sexta-feira, 30 de setembro de 2022

WHEY PROTEIN PROMOVE BALANÇO POSITIVO DE NITROGÊNIO?

 

WHEY PROTEIN PROMOVE BALANÇO POSITIVO DE NITROGÊNIO?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, se vocês buscarem na internet uma resposta para minha pergunta, certamente encontrarão o seguinte:

“Whey Protein proporciona ao corpo um balanço de nitrogênio positivo”.

Talvez encontrarão assim:

“A maior retenção de nitrogênio, primordial para a construção muscular, é obtido com Whey Protein”.

Podem, também, encontrar:

“A ingestão de aminoácidos e proteínas causa balanço nitrogenado positivo”.

 

O fato é: ESTÁ TUDO ERRADO! Calma, calma e calma, vou explicar tudo direitinho! Prontos? Vamos lá!

 

WHEY PROTEIN PROMOVE BALANÇO POSITIVO DE NITROGÊNIO?

Nenhuma fonte proteica, seja obtida de alimentos ou suplementos proteicos, promove o balanço nitrogenado positivo (BN positivo). Esse é um erro conceitual bastante comum, inclusive propagado por profissionais de saúde. O BN positivo, que é essencial para o anabolismo muscular, depende do ESTÍMULO e não da dieta! Peraí, vou repetir para não esquecerem:

 

“O balanço positivo de nitrogênio, que é essencial para o anabolismo muscular, não depende da dieta, mas, sim, do estímulo para reter nitrogênio”.

 

DEIXA-ME ESCLARECER:

Balanço nitrogenado (BN) refere-se a diferença entre a absorção total de nitrogênio (através da ingestão de aminoácidos e proteína na dieta) e a perda total de nitrogênio (que se dá pela urina – 90%, em média –, pelas fezes e, até mesmo, transpiração). Um indivíduo adulto, saudável, apresenta BN equilibrado, ou seja, a retenção de nitrogênio é igual a excreção de nitrogênio (ingestão N = excreção N). Se você ofertar um conteúdo proteico maior ao indivíduo em BN equilibrado, sedentário, ocorrerá, inevitavelmente, oxidação de aminoácidos (desaminação oxidativa) e excreção de nitrogênio na urina (na forma de uréia). Quer dizer, o excesso proteico será compensado por maior eliminação de nitrogênio para manter o BN equilibrado. E, se você “forçar” a ingestão proteica, além dos “limites” necessários, também ocorre acúmulo de gordura corporal (ou seja, favoreceu a lipogênese, onde aminoácidos são convertidos em triglicerídeos e armazenados no tecido adiposo branco).    

Todavia, na presença de um estímulo adequado, ocorre retenção de nitrogênio. Quer dizer, o BN positivo se caracteriza pela maior retenção de nitrogênio quando comparado a excreção de nitrogênio (ingestão N > excreção N). As chances do BN positivo ocorrer são bastante peculiares: fase de crescimento e desenvolvimento em crianças e adolescentes; gravidez e lactação em mulheres; e indivíduos adultos submetidos ao treino de hipertrofia muscular. Em outras palavras, uma real retenção de nitrogênio necessária para a formação efetiva de tecido depende do estímulo, que em indivíduos que já passaram pela fase de crescimento, é o treinamento de sobrecarga.   

Por fim, o BN negativo ocorre quando a eliminação de nitrogênio é maior que a ingestão de nitrogênio (ingestão N < excreção N). Claro, as condições para isso ocorrer também são peculiares: jejum prologado; má nutrição (kwarshiorkor e marasmo); deficiência energética e proteica; doença debilitante (câncer e AIDS, por exemplo); queimaduras; traumas ou cirurgias e, até mesmo, velhice (terceira idade).

PORTANTO:

A síntese proteica (proteinogênese) deve superar a quebra de proteína (proteólise) se você pensa em ganhar músculos, o que não pode ser aumentado com a dieta ou suplementos proteicos. Você não pode “forçar” um BN positivo de nitrogênio apenas ingerindo proteínas (obtida de alimentos ou suplementos), pois a retenção de nitrogênio só existirá na presença de um estímulo. Para indivíduos adultos, esse estímulo chama-se treinamento de força.

Professor, porque nitrogênio?

AHHH, é simples: a mensuração de nitrogênio, especialmente na urina, permite mensurar a ingestão proteica. Quer dizer, os diferentes aminoácidos, que são os “blocos” de construção das proteínas, possuem em sua estrutura química o nitrogênio. Lembre-se: aminoácidos são os constituintes das proteínas e possuem um átomo de carbono central, onde estão ligados um amino-grupo (NH2), um grupo ácido ou carboxílico (COOH), um átomo de hidrogênio (H) e uma cadeia lateral (R). Os aminoácidos diferem uns dos outros através de sua estrutura de cadeias laterais (R). Além disso, a união de dois resíduos de aminoácidos forma um dipetídeo, enquanto que aquela que contém três formaria um tripeptídeo e assim por diante. Quando temos um grande número de aminoácidos, ligados por ligação peptídica, temos um polipeptídeo. A união de vários polipeptídeos formam as proteínas. Lembre-se, ainda, que carboidratos (hidratos de carbono) e lipídeos (que possuem ácidos graxos em sua estrutura) são formados por esqueletos de carbono.

 

Espero que este post tenha sido informativo e útil. Certamente um ou outro leitor ficou pensativo, enquanto que outro ainda pode discordar. Para quem discorda, mesmo frente aos fatos básicos da bioquímica e nutrição, deixa o seguinte desafio:

Prepare uma enorme shakeira com Whey Protein, misturado com água e alguns cubos de gelo. Agite bem e sirva várias vezes ao dia. Ao mesmo tempo, não faça atividade física, apenas mantenha sentado por 15 dias olhando TV. Aproveite para assistir seu seriado preferido, bebendo Whey várias vezes ao dia. Ao final de 15 dias me diga: você está musculoso (bodybuilder) ou gordo (fatbuilder)?

