quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

DEPRESSÃO É UMA DOENÇA E NÃO UMA “FRESCURA”

DEPRESSÃO É UMA DOENÇA E NÃO UMA “FRESCURA” PARA CHAMAR A ATENÇÃO 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá, tudo bem? Depressão é uma doença e não uma frescura! Depressão é um transtorno psiquiátrico e não simplesmente sentir-se triste! Entendo que o leigo, através do senso comum, tenha uma visão distorcida, equivocada, da depressão. Contudo, você, caso seja um profissional de saúde, não pode cometer esse equívoco. Dessa forma, deixa-me detalhar este assunto, pois a doença vem crescendo nos últimos anos, especialmente durante e após a pandemia de Covid-19.

 

O QUE É DEPRESSÃO?

Depressão é um transtorno psiquiátrico incapacitante, crônico e recorrente, sendo considerado uma doença pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10), através do código F33. Os pacientes depressivos ou deprimidos apresentam importantes limitações em suas atividades diárias, de convívio social e de bem-estar. A doença, infelizmente, é subnotificada (30 a 60% dos casos de depressão não são detectados pelos especialistas). Dessa forma, muitos não recebem tratamento ou recebem tratamentos insuficientes ou inadequados. O treinamento de não médicos (mas que sejam profissionais de saúde) para identificar um quadro de depressão poderia permitir melhor rastreamento e indicação de tratamento.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo. No Brasil, segundo a Agência de Notícias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a depressão aumentou 34,2% e atinge 16,3 milhões de brasileiros adultos. Quer dizer, em 2013, eram 11,2 milhões de brasileiros (7,6%) e, em 2020, os dados registravam 16,3 milhões (10,2%). Além disso, a depressão é mais frequente em mulheres do que homens (14,7% versus 5,1%, respectivamente). A incidência de depressão também é elevada entre os idosos (13,2%).

 

QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS SINTOMAS?

Os principais sintomas da depressão incluem: tristeza, melancolia, perda de interesse por atividades rotineiras, falta de esperança ou desesperança, desamparo ou desespero, sentimento de inutilidade ou culpa, negatividade pessoal, baixa autoestima, cansaço generalizado, dificuldade de concentração, lentidão de ideias e fala, perda de memória, inabilidade para tomar decisões e relatos de excesso de sono ou insônia. O paciente também pode perder peso (e desnutrir) ou ganhar peso (e evoluir para o sobrepeso e a obesidade), além de apresentar pensamentos frequentes de morte e suicídio. Alguns estudos mostram que 15% das pessoas com depressão cometem suicídio. Outros estudos mostram que 1% das mulheres e 7% dos homens cometem suicídio. O risco de suicídio é maior em pessoas depressivas do que a população sem a doença.

Existem outros sintomas que, por vezes, passam despercebidos e possuem relação com depressão: perda de libido, distúrbios menstruais e distúrbios gastrintestinais (boca seca, flatulência e diarreia ou constipação), cardiovasculares (palpitação ou taquicardia) e respiratórios (hiperventilação ou respiração ofegante).  

 

QUAIS SÃO AS CAUSAS?

Existem inúmeras causas (etiologia), mas parecem estar interligadas ou inter-relacionadas. Entre elas, podemos citar: fatores genéticos e ambientais, traumas psicológicos e abuso de drogas. Quer dizer, pessoas com familiares diagnosticados com depressão e outras formas de transtornos psiquiátricos (transtorno bipolar, demência, esquizofrenia, entre outros) estão mais propensos para desenvolver um quadro depressivo. Ao mesmo tempo, situações ambientais podem propiciar um quadro de depressão, por exemplo, dificuldades socioeconômicas, desemprego e rotinas de trabalho “desumanas”, desgastantes e estressantes. Os traumas psicológicos vividos afetam fortemente as pessoas, desencadeando quadros depressivos. Como exemplo, podemos citar o abuso verbal e físico entre pais e filhos, entre cônjuges, bem como o abuso sexual. Insultos, humilhações, acusações, julgamento, desvalorização e muito estresse são fatores que podem estar envolvidos com o surgimento de um quadro depressivo. Por fim, o uso e abuso de drogas pode desencadear ou agravar os quadros de depressão, incluindo abuso de drogas ilícitas, álcool e tabagismo.  

