução, etc.). No cronótipo (que depende de cada um), temos uma espécie de sincronização dos ritmos circadianos (que se repete a cada 24h).

Finalmente, este estudo não mostra alterações na testosterona produzida a partir das células de Leydig dos testículos, em homens, que perderam suas “boas noites de sono”. Portanto, vejamos outro estudo:

 

Peter Y. Liu e Radha T. Reddy. Sleep, testosterone and cortisol balance, and ageing men. Review Rev Endocr Metab Disord 24;1-17, 2022 (doi: 10.1007/s11154-022-09755-4).

 

Já neste estudo, a falta de sono e o desalinhamento circadiano, generalizado na sociedade moderna, tem impacto no envelhecimento e desenvolvimento de doenças, com menor produção de testosterona matinal, vespertina e em 24h. Ao mesmo tempo, observa-se elevação do cortisol pela manhã e ao longo de 24h. UAU, temos redução da testosterona (que é um hormônio anabólico) com aumento de cortisol (que é um hormônio catabólico). Cabe destacar que o cortisol, produzido pelo córtex adrenal (zona fasciculada), promove gliconeogênese, lipólise e beta-oxidação dos ácidos graxos, bem como proteólise. Vejamos outro estudo, pois o assunto está interessante:

 

Gary Wittert. The relationship between sleep disorders and testosterone in men. Asian J Androl 16(2):262-5, 2014 (doi: 10.4103/1008-682X.122586).

 

No estudo acima, a testosterona e o hormônio luteinizante (LH) apresentam variação circadiana, onde um mínimo de 3 horas de sono são necessários para manter o balanço hormonal normal. Apenas 3h? Sinceramente, esperava algo em torno de 4 ou 5h ou mais. Segundo autores, a produção de testosterona pode estar reduzida em pacientes obesos, embora o distúrbio de apneia do sono (síndrome da apneia obstrutiva do sono, SAOS) não tenha efeito direto sobre a testosterona. Quer dizer, existe um efeito indireto, onde os baixos níveis de testosterona são observados em pacientes obesos com SAOS, que possuem baixa qualidade do sono e, segundo autores, podem requerer reposição com baixas doses de testosterona. Deixa-me completar o raciocínio com outro estudo do mesmo autor:

 

Gary Wittert. The relationship between sleep disorders and testosterone. Curr Opin Endocrinol Diabetes Obes 21(3):239-43, 2014 (doi: 10.1097/MED.00000000000069).

 

Para Gary Wittert (2014), a privação do sono reduz os níveis de testosterona e isso poderia afetar a massa muscular do indivíduo. Aliás, deixa-me finalizar com um estudo interessante:

 

Séverine Lamon et al. The effect of acute sleep deprivation on skeletal muscle protein synthesis and the hormonal environment. Physiol Rep 9(1): e14660, 2021 (doi: 10.14814/phy2.14660).

 

Segundo estudo, a privação do sono afeta os níveis de testosterona e seus baixos níveis afetam a síntese proteica muscular (MPS). Os autores vão mais longe: a perda crônica do sono é um potencial agente catabólico, corroborando para a perda de massa muscular. E, por fim, temos valores impressionantes: a privação do sono reduziu em 18% a MPS, aumentou em 21% os níveis de cortisol e diminuiu em 24% os níveis de testosterona.

Em conclusão, você deveria se preocupar mais com suas horas de sono, especialmente se está submetido ao treinamento e dieta voltados à hipertrofia muscular. Existem outras consequências da falta de sono, que merece apenas citação: acidentes de trânsito, devido prejuízos na capacidade de atenção; problemas de aprendizagem e memória; envelhecimento precoce, incluindo rugas e linhas de expressão; e aumento do peso corporal, devido inadequações nos horários das refeições, ansiedade e depressão.

 

 

O TREINAMENTO TEM IMPACTO SOBRE OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?

Existem pessoas, professor e pesquisadores, mais capacitados que eu para falar desta temática, mas deixo aqui minhas breves considerações. Portanto, vejamos o seguinte estudo:

 

R. Schwanbeck et al. Effects of Training With Free Weights Versus Machines on Muscle Mass, Strength, Free Testosterone, and Free Cortisol Levels. J Strength Cond Res 34(7):1851-1859, 2020 (doi: 10.1519/JSC.000000000003349).