 

Se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. Em breve, vou divulga meu Curso de Nutrição Esportiva Avançada e minha Mentoria Acadêmica e Escrita Científica.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

WHEY PROTEIN PÓS-TREINO É NECESSÁRIO?

 

WHEY PROTEIN PÓS-TREINO É NECESSÁRIO?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, o que acham desta dúvida? Tenho certeza que muitas pessoas diriam SIM, ou seja, que Whey Protein é necessário no pós-treino. Contudo, lamento decepcioná-los, mas minha resposta será NÃO, não é necessário! KEEP CALM (mantenha a calma), pois vocês já me conhecem, quer dizer, vou justificar cientificamente meu posicionamento.

 

Quem disse que deve ingerir Whey Protein?

Pessoal, não existem estudos afirmando que você deve ingerir Whey Protein no pós-treino. Os estudos dizem, resumidamente, o seguinte:

O estímulo necessário para síntese proteica muscular (MPS), em indivíduos jovens, oscila entre 20 a 25 g proteína por refeição. Aliás, a dosagem de proteína parece ser até menor, segundo outros autores, oscilando entre 13 a 15 g por refeição. Além disso, a refeição pós-treino deveria conter 8,5 e 10 g de aminoácidos essenciais, contendo 2500 a 3500 mg de aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA) nesta refeição. Por fim, atletas de alto desempenho e fisiculturistas podem se beneficiar com necessidades ligeiramente maiores de aminoácidos, ou seja, 5 a 6 g de BCAA nessa refeição proteica.

 

PERCEBEU: ONDE DIZ WHEY PROTEIN?

Em outras palavras, os estudos falam da necessidade de aminoácidos essenciais, ou seja, de proteínas de alto valor biológico (PAVB). São considerados aminoácidos essenciais: Phe (fenilalanina), Val (valina), Trp (triptofano), Met (metionina), Ile (isoleucina), Thr (treonina), His (histidina), Arg (arginina), Leu (leucina) e Lys (lisina). Claro, alguns autores consideram alguns destes aminoácidos como sendo semi-essenciais, mas meu objetivo foi apenas exemplificar os mais comuns.

LEMBRETE:

Aminoácidos essenciais (indispensáveis) são aqueles que não podem ser sintetizados em nosso organismo (não sofrem transaminação) e, dessa forma, precisam vir da dieta para existirem em nosso organismo. As proteínas de alto valor biológico (PAVB) possuem todos os aminoácidos essenciais, sendo essenciais para a construção e reparação muscular. Além do Whey Protein (proteína do soro do leite), os alimentos de origem animal (ovos, carne vermelha, frango, peixes, etc.) são proteínas completas.

 

Então, por que as pessoas usam Whey Protein?

AHHH, essa resposta é simples: opta-se pelo Whey Protein devido sua praticidade de transporte, consumo e conservação. Quer dizer, parece muito mais fácil ingerir uma bebida pós-treino, gelada, saborosa; do que um peito de frango grelhado, um tanto pálido, seco, especialmente quando não usamos temperos em seu preparo. E, óbvio, as empresas multibilionárias dos suplementos esportivos aproveitam seu desconhecimento técnico-científico sobre aminoácidos, proteína, digestão, absorção e destinação dos aminoácidos ao metabolismo para comercializar e incentivar o consumo de Whey Protein.

 

PROFESSOR, ENTÃO WHEY PROTEIN É RUIM?

Nunca, jamais, não foi isso que eu disse! Releia o texto acima e, em seguida, continua a leitura abaixo.  

Traduzindo: a proteína do soro do leite (Whey Protein) é um excelente suplemento alimentar, rico em aminoácidos ramificados (BCAA), contendo peptídeos facilmente absorvíveis. Além disso, contém glicomacropetídeos (GMP), que pode modular hormônios que regulam a glicemia e promover efeitos sacietogênicos, como o peptídeo similar ao glucagon (GLP-1, glucagon-like peptide). Whey Protein também pode fortalecer seu sistema imunológico, contendo cisteína que é um precursor de glutationa (antioxidante). Este suplemento alimentar contém ácido glutâmico (aminoácido não essencial), que é precursor de glutamina. A glutamina participa do ciclo glutamato-glutamina e detoxificação da amônia, bem como integridade intestinal e imunidade. Whey Protein pode ser usado por adolescentes, adultos e idosos. Whey Protein pode ser usado por esportivas e atletas, bem como pessoas sedentárias que necessitam de qualidade proteica na terapêutica de doenças (por exemplo, caquexia do câncer, desnutrição observada na anorexia nervosa, desnutrição energética-proteica, entre outras). Enfim, os benefícios do Whey Protein não se limitam em “ganhar músculos”.  

Todavia, seu organismo precisa, no período pós-treino, de 20 a 25 g de proteína (para outros autores: 30 g/refeição), contendo aminoácidos essenciais, que podem ser obtidos em alimentos ou suplementos. Aliás, como já abordei no post anterior, o fator mais importante para otimizar a síntese proteica muscular (MPS) é garantir a ingestão proteica otimizada, ou seja, na ordem de 1,6 a 2,2 gramas por quilogramas de peso corporal diariamente (1,6-2,2 g/kg/dia). Estudos anteriores, da década de 90, faziam a seguinte recomendação: 1,2 a 1,4 g/kg/dia de proteína para atletas de endurance (exercício de longa duração, onde se exige muito da capacidade e resistência aeróbia) e 1,4 a 1,7 g/kg/dia de proteína para atletas de força. Dizia-se, também, que sedentários (pessoas que não praticam atividade física de forma regular) deveriam ingerir 0,8 g/kg/dia (nunca foi uma realidade para mim, nem mesmo para sedentários).    


Peraí, deixa-me exemplificar:

Um (01) dosador (1 scoop) de Whey Protein Concentrado (média de 10 marcas nacionais e importadas em um estudo de pós-graduação que orientei em 2014) contém 23,70 g de proteína com 5280 mg de BCAA, sendo 2525 mg de leucina. Todavia, uma porção (100 g) de frango grelhado contém 30,54 g de proteína com 5610 mg de BCAA, sendo 2530 mg em leucina.

