DEPRESSÃO É UMA DOENÇA E NÃO UMA “FRESCURA” PARA CHAMAR A ATENÇÃO
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá, tudo bem? Depressão é uma doença e não uma frescura! Depressão é um transtorno psiquiátrico e não simplesmente sentir-se triste! Entendo que o leigo, através do senso comum, tenha uma visão distorcida, equivocada, da depressão. Contudo, você, caso seja um profissional de saúde, não pode cometer esse equívoco. Dessa forma, deixa-me detalhar este assunto, pois a doença vem crescendo nos últimos anos, especialmente durante e após a pandemia de Covid-19.
O QUE É DEPRESSÃO?
Depressão é um transtorno psiquiátrico incapacitante,
crônico e recorrente, sendo considerado uma doença pela Classificação
Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10),
através do código F33. Os pacientes depressivos ou deprimidos apresentam importantes
limitações em suas atividades diárias, de convívio social e de bem-estar. A doença,
infelizmente, é subnotificada (30 a 60% dos casos de depressão não são
detectados pelos especialistas). Dessa forma, muitos não recebem tratamento ou
recebem tratamentos insuficientes ou inadequados. O treinamento de não médicos
(mas que sejam profissionais de saúde) para identificar um quadro de depressão
poderia permitir melhor rastreamento e indicação de tratamento.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde
(OMS), cerca de 350 milhões de pessoas sofrem de depressão no mundo. No Brasil,
segundo a Agência de Notícias do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), a depressão aumentou 34,2% e atinge 16,3 milhões de
brasileiros adultos. Quer dizer, em 2013, eram 11,2 milhões de brasileiros
(7,6%) e, em 2020, os dados registravam 16,3 milhões (10,2%). Além disso, a depressão
é mais frequente em mulheres do que homens (14,7% versus 5,1%,
respectivamente). A incidência de depressão também é elevada entre os idosos
(13,2%).
QUAIS SÃO OS PRINCIPAIS SINTOMAS?
Os principais sintomas da depressão incluem:
tristeza, melancolia, perda de interesse por atividades rotineiras, falta de esperança
ou desesperança, desamparo ou desespero, sentimento de inutilidade ou culpa, negatividade
pessoal, baixa autoestima, cansaço generalizado, dificuldade de concentração, lentidão
de ideias e fala, perda de memória, inabilidade para tomar decisões e relatos
de excesso de sono ou insônia. O paciente também pode perder peso (e desnutrir)
ou ganhar peso (e evoluir para o sobrepeso e a obesidade), além de apresentar pensamentos
frequentes de morte e suicídio. Alguns estudos mostram que 15% das pessoas com
depressão cometem suicídio. Outros estudos mostram que 1% das mulheres e 7% dos
homens cometem suicídio. O risco de suicídio é maior em pessoas depressivas do
que a população sem a doença.
Existem outros sintomas que, por vezes, passam
despercebidos e possuem relação com depressão: perda de libido, distúrbios menstruais
e distúrbios gastrintestinais (boca seca, flatulência e diarreia ou
constipação), cardiovasculares (palpitação ou taquicardia) e respiratórios
(hiperventilação ou respiração ofegante).
QUAIS SÃO AS CAUSAS?
Existem inúmeras causas (etiologia), mas parecem
estar interligadas ou inter-relacionadas. Entre elas, podemos citar: fatores
genéticos e ambientais, traumas psicológicos e abuso de drogas. Quer dizer,
pessoas com familiares diagnosticados com depressão e outras formas de
transtornos psiquiátricos (transtorno bipolar, demência, esquizofrenia, entre
outros) estão mais propensos para desenvolver um quadro depressivo. Ao mesmo
tempo, situações ambientais podem propiciar um quadro de depressão, por
exemplo, dificuldades socioeconômicas, desemprego e rotinas de trabalho “desumanas”,
desgastantes e estressantes. Os traumas psicológicos vividos afetam fortemente
as pessoas, desencadeando quadros depressivos. Como exemplo, podemos citar o
abuso verbal e físico entre pais e filhos, entre cônjuges, bem como o abuso
sexual. Insultos, humilhações, acusações, julgamento, desvalorização e muito
estresse são fatores que podem estar envolvidos com o surgimento de um quadro
depressivo. Por fim, o uso e abuso de drogas pode desencadear ou agravar os
quadros de depressão, incluindo abuso de drogas ilícitas, álcool e tabagismo.
