quinta-feira, 3 de agosto de 2023

ORTOREXIA: OBSESSÃO POR ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL

ORTOREXIA: OBSESSÃO POR ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL


JOELSO PERALTA, Nutricionista, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 



Olá pessoal, tudo bem?

 

ORTOREXIA é um distúrbio alimentar de quem tem obsessão por alimentação saudável, onde alguns alimentos são considerados “impuros”, “impróprios para consumo”, “tóxicos” ou “venenos”.

 

E porque precisamos falar deste assunto?

 

Pois bem, a influenciadora russa Zhanna Samsonova, mais conhecida como Zhanna D'Art, de 39 anos, morreu recentemente, em julho de 2023, cujo noticiários apontam que ela seguia uma dieta exótica e radical, baseada em alimentos crus, que teria deixado a moça doente. Zhanna D'Art ficou famosa por se alimentar somente com alimentos crus, onde o cardápio tinha frutas exóticas, sucos e smoothies, basicamente. 

Segundo noticiários, a influenciadora não ingeria nem mesmo água, pois acredita que tinha tudo que precisava em seus sucos de frutas e vegetais. Amigos e parentes relatavam que a moça parecia fraca, muito emagrecida, anorética, com pernas inchadas e tinha linforréia (distúrbio onde ocorre vazamento de fluido linfático a partir da superfície da pele). 

Em seu perfil no Instagram, com 27,2 mil seguidores, a influenciadora deixava claro que era Chef de “comida vegana crua” e, dessa forma, exibia suas receitas geralmente baseadas em frutas e vegetais crus.

 

A influenciadora tinha diagnóstico de ortorexia?

 

Não, não sabemos. E, justamente por isso, precisamos falar deste assunto, pois logo você vai entender.

 

Todavia, antes de continuar, preciso fazer cinco (05) comentários rápidos e necessários:

 

PRIMEIRO, a causa da morte não foi confirmada, embora suspeita-se de “infecção semelhante à cólera”. Cabe destacar, portanto, que os alimentos crus devem ser higienizados adequadamente para evitar intoxicações alimentares. Sendo assim, qualquer associação da morte com dieta “extrema” é meramente especulativa.


SEGUNDO, não sabemos se a moça tinha transtornos alimentares (TA) e, se sim, tratam-se de distúrbios comportamentais que requerem tratamento médico. Amigos e parente relatam possível anorexia da influenciadora e, neste sentido, a ANOREXIA NERVOSA possui critérios diagnósticos através do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-V, Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders-5) da American Psychiatric Association (AHA). Em outras palavras, a raiz do problema não está exatamente na dieta! De qualquer forma, sentimentos à família e respeito aqueles que necessitam de auxílio e acompanhamento clínico.

 

TERCEIRO, os noticiários fizeram uma “salada de frutas”, por assim dizer, ao noticiar a morte da influenciadora. Sendo assim, não faça confusão com as terminologias, pois não são sinônimos. Deixa-me elucidar rapidamente:


Dieta vegetariana (vegetarianismo) é uma alimentação baseada no consumo de alimentos de origem vegetal, podendo ser ovo-lacto-vegetariano, lacto-vegetariano, ovo-vegetariano e vegetariano estrito (veganos). Aliás, as dietas veganas excluem todos os produtos de origem animal, onde o veganismo é um movimento no sentido de evitar a exploração e crueldade contra os animais, seja no campo da alimentação, vestuário/vestimenta e outras esferas do consumo, segundo a Sociedade Brasileira de Vegetarianismo (https://sbv.org.br). Dieta frugírova (frugivorismo) é uma alimentação baseada no consumo de frutas, preferencialmente in natura, complementando a dieta com hortaliças e oleaginosas. Já dieta crudívora (crudivorismo) é uma alimentação baseada no consumo de alimentos naturais, crus, não cozidos e não processados. Sua variação permite laticínios, ovos e peixes, desde que cozimento seja inferior a 45ºC (The Journal of Nutrition 135(10): 2372-2378, 2005).

 

QUARTO, anorexia, bulimia, obesidade e vigorexia são transtornos alimentares (e de imagem corporal), mas pouco se fala de ORTOREXIA. Por isso, vamos falar deste assunto!

 

QUINTO, muitas pessoas sofrem da “Digital Influencer Syndrome” (ou seja, Síndrome do(a) Influenciador Digital, que acabei de inventar, mas faz todo sentido). Explicando: essa síndrome (que inventei) acomete pessoas não graduadas em nutrição, mas que acreditam que podem “influenciar” outras pessoas quanto aos hábitos alimentares e, por vezes, prescrevendo planos alimentares. É bom lembrar que a prescrição dietética é uma atividade privativa do(a) nutricionista amparado por Lei Federal nº 8.234 de 1991. Além disso, a maioria das informações sobre nutrição, saúde e exercício físico, nas mídias sociais, não são fontes seguras de informação, segundo International of Enviroment Research and Public Health 17: 9022, 2020.