Portanto:

Enxergou grande diferença entre Whey e frango?


Whey Protein absorve mais rápido, professor?

HUMMM, calma, pois DEPENDE! Para entender, preciso repassar com você alguns conceitos estudados no curso de nutrição.

A qualidade proteica é avaliada pela Utilização Proteica Líquida (Net Protein Utilization, NPU), que leva em consideração a digestibilidade (chamaremos de “D”) e o valor biológico (chamaremos de “VB”).

A digestibilidade (D) é o percentual de proteína ingerida, que é digerido e efetivamente absorvido pelo trato gastrintestinal, sendo oferecido aos tecidos na forma de aminoácidos. Portanto, nem tudo foi ingerido será absorvido, pois existe uma capacidade limitante do trato gastrintestinal, especialmente quando falamos em excesso proteico e intervalo entre as refeições. Os processos de digestão proteica (inúmeras enzimas proteolíticas) e absorção de aminoácidos livres (difusão facilitada) e de peptídeos (auxílio de PEPT-1 dependente de hidrogênio) pelos enterócitos (células intestinais) podemos discutir em outro post, mas resumidamente lembre-se: uma porção da proteína ingerida pode se perder nas fezes (verificada através do nitrogênio nas fezes).

Certamente você já ouviu:

“Não existem limites para ingestão proteica no pós-treino, pois absorvemos tudo”.

 

Pois bem, discordo! Por mais musculoso que você seja, ainda existe a limitação absortiva do trato gastrintestinal. Por exemplo, pensem no “gigante” fisiculturista Lee Haney, famoso na década de 80, com seus 118 kg. Pensou? OK, Lee Haney tinha 1,80 m de estatura e, portanto, seu intestino continua sendo do mesmo tamanho que EU, VOCÊ ou outros grandes fisiculturistas do passado e do presente. Em suma, você pode ser musculoso, mas seu trato gastrintestinal não aumentou de tamanho. Claro, discute-se, atualmente, as adaptações intestinais para absorção de nutrientes (chamado “Training the Gut” ou “treinando o intestino”), mas estes estudos avaliam absorção de carboidratos e fluidos, durante o exercício prolongado, como adaptação fisiológica de atletas de endurance para maximizar o desempenho atlético. As evidências no campo dos aminoácidos e proteínas são, portanto, questionáveis. Dica de leitura: Asker E. Jeukendrup. Training the Gut for Athletes. Sports Med 47 (Suppl 1): S101-S110, 2017 (doi: 10.1007/s40279-017-0690-6).

 

Peraí, não acabou!

Continue lendo para entender perfeitamente estes conceitos.

 

Falamos da digestibilidade (D), mas precisamos entende o conceito de valor biológico (VB). VB é a fração de aminoácidos absorvidos que originam compostos nitrogenados no organismo, incluindo as proteínas miofibrilares. Todavia, nem todos os aminoácidos absorvidos são usados para a síntese proteica muscular (MPS), pois uma porção será oxidada para a geração de energia (processos bioquímicos de transaminação, seguido de desaminação oxidativa) ou destinados à excreção urinária (verificada pelo nitrogênio na urina, ou melhor, uréia).

 

Portanto:

Perdemos proteínas nas fezes e, entre aqueles aminoácidos absorvidos, também perdemos para oxidação. O processo de oxidação, para a grande maioria dos aminoácidos, ocorre no fígado. Muitos aminoácidos, portanto, sofrem desaminação, onde o nitrogênio se perde na urina (excreção urinária de uréia e sais de amônia).

 

Pessoal, isso não é falácia ou opinião pessoal.

Isso é Bioquímica Básica!

  

Peraí, deixa-me exemplificar:

A qualidade proteica pode ser melhor entendida pela Utilização Proteica Líquida (Net Protein Utilization, NPU), que leva em consideração a digestibilidade (D) e valor biológico (VB). Neste sentido, deixa-me exemplificar o NPU de suplementos e alimentos (em uma escala de 0 a 100, onde mais próximo de 100% seria desejável): NPU do Whey Protein Concentrado (WPC) é de 82%, enquanto que NPU do frango é de 79%.

Portanto, consegue perceber alguma diferença significativa?

Aliás, deixa-me completar essa comparação:

NPU do ovo inteiro = 91%

NPU da clara de ovo = 88%

NPU do Whey Protein Concentrado (WPC) = 82%

NPU do frango = 79%

NPU do leite de vaca = 75%

NPU da carne bovina = 71,5%

E, agora, compreendeu meu amigo e minha amiga?

 

LEMBRETE #1:

Uma proteína pode ter alta digestibilidade (D), mas apresentar baixa qualidade proteica. Por exemplo: gelatina. Portanto, não faça confusão!

LEMBRETE #2:

Uma proteína pode ter alta digestibilidade (que é o caso da maioria das proteínas de origem animal), mas sua absorção ainda é limitante pelo trato gastrintestinal. Por exemplo: Whey absorve 8 a 10 g/hora. Portanto, adianta se “entupir” de proteína a cada 3 horas? Não faça confusão!

 

Outras dúvidas surgem, EU sei:

É necessário carboidrato com proteína pós-treino?

Não, não precisa, mas isso te conto no próximo post.

Whey Protein promove balanço nitrogenado positivo?

Não, não promove, mas isso te conto no próximo post.

 

Quer dizer, aguarde os próximos posts, pois responderei todas as dúvidas. Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. AHHH, não esqueça: siga-me nas redes sociais (@peraltanutri) e aguarde meu CURSO DE NUTRIÇÃO ESPORTIVA AVANÇADA. Te conto, em breve!

sábado, 24 de setembro de 2022

JANELA ANABÓLICA PÓS-TREINO EXISTE?