 

Trata-se de um estudo randomizado com 46 indivíduos (20 homens e 26 mulheres, entre 18 e 30 anos, média de 22 anos), que foram organizados para treinar usando pesos livres ou máquinas. O estudo durou 8 semanas, onde cada grupo muscular foi treinado 2 a 3 vezes por semanas (3 a 4 séries, 4 a 10 repetições). Obs.: Não falarei do treinamento, portanto, leia o estudo para maiores detalhes. Continuando: a massa muscular é avaliada antes e depois do treinamento com o sistema de pletismografia por deslocamento de ar (BOD POD), que é um dos sistemas de avaliação mais completos do mundo. Ultrassom também mediu a espessura do bíceps e quadríceps dos voluntários. Foram coletados a testosterona e cortisol de saliva, sempre antes do treino.

 

E quais foram os resultados?

 

Segundo autores, o treinamento com pesos livres ou máquinas (treinamento de força) aumentaram os níveis de testosterona livre em homens, mas não em mulheres. Ainda, não há diferença entre pesos livres e máquinas, pois ambos são eficazes para aumentar os níveis de testosterona livre, que foi observado somente em homens. As mulheres, portanto, independente do treino, não apresentam alterações nos níveis de testosterona. Deixa-me apresentar alguns números:

NOS HOMENS:

Exercício com pesos livres: testosterona livre passou de 194 para 218 pg/ml após 8 semanas de treinamento (considerado significativo).

Exercício com máquinas: testosterona livre passou de 143 para 160 pg/ml após 8 semanas de treinamento (considerado significativo).

NAS MULHERES:

Exercício com pesos livres: testosterona livre passou de 75 para 78 pg/ml após 8 semanas de treinamento (considerado não significativo)

Exercício com máquinas: testosterona livre passou de 70 para 87 pg/ml após 8 semanas de treinamento (considerado não significativo).

 

AHHH, deixa-me trazer alguns valores de referência para comparação, lembrando que o estudo avaliou a testosterona de saliva em homens e mulheres com média de 22 anos de idade (portanto, os valores abaixo são para testosterona livre salivar):

HOMENS:

21 a 30 anos: 47,2 a 136,2 pg/mL    

31 a 40 anos: 46,8 a 106,8 pg/mL   

41 a 50 anos: 36,5 a 82,7 pg/mL

51 a 60 anos: 19,1 a 89,0 pg/mL   

61 a 75 anos: 12,2 a 68,6 pg/mL  

MULHERES:

21 a 30 anos: 7,9 a 50,4 pg/mL

31 a 40 anos: Inferior 44,8 pg/mL

41 a 50 anos: Inferior 39,4 pg/mL

51 a 60 anos: Inferior 29,8 pg/mL

61 a 75 anos: Inferior 29,3 pg/mL                                         

 

Com base nisso, cabe comentar: os homens deste estudo já partiram de níveis elevados de testosterona salivar (143 a 194 pg/ml), que são valores maiores que a referência para idade do estudo (21 a 30 anos: 47,2 a 136,2 pg/ml). Da mesma forma, as mulheres deste estudo partiram de valores aumentados de testosterona livre (70 a 75 pg/ml), que são maiores que a referência para idade (21 a 30 anos: 7,9 a 50,4 pg/ml). A explicação é simples: os indivíduos deste estudo eram previamente treinados, que é uma limitação importante do estudo, como falaremos mais adiante (ou seja, gostaria de ver o impacto do treinamento sobre os níveis de testosterona livre e total em indivíduos sedentários ou pouco ativos).

Outros resultados mostram que a espessura do bíceps foi maior e significativa nos homens, tanto em pesos livres, quanto em máquinas, no período após 8 semanas. Essa diferença não foi observada em mulheres. De forma similar, a espessura do quadríceps ocorreu de forma significativa apenas em homens, após 8 semana de treinamento, mas não em mulheres. Embora não significativo, um discreto aumento da espessura do bíceps e quadríceps em mulheres mostra que a hipertrofia pode ser alcançada sem aumento correspondente de testosterona livre, segundo autores (ou, penso eu, a espessura não foi significativa justamente porque a testosterona livre não aumentou?). Por fim, em ambos os grupos, não houve diferença quanto ao cortisol salivar.