Bioquimicamente falando, existem alterações neuroquímicas
envolvidas na depressão, especialmente a “Teoria ou Hipótese das Aminas
Biogênicas”. Segundo a hipótese, a depressão seria consequência da menor disponibilidade
de neurotransmissores no cérebro, particularmente serotonina
(5-hidroxitriptamina, 5-HT) e norepinefrina (NE), mas também dopamina (DA). Neste
sentido, como veremos mais adiante, muitos fármacos antidepressivos buscam
ajustar ou equilibrar estes neuroquímicos.
Porém, outros estudiosos apontam outras
direções, como alterações epigenéticas associadas ao estresse. Neste caso,
alguns genes são focos de estudo e alvos terapêuticos: NRC31, SLCA4, BDNF,
FKBP5, SKA2, OXTR, LINGO3, POU3F1 e ITGB1. Ainda existem estudos que apontam
para a neuroinflamação ou imunoinflamação na depressão, onde são focos de pesquisa
as citocinas pró-inflamatórias (IL-1b, IL-6 e TNFa) e o papel da micróglia e
astrócitos. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) tem sido frequentemente estudado,
onde a hipersecreção de cortisol e outros glicocorticoides poderia elucidar alguns
mecanismos na doença.
Sendo assim, depressão não é frescura!!!
EXISTE TRATAMENTO?
Sim, inclusive tratamento preventivo. Para prevenir
a depressão é preciso identificar o “estopim” do quadro depressivo. Em seguida,
elaborar estratégias e planos para uma vida mais saudável do ponto de vista
físico, mental e social. A nutrição e o profissional nutricionista têm papel
fundamental na terapêutica preventiva, mas não podemos descartar o apoio de familiares
e amigos. A prática regular de atividade física, devidamente orientada por um profissional
de educação física, também é de fundamental importância. Manter o corpo ativo
traz bem-estar, modulando neurotransmissores e permitindo a socialização do
paciente. Obviamente precisará da supervisão de um profissional psicólogo e médico
psiquiatra. A psicoterapia deveria ser rotina para estes pacientes. As terapias
comportamentais (psicoterapia comportamental) e ocupacionais são estratégias
usadas na terapêutica da depressão.
Existem, na realidade, uma serie de tratamentos
disponíveis, que deve ser analisado caso a caso: terapia
cognitivo-comportamental, psicoterapia comportamental, psicoterapia
interpessoal, psicoterapia de resolução de problemas, terapia de casal, aconselhamento,
etc. Atualmente, também se estuda as técnicas de neuromodulação na depressão,
incluindo eletroconvulsoterapia (ECT) e eletroestimulação magnética
transcraniana (EMT). O tratamento deve ser multiprofissional ou, melhor, deve
ser multidisciplinar (que envolve vários especialistas, em diversas áreas de
conhecimento, trabalhando em equipe, com um objetivo comum de tratar e recuperar
o paciente).
Neste sentido, cabe destacar que existe o
tratamento medicamentoso, ou seja, uso dos chamados medicamentos ou fármacos antidepressivos.
Não vou entrar em grandes detalhes aqui, mas apenas mencionar rapidamente
alguns destes medicamentos.
Inibidores seletivos da recaptação
de serotonina (ISRSs)
Os inibidores
seletivos da recaptação de serotonina (ISRSs) bloqueiam a receptação de
serotonina (5-HT) pelo neurônio pré-sináptico. Dessa forma, o neurotransmissor
permanece na fenda sináptica e fica disponível para interagir com receptores no
neurônio pós-sináptico. Como efeito crônico, espera-se também maior liberação
de 5-HT pelas vesículas sinápticas, ou seja, maior quantidade de 5-HT na fenda
e interação com neurônios pós-sinápticos. Como exemplo temos: Citalopram, Escitalopram,
Fluoxetina, Paroxetina e Sertralina.
Inibidores da captação de serotonina
e norepinefrina (ICSNs)
Os inibidores da captação de serotonina e
norepinefrina (ICSNs) inibem, seletivamente, a captação de serotonina (5-HT) e
norepinefrina (NE) pelo neurônio pré-sináptico. O mecanismo de ação, portanto,
é duplo. Entre os ICSNs citamos: Velafaxina e Duloxetina.