 

JANELA ANABÓLICA NO PERÍODO PÓS-TREINO EXISTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem? Alguém me disse certa vez:

“Cara, preciso ingerir meu Whey Protein imediatamente no pós-treino ou perderei minha Janela da Oportunidade para crescer”.

Putz, pensei:

Que “janela” anabólica ou da oportunidade é essa, mano?

Pois bem, deixa-me elucidar rapidamente essa temática.

 

O que é Janela Anabólica?

Entende-se por “Janela Anabólica”, comumente referida como “Janela da Oportunidade”, aquele momento “quase mágico”, que ocorre após o esforço físico, onde seu organismo estaria mais receptivo aos nutrientes. Neste sentido, a ingestão adequada de nutrientes, especialmente de proteínas, poderia ser a chave para maximizar os ganhos musculares. Caso contrário, alguns pensam, quando a ingestão proteica não ocorre imediatamente pós-treino essa “janela” (período de tempo) poderia se fechar e os ganhos não ocorreriam.

 

POIS BEM, VAMOS AOS FATOS!

O conceito de “Janela Anabólica” se baseia no anabolismo, ou seja, no conjunto de reações metabólicos para gerar energia (ATP, adenosina trifosfato) e processos biossintéticos (gênese = formação). Quando falamos em ganhos musculares, obviamente, estamos nos referindo os processos para otimizar a síntese proteica muscular (MPS) (proteinogênese = formação de proteína a partir de aminoácidos) no período pós-treino. Portanto, existiria uma determinada “janela” ou período de tempo, referida como período pós-treino, onde o organismo estaria mais receptivo aos nutrientes, especialmente aminoácidos essenciais, para otimizar a construção da massa muscular.

Este conceito de “janela” para o consumo de nutrientes pós-treino é baseado em estudos de curto prazo e, em sua grande maioria, envolvendo estudos aeróbios (longa duração) e não anaeróbios (alta intensidade e curta duração), sabia disso? Pois é, poucos sabem disso. Os poucos estudos envolvendo o treinamento de força não encontraram diferença significativa quando a ingestão proteica é realizada brevemente (até 1h pós-treino) ou tardiamente (até 4 a 6 horas pós-treino) pensando em uma vantagem hipertrófica. Quer dizer, as evidências atuais confirmam a existência de uma “janela anabólica” pós-treino, independente do exercício (aeróbio ou anaeróbio), mas essa “janela” não é tão estreita quando se imaginava (ou se divulgava). Conforme as evidências, o fator mais importante para otimizar a síntese proteica muscular (MPS) é garantir a ingestão proteica otimizada, ou seja, na ordem de 1,6 a 2,2 gramas por quilogramas de peso corporal diariamente (1,6-2,2 g/kg/dia).  

AHHHH, todas as referências para elaboração deste post encontram-se ao final da matéria! Leiam!

 

QUANTO TEMPO DURA ESSA “JANELA”?

Bem, aqui já escutei de tudo:

“Mano, a janela anabólica dura 1 hora”.

“Cara, a janela da oportunidade se fecha em 3 horas”.

“Meu irmão, a janela dura 5 a 15 minutos”.

 

Novamente, vamos aos fatos! A chamada “Janela Anabólica” pode durar 16 horas ou mais! Na realidade, existe um “janelão” que pode favorecer a síntese proteica, desde que os alimentos ofertados sejam adequados (em termos qualitativos e quantitativos). Em outras palavras, qualquer ingestão de nutrientes neste período de 16 horas será útil para o anabolismo muscular. É óbvio, contudo, que as primeiras 3 ou 4 horas após esforço físico são cruciais, ou seja, essa “janelinha” pós-treino pode maximizar seus resultados de construção muscular. Ao mesmo tempo, não existe lógica alguma em ingerir Whey Protein, desesperadamente, dentro de 5 minutos pós-treino (rsrs).

 

POSSO TE CONTAR UM SEGREDO?

Na prática, contudo, desenvolvi uma estratégia para maximizar os resultados de meus pacientes que buscam maximizar a hipertrofia muscular, usando esse conceito de “Janela da Oportunidade”. Beleza, vou te contar esse SEGREDO através de um exemplo:

Sr. Jonoelson Peralthis (qualquer semelhança com Joelso Peralta é mera coincidência, rsrs) faz musculação, seguido de uma corrida em esteira, das 15h até 16h30. Neste sentido, como poderia ser o planejamento alimentar deste paciente, cujo foco está na hipertrofia muscular? (Nota: só descreverei as quantidades de alimentos na refeição pós-treino, pois não é prescrição, mas, sim, exemplificação).  

 

Refeição 1 (café da manhã): vitamina proteica, ou seja, Whey Protein Concentrado (WPC), aveia em flocos, banana e água.

Refeição 2 (lanche da manhã): batata-doce cozida e ovos inteiros.  

Refeição 3 (almoço): arroz integral, frango, salada à vontade, azeite de oliva extra virgem e água mineral.

Refeição 4 (pós-treino 1): Whey Protein Concentrado (WPC, 1 dosador ou scoop, cerca de 25 g de proteína). A refeição “líquida” deve ocorrer dentro de 1 hora pós-treino, ou seja, deve ingerir a bebida proteica até 17h30.

Refeição 5 (pós-treino 2): peito de frango (100 g), batata-doce cozida (150 g), salada de vegetais A (acelga, alface, agrião, brócolis, tomate, etc.) e água mineral. A refeição “sólida” deve ser ingerida até 19h30.

Refeição 6 (ceia): alguns ovos inteiros e/ou frutas oleaginosas.

 

E, agora, vamos a justificativa?