 

Feito as considerações iniciais, vamos falar de ORTOREXIA.

 

ORTOREXIA (orthós, correto; orexis, apetite) foi o termo criado pelo Dr. Steven Bratman, em 1997, em seu livro “Health Food Junkies” (tradução livre: Viciados em Comida Saudável). Segundo Dr. Bratman, trata-se de um distúrbio alimentar de quem tem obsessão por alimentação saudável, onde alguns alimentos são considerados “impuros”, “impróprios para consumo”, “tóxicos” ou “venenos”. Dessa forma, estes alimentos “impuros” devem ser totalmente eliminados da alimentação (Agnieszka Decyk and Maja Księżopolska. Orthorexia nervosa - the border between healthy eating and eating disorders. 73(4): 381-385, 2022).

 

Em um primeiro momento faz todo sentido, pois argumentam que estão eliminando da dieta os corantes, conservantes, pesticidas, agrotóxicos e gordura trans, além do açúcar, adoçantes e sal. O consumo de alimentos “limpos”, “puros”, também exige a eliminação de carnes, ovos e laticínios da dieta.

 

Por outro lado, os seguidores da dieta “limpa” passam muitas horas do dia pensando no “cardápio saudável” e tornam-se antissociais. Também existe um cuidado em demasia com utensílios utilizados na preparação dos alimentos, análise da rotulagem nutricional e, claro, tornam-se “chatos” através da observação e comentários sobre a forma e a maneira como as outras pessoas se alimentam. Para o Dr. Bratman, a busca de uma alimentação saudável extrapolou os limites, tornam-se, na realidade, uma obsessão.

 

Todavia, é difícil diagnosticar ortorexia, pois não existem critérios definidos no DSM-V. E, dessa forma, a obsessão por “alimentação saudável” invadiu as mídias sociais, incluindo Facebook, Instagram, Telegram e Twitter. Nestas redes sociais, cujo proprietário(a) muitas vezes não são profissionais nutricionistas, apresentam pratos, sucos e smoothies coloridos. Por vezes, os atraentes pratos apresentam frutas e vegetais exóticos, onde se desconhecem suas propriedades fitoquímicas. Não importa, são bonitos, atraentes, chamativos e, segundo influenciadores, são ricos de nutrientes e princípios ativos naturais (bioativos), além de pouco calóricos.  

 

Vejam: é muito fácil derrubar argumentos descabidos do tipo “leite inflama”, “frutose causa esteatose hepática” ou “proteína causa lesão hepática”, porém como você consegue derrubar que um prato repleto de frutas e legumes, tão colorido e bonito, pode ser prejudicial à saúde quando se torna a única fonte de nutrientes da dieta? Em outras palavras, você não pode simplesmente dizer para as pessoas não comer frutas e legumes, mas precisa argumentar que ortorexia nervosa é um transtorno alimentar, caracterizado pelo foco obsessivo em uma alimentação “saudável” e inflexibilidade na dieta, que acarreta prejuízos na vida de relação, psicossocial, e saúde (Sanjay Kalra et al. Review J Pak Med Assoc 70(7): 1282-1284, 2020).

 

Ao mesmo tempo, a prevalência de ortorexia na sociedade varia de 1% a 60%, segundo Mateusz Gortat et al. (Orthorexia nervosa - a distorted approach to healthy eating. Review Psychiatr Pol 30;55(2): 421-433, 2021). Aliás, as pesquisas nos últimos 10 anos mostram que o número de pessoas que enfrentam o risco de ortorexia está aumentando, porém com o diagnosticar estes indivíduos? Existem algumas tentativas de estabelecer protocolos diagnósticos para ortorexia (Hellas Cena et al. Definition and diagnostic criteria for orthorexia nervosa: a narrative review of the literature. Review Eat Weight Disord 24(2): 209-246, 2019). Neste sentido, o questionário ORTO-15 (Antoni Niedzielski and Natalia Kaźmierczak-Wojtas. Prevalence of Orthorexia Nervosa and Its Diagnostic Tools-A Literature Review. Review Int J Environ Res Public Health 18(10): 5488, 2021) é uma ferramenta comumente mencionada. Porém, quem é o especialista para reconhecer o transtorno e como separar o resultados falso-positivos?

 

Enfim, a obsessão por alimentação saudável não parece ser uma novidade, porém com a advento das mídias sociais este fato parece estar aumentando, onde a hiperinformação (excesso de informação) não significa exatamente qualidade de informação sobre saúde, nutrição e exercício físico. Muitas decisões que tomamos frente a comida, por exemplo, são influenciadas por terceiros e, por vezes, nem percebemos. Neste sentido, como você pode filtrar uma informação falsa (FAKE NEWS) de outra verdadeira (FATO) se você é leigo na ciência na nutrição?  

 

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