Bioquimicamente falando, existem alterações neuroquímicas envolvidas na depressão, especialmente a “Teoria ou Hipótese das Aminas Biogênicas”. Segundo a hipótese, a depressão seria consequência da menor disponibilidade de neurotransmissores no cérebro, particularmente serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) e norepinefrina (NE), mas também dopamina (DA). Neste sentido, como veremos mais adiante, muitos fármacos antidepressivos buscam ajustar ou equilibrar estes neuroquímicos.

Porém, outros estudiosos apontam outras direções, como alterações epigenéticas associadas ao estresse. Neste caso, alguns genes são focos de estudo e alvos terapêuticos: NRC31, SLCA4, BDNF, FKBP5, SKA2, OXTR, LINGO3, POU3F1 e ITGB1. Ainda existem estudos que apontam para a neuroinflamação ou imunoinflamação na depressão, onde são focos de pesquisa as citocinas pró-inflamatórias (IL-1b, IL-6 e TNFa) e o papel da micróglia e astrócitos. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) tem sido frequentemente estudado, onde a hipersecreção de cortisol e outros glicocorticoides poderia elucidar alguns mecanismos na doença.

Sendo assim, depressão não é frescura!!!

 

EXISTE TRATAMENTO?

Sim, inclusive tratamento preventivo. Para prevenir a depressão é preciso identificar o “estopim” do quadro depressivo. Em seguida, elaborar estratégias e planos para uma vida mais saudável do ponto de vista físico, mental e social. A nutrição e o profissional nutricionista têm papel fundamental na terapêutica preventiva, mas não podemos descartar o apoio de familiares e amigos. A prática regular de atividade física, devidamente orientada por um profissional de educação física, também é de fundamental importância. Manter o corpo ativo traz bem-estar, modulando neurotransmissores e permitindo a socialização do paciente. Obviamente precisará da supervisão de um profissional psicólogo e médico psiquiatra. A psicoterapia deveria ser rotina para estes pacientes. As terapias comportamentais (psicoterapia comportamental) e ocupacionais são estratégias usadas na terapêutica da depressão.

Existem, na realidade, uma serie de tratamentos disponíveis, que deve ser analisado caso a caso: terapia cognitivo-comportamental, psicoterapia comportamental, psicoterapia interpessoal, psicoterapia de resolução de problemas, terapia de casal, aconselhamento, etc. Atualmente, também se estuda as técnicas de neuromodulação na depressão, incluindo eletroconvulsoterapia (ECT) e eletroestimulação magnética transcraniana (EMT). O tratamento deve ser multiprofissional ou, melhor, deve ser multidisciplinar (que envolve vários especialistas, em diversas áreas de conhecimento, trabalhando em equipe, com um objetivo comum de tratar e recuperar o paciente).

Neste sentido, cabe destacar que existe o tratamento medicamentoso, ou seja, uso dos chamados medicamentos ou fármacos antidepressivos. Não vou entrar em grandes detalhes aqui, mas apenas mencionar rapidamente alguns destes medicamentos.

 

Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs)

 Os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) bloqueiam a receptação de serotonina (5-HT) pelo neurônio pré-sináptico. Dessa forma, o neurotransmissor permanece na fenda sináptica e fica disponível para interagir com receptores no neurônio pós-sináptico. Como efeito crônico, espera-se também maior liberação de 5-HT pelas vesículas sinápticas, ou seja, maior quantidade de 5-HT na fenda e interação com neurônios pós-sinápticos. Como exemplo temos: Citalopram, Escitalopram, Fluoxetina, Paroxetina e Sertralina.

 

Inibidores da captação de serotonina e norepinefrina (ICSNs)

Os inibidores da captação de serotonina e norepinefrina (ICSNs) inibem, seletivamente, a captação de serotonina (5-HT) e norepinefrina (NE) pelo neurônio pré-sináptico. O mecanismo de ação, portanto, é duplo. Entre os ICSNs citamos: Velafaxina e Duloxetina.