A primeira refeição pós-treino deve ser líquida, ou seja, de fácil digestão e absorção, rica em proteína de alto valor biológico (PAVB). Neste sentido, o pó para o preparo de bebida rica em proteína (Whey Protein Concentrado, WPC) é uma ótima opção. Não há necessidade de Whey isolado (WPI) ou hidrolisado (WPH), mas isso te conto em outro post. Sabemos que WPC absorve 8 a 10 g/hora (quer dizer, você sabia disso?) Todavia, com a escolha correta de WPC (baixo teor de lactose e lipídeos), contendo peptídeos (proteínas pré-digeridas), a taxa de absorção pode ocorrer mais rapidamente, digamos 1h ou 1,5 horas (quer dizer, você sabia disso?). Neste sentido, a primeira refeição forneceu tudo que seu organismo precisa no pós-treino para otimizar a síntese proteica muscular, após estímulo (musculação): uma proteína completa em aminoácidos essenciais!

A primeira refeição pós-treino não pode ocorrer imediatamente, pois os níveis de hormônios catabólicos (especialmente adrenalina e cortisol) estão elevados e precisam reduzir. Claro, a redução destes hormônios catabólicos é facilmente obtida com o hormônio anabólico insulina (hiperinsulinemia, isto é, pico de insulina, que ocorre após a refeição). Ao mesmo tempo, levaria cerca de 1 hora para absorver toda essa proteína pós-treino líquida (na melhor das hipóteses). Então, você teria até 17h30 para realizar a refeição pós-treino número 1.

Que tal aproveitar melhor a “Janela Anabólica ou da Oportunidade” com uma segunda refeição proteica? Sendo assim, para manter a aminoacidemia (níveis circulantes de aminoácidos) e oferta destes ao músculo esquelético, segue a próxima refeição. A segunda refeição pós-treino deve ser sólida e ocorre após absorção “completa” (ou esperada) da refeição anterior (WPC, que é uma refeição líquida). Neste caso, a refeição deve ser completa em macro e micronutrientes (carboidrato, lipídeo, proteína, vitaminas e minerais). Quer dizer, deixa-me fazer uma analogia para você entender: não se constrói uma casa apenas com tijolos, mas também precisa de cimento, areia, argamassa, vergalhões, tubos, fios de instalação, materiais hidráulicos, etc. Neste sentido, não espere “grandes músculos” apenas (e unicamente) comendo proteína! Então, você teria até 19h30 para realizar a refeição pós-treino número 2.

Percebeu que você pode obter duas refeições ricas em proteínas dentro de uma “janela da oportunidade” (período de tempo) de 3 ou 4 horas, maximizando seus resultados em massa muscular? Quer dizer, você teria 25-30 g de proteína em cada refeição, respeitando um intervalo de administração mais consciente, efetivo, racional, científico. Existem outras estratégias, por exemplo, administração de pequenas quantidades de proteínas (10 g) a cada 30 minutos ou de hora em hora, até completar 30 ou 40 g de proteína, em um período de 3 ou 4 horas (quer dizer, conhecia essas estratégias nutricionais?).

Enfim, o cálculo da dieta deve ocorrer de forma individual, personalizada, respeitando as necessidades de cada paciente. Dessa forma, evita-se a oxidação dos aminoácidos (desaminação oxidativa) ou seu armazenamento como triglicerídeos (lipogênese, por exemplo), devido excesso.

 

Professor, mas preciso de Whey pós-treino?

Não, não precisa, mas isso te conto no próximo post.

 

É necessário carboidrato com proteína?

Não, não necessariamente, mas isso te conto no próximo post.

 

Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. AHHH, siga-me nas redes sociais (@peraltanutri). AHHH, além do Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, também estou elaborando meu Curso de Nutrição Esportiva Avançada. Te conto, em breve!

SUGESTÕES DE LEITURA:

Brad J.S.; Alan A.A. J Orthop Sports Ther 48(12): 911-914, 2018 (doi: 10.2519/jospt.2018.0615).

Brosnan et al. J Nutr 136:207S-211S, 2006 (doi: org/10.1093/jn/136.1.207S).

Burd, N.A. et al. Journal of Applied Physiology, 106(5), 1692-1701, 2008 (doi: org/10.1152/japplphysiol.91351.2008).

Chad M.K. et al. J Int Soc Sports Nutr 14:33, 2017 (doi: 10.1186/s12970-017-0189-4. eCollection 2017).

Douglas Paddon-Jones et al. Am J Physiol Endocrinol Metab 286(3):E321-8, 2004 (doi: 10.1152/ajpendo.00368.2003).

Haraguchi F.K. et al. Rev. Nutr, Capinas, 19(4): 479-488, 2006 (https://www.scielo.br/j/rn/a/PRpChxDqt3YYYvkN8KFRDmS/?format=pdf).

Harper Bioquímica. SP: Atheneu, 1998.

Juha J.H. et al. Nutrition and Metabolism 7:51, 2010 (doi: 10.1186/1743-7075-7-51).

Kevin D.T. et al. Am J Physiol Endocrinol Metab 292: E71-E76, 2007 (doi: 10.1152/ajpendo.00166.2006).

Layne E.N.; Donald K.L. J Nutr 136: 533S-537S, 2006 (doi: 10.1093/jn/136.2.533S).

M. Claessens et al. European Journal of Clinical Nutrition 63: 48-56, 2009 (https://www.nature.com/articles/1602896).

Marzzoco. Bioquímica básica. RJ: Koogan, 1999.

Moore et al. Am J Clin Nutr 89(1):161-168, 2009 (doi: 10.3945/ajcn.2008.26401).

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Phillips S.M. Sports Sience Exchange 26(107): 1-5, 2013 (https://secure.footprint.net/gatorade/stg/gssiweb/pdf/107_Phillips_SSE.pdf).

Phillips. J Am College Nutr 24(2):134S-139S, 2013 (doi: 10.1080/07315724.2005.10719454).

Rosenbloom, C.A. Sports Nutrition: a guide for the professional working with active people, 2000.

Tracy G.A. et al. J Nutr 137: 357-361, 2007 (doi: 10.1093/jn/137.2.357).

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

COMO ESCREVER UM ARTIGO CIENTÍFICO? (Parte 2)

 

VOCÊ SABE ESCREVER UM ARTIGO CIENTÍFICO? 