Contudo, é importante fazer algumas considerações e salientar algumas limitações do estudo.

Primeiro, um aumento da massa muscular não foi efetivamente observado entre os grupos (homens e mulheres). Acredita-se que os indivíduos tinham experiência prévia com treinamento e isso possa ter interferido nos resultados, ou seja, já estariam próximos do nível máximo de massa corporal magra e/ou o estímulo proposto (apenas 8 semanas) não foi suficientemente forte para causar alterações.

Segundo, interessantemente as mulheres aumentaram espessura do bíceps e quadríceps (discretamente e não significativo do ponto de vista estatístico), onde sugere-se não existir relação causal entre hipertrofia e níveis de testosterona, pelo menos em mulheres. Todavia, tenho minhas dúvidas: será que a espessura não aumentou, em mulheres, justamente porque a testosterona livre não aumentou com o treinamento de apenas 8 semanas em pessoas previamente treinadas?

Terceiro, foram avaliados a testosterona e cortisol da saliva, o que pode não representar exatamente os níveis destes hormônios na corrente sanguínea. Aliás, acredito que essa é a principal limitação do estudo. Penso eu: usaram BOD POD e ultrassom (que são caros), mas não mensuraram hormônios no sangue, porquê?

Quarto, o principal achado, portanto, é que o exercício com pesos livres ou máquinas são igualmente eficazes para aumentar os níveis de testosterona em homens, o que pode se refletir em aumento da massa muscular em programas de treinamento mais longos (além de 8 semanas).  

 

Gostou? Respira aí, pois falta a última parte!

 

O QUE SABEMOS SOBRE A REPOSIÇÃO DE TESTOSTERONA?

Todos sabemos que o envelhecimento humano é um processo natural e irreversível, que é acompanhado por alterações morfofisiológicas que levam a progressiva diminuição da capacidade física e orgânica, o que torna o indivíduo mais suscetível às doenças. Portanto, nenhuma novidade até o momento!

Ao mesmo tempo, o processo parece afetar as pessoas em velocidades diferentes, ou seja, argumenta-se que existir uma distinção entre a idade cronológica e a idade biológica. Define-se como idade cronológica a idade do indivíduo, em anos, desde o nascimento que culminará, inevitavelmente, com sua morte. Em contrapartida, define-se como idade biológica a queda das funções orgânicas que ocorrem em todas as pessoas, porém algumas pessoas parecem não exibir o declínio da capacidade física e orgânica com o passar dos anos, ou seja, parecem envelhecer em velocidades diferentes. Portanto, parece bastante lógico, afinal conhecemos pessoas com 80 anos que parecem 18 anos, por assim dizer.

Quer dizer, todos nascem, crescem, se tornam adultos, envelhecem e morrem, sendo essa a única certeza da vida. Porém, neste processo lento e gradual do envelhecimento, onde alguns parecem envelhecer com velocidades distintas e, neste sentido, todos querem “envelhecer lentamente”, não é mesmo? Aliás, queremos viver mais e sem doenças, não é mesmo? Pois bem, agora podemos falar da Medicina Anti-Aging e da Terapia de Reposição Hormonal (TRH).

 

MEDICINA ANTI-AGING

A Medicina Anti-Aging (medicina antienvelhecimento), uma linha da medicina preventiva e integrativa, diz que podemos detectar, prevenir e tratar antecipadamente os sinais e sintomas do envelhecimento humano. Quer dizer, a identificação precoce de possíveis problemas de saúde ou doenças (ou seja, que não apareceram ainda, mas acredita-se que possam surgir) podem ser tratados para proporcionar melhor qualidade de vida e longevidade. Segundo defensores, um dos principais caminhos para se evitar problemas de saúde, no futuro, é o ajuste do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Dessa forma, vamos falar de TRH.