 

Antidepressivos atípicos

Essa classe de fármacos pode bloquear os receptores de serotonina (5-HT), aumentando o neuroquímico na fenda sináptica, embora alguns locais de atuação e mecanismo de ação não estejam totalmente elucidados. Entre eles citamos: Bupropiona, Mirtazapina, Nefazodona e Trazodona.

 

Antidepressivos tricíclicos (ATCs)

Os antidepressivos tricíclicos (ATCs) bloqueiam a captação dos neurotransmissores norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT) nos neurônios pré-sinápticos, o que aumenta suas concentrações na fenda sináptica e, dessa forma, disponíveis aos neurônios pós-sinápticos. Entre eles, podemos citar: Amitriptilina, Amoxapina, Clomipramina, Desipramina, Doxepina, Imipramina, Maprotilina, Nortriptilina, Protriptilina e Trimipramina.  

 

Inibidores da monoamina-oxidase (iMAOs)

A monoamina-oxidase (MAO) é uma enzima mitocondrial encontrada no fígado e intestino, mas também no sistema nervoso e placenta. A MAO participa da via de degradação da norepinefrina (NE), dopamina (DA) e serotonina (5-HT). Quer dizer, no sistema nervoso, a MAO inativa monoaminas que possam vazar de vesículas sinápticas, formando compostos inativos (metabólitos inativos). Um excesso na degradação de monoamimas (NE, DA e 5-HT), catalisada pela MAO, pode desencadear a depressão em alguns pacientes. Neste sentido, os inibidores da monoamina-oxidase (iMAOs) evitam a inativação destas monoaminas, que conseguem entrar na fenda sináptica e ligam-se aos neurônios pós-sinápticos, permitindo a sinalização neuroquímica necessária. Como exemplo de fármacos iMAOS podemos citar a Fenelzina e Tranilcipromina.

 

Fármacos usados para tratar mania

Como vimos, uma grande parte dos fármacos antidepressivos atuam normalizando os neurotransmissores serotonina (5-HT) e/ou norepinefrina (NE) no cérebro, o que reflete a chamada “Teoria das Aminas Biogênicas”. Todavia, alguns pacientes com quadro de depressão exibem manias, que pode estar associado ao excesso destes neuroquímicos (e não sua deficiência). Claro, existem outras explicações, incluindo alterações nas vias metabólicos em que participam estas aminas biogênicas (por exemplo, envolvendo o segundo mensageiro bifosfato de fosfatidilinositol ou PIP2). Neste sentido, nos casos de maníaco-depressivos, recorrem-se à Carbazepina, sais de lítio e ácido valproico.

 

 NOTA: Todos os medicamentos possuem, em maior ou menor grau, efeitos adversos. Portanto, essa matéria tem apenas a função de informar, não devendo ser encarada como um conselho médico ou sugestão de automedicação. Ao mesmo tempo, existem vários tipos de depressão (depressão maior, transtorno afetivo, depressão pós-parto, depressão psicótica, maníaco-depressivo, etc.) e, portanto, procure seu médico para estabelecer o diagnóstico e o melhor tratamento disponível.

 

E lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. Ahhh, siga-me nas redes sociais (FACE: Joelso Peralta; Instagram: @peraltanutri).  

 

Sugestões de leitura:

IBGE: depressão aumenta 34% e atinge 16,3 milhões de brasileiros. Fonte: <https://noticias.r7.com/saude/ibge-depressao-aumenta-34-e-atinge-163-milhoes-de-brasileiros-18112020>.

Luciana Vismari et al. Depressão, antidepressivos e sistema imune: um novo olhar sobre um velho problema. Revisões da Literatura, Arch. Clin. Psychiatry (São Paulo) 35(5): 196-204, 2008.

Marcelo P. Fleck et al. Revisão das Diretrizes da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão. Revista Brasileira de Psiquiatria 31(Supl I): S7-S17, 2009.

Richard D. Howland e Mary J. Mycek. Farmacologia Ilustrada. 3.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2007.

Robert K. Murray et al. Harper: Bioquímica. 8.ed. São Paulo: Atheneu, 1998.