(Parte 2)

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem? Gostaram da “Parte 1”? Espero que tenha sido proveitoso e útil. Como foi dito, este assunto faz parte do Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, que estou elaborando e passarei maiores informações posteriormente. No momento, preciso concluir a “Parte 2” dos procedimentos para escrever um artigo científico, que pode ser importante para a construção de seu TCC (trabalho de conclusão de curso) e, até mesmo, sua dissertação de mestrado ou tese de doutorado. Já vimos como elaborar o título de seu artigo e a construção do resumo. Vimos, também, o passo a passo para a construção da introdução de seu artigo científico. Agora, precisamos elaborar os materiais e métodos (metodologia) e apresentar os resultados, bem como estabelecer a discussão e, finalmente, a conclusão. Prontos? Borá lá!

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Lembrem-se: trata-se de um Artigo Científico Fake, ou seja, um artigo científico falso, que não foi realizado, que não foi revisado, que não foi publicado. Portanto, os dados abaixo são apenas ilustrativos, fictícios, tendo como o objetivo apenas exemplificar o “passo a passo” quanto a elaboração de um artigo científico. Nesta etapa, vou comentar sobre os “materiais e métodos” que, por vezes, também chamado de “metodologia” ou, simplesmente, “métodos”. Você sabe a diferença entre eles?

Nos estudos experimentais, como em nosso exemplo de artigo Fake, realizado em laboratório de pesquisa, com seleção de animais obtidos em biotério, com extração de tecidos e análises bioquímicas, geralmente opta-se pelo termo “materiais e métodos”. Já “metodologia” ou, simplesmente, “métodos”, refere-se aos procedimentos, não experimentais, para obtenção dos dados que serão utilizados nos resultados. Por exemplo, o acesso aos bancos de dados eletrônicos, em determinados hospitais ou entidades de pesquisa, para execução de sua pesquisa, pode ser chamado de “metodologia” ou “método”. Na realidade, a diferença é pequena, sutil. Ao mesmo tempo, muitas vezes já observei publicações que não condizem com essa explicação, ou seja, o que deveria ser “materiais e métodos” foi chamado de “metodologia” e vice-versa. Enfim, usarei o termo “materiais e métodos”, devido caráter experimental de nosso estudo Fake, mas é importante observar as regras da revista que se pretende publicar. O fato é: independente da terminologia usada, você precisa explicar os procedimentos; a maneira de agir; o passo a passo que tomou ao longo das semanas, dos meses ou dos anos no desenvolvimento de sua pesquisa.

Vejamos nosso exemplo Fake:

MATERIAIS E MÉTODOS

Animais. No presente estudo foram utilizados 12 ratos Wistar, adultos (3 a 5 meses), machos, pensando 250±50g, internados a 23±2ºC sob ciclo claro-escuro de 12/12h e alimentados com dieta comercial-padrão com acesso livre a água. Os animais foram randomizados, aleatoriamente, em 2 grupos: CFA (n=6): animais sedentários e com dor crônica induzida por CFA no gastrocnêmio; e CFA+DBA (n=6): animais sedentários, com dor crônica induzida por CFA no gastrocnêmio, e suplementação de dibenzalacetona (DBA). Os animais foram obtidos no biotério do Instituto de Ciências Básicas da Saúde (ICB) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Todos os procedimentos estão em acordo com os princípios éticos e cuidados com a experimentação animal adotado pelo Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal (CONCEA), cujo diretriz pode ser obtido na Sociedade Brasileira de Ciência em Animais de Laboratório (SBCAL) (SBCAL, 2022). Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética para Uso de Animais (CEUA), da UFRGS, sob parecer XXX/XX.

 

COMENTÁRIOS:

Nosso Artigo Científico Fake pretende avaliar o efeito da dibenzalacetona (DBA), um análogo sintético da curcumina, no alívio da dor crônica em ratos Wistar. Para tanto, precisamos descrever nos materiais e métodos: os animais, o dibenzalacetona (DBA), o protocolo para se avaliar a dor crônica e as determinações ou análises bioquímicas que pretendemos realizar.

Quanto aos animais, precisamos indicar qual número de animais selecionados (ou seja, o tamanho da amostra). Caso seja exigido o cálculo do tamanho amostral em pesquisas com animais, poderá citar (referenciar) estudos científicos similares, que avaliaram a dor crônica, mas não exatamente as mesmas substâncias. Por exemplo, poderia usar um estudo que avaliou o alívio da dor crônica através do protocolo de natação em 12 ratos Wistar, justificando seu tamanho amostral. Todavia, neste tipo de estudo precisará descrever a espécie de animal utilizada (ex.: ratos Wistar), o sexo (ex.: machos), idade (ex.: adultos) e peso (ex.: 250 g). Informações adicionais também podem ser necessárias: ciclo claro-escuro, alimentados com dieta comercial-padrão, acesso livre a água, etc.

É importante destacar a randomização, aleatória, onde temos 2 grupos: CFA (ou seja, grupo que recebeu apenas injeção do Adjuvante Composto de Freund no músculo gastrocnêmio, promovendo uma cascata inflamatória e dor) e CFA/DBA (ou seja, grupo que recebeu CFA, mas também foi suplementado com dibenzalacetona, que seria um análogo sintético da curcumina). Neste caso, criam-se siglas para facilitar o entendimento e deixar o texto mais fluido, de fácil leitura, atrativo, agradável. Claro, em nosso exemplo hipotético temos apenas 2 grupos, mas podem existir 4, 6 ou mais grupos, onde todos precisam ser detalhados.

Por fim, em experimentos envolvendo animais precisamos respeitar os princípios éticos e de cuidados com a experimentação animal, segundo CONCEA (Conselho Nacional de Controle de Experimentação Animal). Ao mesmo tempo, se a pesquisa foi realizada é porque foi aprovada pelo CEUA (Comitê de Ética para Uso de Animais). Claro, nossa pesquisa Fake não foi realizada e, portanto, o número do Parecer aprovado pelo CEUA aparece como “XXX/XX”.