Antidepressivos atípicos
Essa classe de fármacos pode bloquear os
receptores de serotonina (5-HT), aumentando o neuroquímico na fenda sináptica,
embora alguns locais de atuação e mecanismo de ação não estejam totalmente
elucidados. Entre eles citamos: Bupropiona, Mirtazapina, Nefazodona e
Trazodona.
Antidepressivos tricíclicos
(ATCs)
Os antidepressivos tricíclicos (ATCs) bloqueiam
a captação dos neurotransmissores norepinefrina (NE) e serotonina (5-HT) nos
neurônios pré-sinápticos, o que aumenta suas concentrações na fenda sináptica
e, dessa forma, disponíveis aos neurônios pós-sinápticos. Entre eles, podemos
citar: Amitriptilina, Amoxapina, Clomipramina, Desipramina, Doxepina,
Imipramina, Maprotilina, Nortriptilina, Protriptilina e Trimipramina.
Inibidores da monoamina-oxidase
(iMAOs)
A monoamina-oxidase (MAO) é uma enzima
mitocondrial encontrada no fígado e intestino, mas também no sistema nervoso e
placenta. A MAO participa da via de degradação da norepinefrina (NE), dopamina
(DA) e serotonina (5-HT). Quer dizer, no sistema nervoso, a MAO inativa
monoaminas que possam vazar de vesículas sinápticas, formando compostos
inativos (metabólitos inativos). Um excesso na degradação de monoamimas (NE, DA
e 5-HT), catalisada pela MAO, pode desencadear a depressão em alguns pacientes.
Neste sentido, os inibidores da monoamina-oxidase (iMAOs) evitam a inativação
destas monoaminas, que conseguem entrar na fenda sináptica e ligam-se aos neurônios
pós-sinápticos, permitindo a sinalização neuroquímica necessária. Como exemplo
de fármacos iMAOS podemos citar a Fenelzina e Tranilcipromina.
Fármacos usados para tratar
mania
Como vimos, uma grande parte dos fármacos
antidepressivos atuam normalizando os neurotransmissores serotonina (5-HT) e/ou
norepinefrina (NE) no cérebro, o que reflete a chamada “Teoria das Aminas
Biogênicas”. Todavia, alguns pacientes com quadro de depressão exibem manias,
que pode estar associado ao excesso destes neuroquímicos (e não sua deficiência).
Claro, existem outras explicações, incluindo alterações nas vias metabólicos em
que participam estas aminas biogênicas (por exemplo, envolvendo o segundo
mensageiro bifosfato de fosfatidilinositol ou PIP2). Neste sentido, nos casos
de maníaco-depressivos, recorrem-se à Carbazepina, sais de lítio e ácido
valproico.
NOTA:
Todos os medicamentos possuem, em maior ou menor grau, efeitos adversos. Portanto,
essa matéria tem apenas a função de informar, não devendo ser encarada como um conselho
médico ou sugestão de automedicação. Ao mesmo tempo, existem vários tipos de
depressão (depressão maior, transtorno afetivo, depressão pós-parto, depressão
psicótica, maníaco-depressivo, etc.) e, portanto, procure seu médico para
estabelecer o diagnóstico e o melhor tratamento disponível.
E lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde
que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com.
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Sugestões de leitura:
IBGE: depressão aumenta 34% e atinge 16,3
milhões de brasileiros. Fonte: <https://noticias.r7.com/saude/ibge-depressao-aumenta-34-e-atinge-163-milhoes-de-brasileiros-18112020>.
Luciana Vismari et al. Depressão,
antidepressivos e sistema imune: um novo olhar sobre um velho problema.
Revisões da Literatura, Arch. Clin. Psychiatry (São Paulo) 35(5): 196-204, 2008.
Marcelo P. Fleck et al. Revisão das Diretrizes
da Associação Médica Brasileira para o tratamento da depressão. Revista Brasileira
de Psiquiatria 31(Supl I): S7-S17, 2009.
Richard D. Howland e Mary J. Mycek.
Farmacologia Ilustrada. 3.ed. Porto Alegre: ArtMed, 2007.