 

TERAPIA DE REPOSIÇÃO HORMONAL (TRH)

A Terapia de Reposição Hormonal (TRH) visa repor os hormônios que se perdem com o passar dos anos, ou seja, trata-se de uma ação corretiva que visa normalizar os hormônios deficitários. Todavia, muitos tratamentos de TRH repõem hormônios que ainda não estão em “queda livre”, cujo argumentação é aumentar as taxas hormonais, com a utilização isolada ou combinada de hormônios, antes de um decréscimo potencialmente prejudicial.

O tema, contudo, é polêmico. Por exemplo, o Conselho Federal de Medicina (CFM) diz que faltam evidências científicas que justifiquem a prática da chamada Medicina Anti-Aging (antienvelhecimento). Aliás, a medicina anti-aging não é uma especialidade reconhecida pelo CFM e sua prática por médicos brasileiros pode sofrer sanções da lei, devido Resolução CFM Nº 1999 de 27/09/2012. Agora que entendemos estes conceitos, ou melhor, entendemos os pontos de vista dos médicos anti-aging e dos médicos da medicina tradicional ou convencional, deixa-me passar minha opinião.

 

Professor, o que você pensa da TRH?

 

Acredito que a temática envelhecimento é complexa e, certamente, não totalmente entendida. Parece lógico equilibrar ou corrigir o eixo hipotálamo-hipófise-gonadal quando o problema for diagnosticado, especialmente em adultos e idosos, mas parece charlatanismo querer “repor” algo que não está deficiente. Existem inúmeros estudos sobre o Climatério e a Menopausa nas mulheres, bem como o Distúrbio Androgênico do Envelhecimento Masculino (DAEM) ou, simplesmente, Andropausa nos homens. Neste sentido, repito: parece lógico corrigir as taxas hormonais se os problemas de saúde foram identificáveis e incômodos ao paciente. Por outro lado, existe muita “reposição” em pacientes jovens e adultos sem qualquer justificativa plausível e, pior, baseado em “falácia lógica” (raciocínio errado, misturado com fatos verídicos, para enganar as pessoas).

Pois bem, acredito que a terminologia "antienvelhecimento(e algumas promessas do TRH) não é adequada. Por exemplo, existem centenários e supercentenários (pessoas acima dos 110 anos) na Ilha de Okinawa, no Japão, o que não se deve ao TRH, mas, sim, alimentação e estilo de vida saudável. Além disso, não existem estudos sobre TRH avaliando biomarcadores, mensuráveis, do envelhecimento. Portanto, como afirmar que TRH aumentou sua longevidade se não pode comprovar? TRH pode desacelerar o processo de envelhecimento? Se isso for um fato, cadê os estudos? Se isso for sua opinião pessoal, qual grau de confiança devemos depositar em virtude de baixíssimo grau de evidência científica? Sabemos que a falta de estudos neste campo abriu as portas, literalmente, para biohackers (hackers da própria biologia) com seus “laboratórios” de fundo de quintal, manipulando genes e fazendo experimentos sem qualquer aprovação em Comitê de Ética e Pesquisa (CEP). Portanto, o que são fatos científicos no campo da reprogramação metabólica e o que não passam de ficção científica em “mentes extremamente criativas”?

Por fim, sabemos que muitos buscam TRH não para viver mais, mas, sim, para se apresentar mais belos, bonitos, esteticamente atraentes. Já falei isso em outro post, mas pergunto: será que adotar a TRH ou uso/abuso de esteroides anabólico-androgênicos (EAA) não refletem a insegurança com a imagem corporal das pessoas, que parecem viver em uma sociedade que valoriza as aparências?   

NOTA: Em outra oportunidade falarei dos ácidos graxos poli-insaturados ômega-3 e antioxidantes, que merecem matérias próprias. Nessa ocasião, aproveitarei para retomar o contexto testosterona.  

Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. AHHH, siga-me nas redes sociais (@peraltanutri). O Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica e o Curso de Nutrição Esportiva Avançada está em construção! Lendo minhas matérias neste Blog, poderá perceber a profundidade do que estou preparando para vocês, mas te conto em breve!