NOTA: Não falarei, aqui, dos estudos com seres humanos, onde existem outros critérios a serem considerados (cálculo do tamanho amostral, critérios de inclusão e exclusão, randomização e cegamento, desfechos primários e secundários, etc.). Deixarei este e outros exemplos para o Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica.

 

Vejamos, agora, como descrever a modelo de dor crônica.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Modelo de dor crônica. A dor crônica é induzida pela injeção do Adjuvante Composto de Freund (CFA, Sigma, St. Louis, Mycobacterium tuberculosis), em dose única de 200 µg, no gastrocnêmio de ratos Wistar (GREGORY, 2013).

 

COMENTÁRIOS:

O CFA é uma substância que induz uma resposta imunológica com cascata de eventos inflamatórios de longa duração e aumento de citocinas pró-inflamatórias, por exemplo, a interleucina-1-beta (IL-1b). Neste sentido, a inflamação crônica do gastrocnêmio de ratos induz alterações em neurônios motores com presença de hiperalgesia (resposta dolorosa excessiva, excesso de dor) e alodinia (sensação de dor) após lesão. A alodinia refere-se a um estímulo sensorial ou sensação de dor que, em situações normais, não deveria provocar dor. Por exemplo, a pessoa sente dor ao escovar os cabelos ou ao toque na pele. Portanto, alodinia é diferente de hiperalgesia. Na alodinia temos dor de estímulos não dolorosos, que normalmente não causaria dor, podendo ser térmica (ex.: gotas de água fria na pele e relatos de dor), mecânica (roupa sobre a pele e queixas de dor) e tátil (referente ao toque ou pressão sobre a pele, onde indivíduo relata dor).  

Claro, não “inventei” o método de dor e inflamação induzido pelo CFA e, portanto, preciso citar a referência no texto: (GREGORY, 2013). Ao final do artigo, deve descrever completamente a referência: GREGORY, N. et al. An overview of animal models of pain: disease models and outcome measures. J Pain. 14(11): 1-26, 2013 (caso queira ler na íntegra, segue doi: 10.1016/j.jpain.2013.06.008).

A dosagem de CFA em nosso artigo Fake observei em algumas aulas (disciplinas) e seminários de meu doutorado. A dosagem difere entre camundongos e ratos, podendo ser dose única ou dose por quilograma de peso. O fato é: determinados protocolos e dosagens de substâncias serão repassadas pelo grupo de pesquisa que você estará inserido(a), respeitando as orientações de seu orientador(a), geralmente chefe do laboratório de pesquisa. Portanto, trago apenas um exemplo de dosagem do CFA, que não deve ser encarado como recomendação de uso em todos os experimentos similares.

 

Porém, como mensurar a alívio da dor? Bem, é o que veremos agora:

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Teste do limiar de dor. Foi realizado o teste de alodinia mecânica de filamentos de von Frey (Anesthesiometer Semmes-Weinstein, USA), onde o experimentador foi cegado a fim de evitar o viés do estudo. Para tanto, o animal é colocado em uma caixa de acrílico (1 m x 45 cm), cujo a base aberta é formada por arames com espaçamento de 1 cm, permitindo acesso às patas dos animais. Dessa forma, 10 filamentos com tamanhos diferentes são utilizados para aferir a sensibilidade tátil dos animais em gramas (g), induzindo a retirada da pata. Quando a retirada da pata ocorre 2 vezes de forma consecutiva, a resposta a sensibilidade mecânica é considerada positiva.

 

COMENTÁRIOS:

Existem inúmeros testes a fim de avaliar/mensurar nocicepção, que é o componente fisiológico da dor. Quer dizer, nocicepção passa pelos processos de transdução (impulso nervoso é recebido pelo nociceptores e transformados em potencial de ação), transmissão (impulso é conduzido até a coluna posterior da medula espinhal), modulação (impulso é modulado antes de chegar ao sistema nervoso central, SNC) e percepção (impulso é integrado e percebido como dor).

Em modelos animais de nocicepção, o método envolve um insulto, seguido da medição. As medidas do comportamento da dor podem expor os animais aos estímulos térmicos, frios, mecânicos e elétricos, bem como injeção de substâncias que causam inflamação (CFA, formalina, etc.). O animal, após insulto, responderá afastando a cauda, retirando a pata, lambendo a pata, afastando-se, etc. Enfim, o modelo animal e teste escolhido depende do modelo de dor a ser investigado. Em nosso artigo Fake, optei pelo teste de alodinia mecânica de filamentos de von Frey, onde deve ser descrito: a utilização da caixa de acrílico, o uso dos filamentos com tamanhos diferentes e a retirada da pata do animal para avaliar a sensibilidade mecânica. No estudo de GREGORY (2013), citado anteriormente, poderá observar este e outros métodos.

 

Peraí, não acabou! Precisamos falar da dibenzalacetona (DBA).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Dibenzalacetona (DBA). Para melhorar a biodisponibilidade e farmacocinética administramos o análogo sintético da curcumina: o dibenzalacetona, DBA (Sigma-Aldrich, Merck), como descrito por Kotha & Luthria (2019) e Sueth-Santiago et al. (2015). Mantivemos a administração na forma oral (gavagem) do DBA em lipossomas (100 mg/kg peso corporal/dia) a fim de preservar o processo biológico natural de absorção gastrintestinal, sendo realizado com profissional habilitado para a execução do procedimento, evitando, assim, a lesão esofágica de repetição.

 

COMENTÁRIOS:

Agora vocês podem entender porque usei DBA ao invés de curcumina em nosso Artigo Científico Fake. A curcumina possui limitações de uso, apesar de suas propriedades terapêuticas já documentadas. Primeiro, a curcumina é pobremente absorvida pelo intestino, devido sua baixa solubilidade em água. E, segundo, a curcumina sofre degradação no tecido hepático (metabolização de xenobióticos ou biotransformação em reações de fase 2, ou seja, conjugação de glicuronidação e sulfatação), diminuindo sua forma ativa na circulação sistêmica. Para tanto, não basta aprender a escrita científica, mas, sim, aprofundar seus conhecimentos técnico-científicos. Em outras palavras, se você pertence as áreas de saúde e ciências biológicas, então precisará aprofundar seus conhecimentos sobre os processos fisiobioquímicos, imunológicos e neuroendócrinos do organismo para produzir seu artigo científico e, até mesmo, seu TCC ou projeto de mestrado ou doutorado. Esse é outro braço do Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, como explicarei no momento apropriado.

Como foi dito, o DBA é um análogo sintético da curcumina, apresentando as mesmas propriedades terapêuticas do produto original. Contudo, para “driblar” a dificuldade de absorção intestinal, optei por administrar DBA em lipossomas (100 mg/kg/dia), que são vesículas compostas por lipídeos (principalmente fosfolipídeos), formando uma bicamada lipídica que se organizam de forma esférica. Porém, se queremos “imitar” a forma tradicional de consumo de curcumina (ou seja, preservar o processo biológico natural de absorção gastrintestinal via oral), então precisamos administrar oralmente o DBA aos animais. Neste caso, optei pelo processo de gavagem, que é um método de “alimentação forçada” dos animais. Esse procedimento é realizado com profissional habilitado, pois não podemos lesionar o esôfago dos animais, respeitando os princípios éticos e de cuidados com a experimentação animal, segundo CONCEA. Para tanto, a extremidade da cânula de gavagem é posicionada na posição lateral da boca, desviando dos dentes incisivos, deslizando a cânula para o interior da cavidade oral, por cima da língua do animal, com um movimento delicado e contínuo, até atingir a cavidade gástrica.

NOTA:

Você deve estar pensando: “Professor, jamais saberei esses procedimentos”. KEEP CALM (mantenha a calma), pois muitos destes procedimentos são aprendidos na iniciação científica (se você é estudante de graduação) ou durante seu mestrado ou doutorado (se você faz parte de um grupo de pesquisa). No meu caso, quando estudante de Nutrição na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), fui Bolsista de Iniciação Científica, entre 2001 a 2005, do Laboratório de Fisiologia Celular (FisCel) do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), por sua vez, foi experimental, cujo título foi: “Papel antiaterogênico da prostaglandina A2 (PGA2) e seu efeito citoprotetor endotelial na aterosclerose por redirecionamento do metabolismo de lípides e alteração da fenotipagem de macrófagos foam-cells de ratos Wistar”. Neste caso, eu tinha uma orientadora na Unisinos (Profa. Dra. Denize Righetto Ziegler) e um co-orientador na UFRGS (Prof. Dr. Paulo Ivo Homem de Bittencourt Júnior). Além disso, ainda como estudante de nutrição, passei brevemente (voluntário) pelo Laboratório de Ciências Biológicas: Bioquímica da UFRGS, junto ao falecido Prof. Dr. Perry. Por fim, já graduado em nutrição (portanto, nutricionista clínico e esportivo), frequentei o Laboratório de Bioquímica da UFRGS, do Prof. Dr. Carlos Severo Dutra Filho, na tentativa de ingressar no mestrado. Meu projeto, na época, chamava-se: “Papel neurodegenerativo da hiperfenilalaninemia em modelo de ratos fenilcetonúricos, estresse oxidativo e o fator nuclear kappa B (NFkB)”. Por isso, sempre dizia aos meus alunos de graduação: se possível, façam iniciação científica! Também tenho grande experiência em estudos envolvendo seres humanos, que fez parte de meu mestrado e, agora, de meu doutorado. Bem, te falo mais sobre mim no Programa de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, quando divulgado.

 

E o que vamos avaliar? Mensurar? Medir? HUMMM, precisamos falar da citocina pró-inflamatória (IL-1b).

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Determinação de citocina plasmática. A concentração de IL-1β plasmática foi determinada usando kit multiplex ELISA (Mouse IL-1β ELISA Kit, Sigma-Aldrich), seguindo os protocolos do fabricante (www.sigmaaldrich.com).

 

COMENTÁRIOS:

Poderíamos medir, mensurar, inúmeros marcadores. Todavia, para exemplificar nosso estudo Fake, selecionei apenas uma citocina plasmática. Lembrem-se, existem inúmeras citocinas pró-inflamatórias e anti-inflamatórias e, neste caso, a interleucina 1-beta (IL-1b) é inflamatória.  

 

Bem, para finalizar os materiais e métodos, faltam dois itens: descrever o procedimento experimental (que faremos na forma de desenho experimental) e descrever o tratamento ou análise estatística.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Desenho experimental. Os animais são habituados a alodinia mecânica de von Frey por 2 dias consecutivos antes de qualquer experimentação e análises. Os animais não devem ser submetidos ao esforço físico, portanto, não são animais treinados. No segundo dia de habituação, é aplicado o CFA (200 µg) no gastrocnêmio dos animais a fim de provocar a inflamação crônica. Em seguida, ocorre o procedimento experimental por 7 dias consecutivos, conforme os grupos randomizados. No último dia da experimentação, os animais são sacrificados por decapitação e o músculo gastrocnêmio é extraído, sendo que os tecidos são congelados em nitrogênio líquido e mantidos congelados para análises.

 

COMENTÁRIOS:

O procedimento experimental permite entender, obviamente, os procedimentos da experimentação animal. Quer dizer, o que foi feito? Como foi feito? Quando foi feito? Onde foi feito? E, até mesmo, porque foi feito? Todavia, o texto, muitas vezes, necessita de um desenho ou “linha do tempo” para facilitar o entendimento. Neste caso, podemos chamar a sessão de “desenho experimental”, onde um texto menor possui auxílio de uma imagem. Por exemplo:

Figura 1: Desenho experimental do estudo sobre os efeitos do DBA em modelo de dor crônica em ratos Wistar.

 

COMENTÁRIOS:

Observe, agora, como ficou bem mais fácil de entender o procedimento experimental na forma de desenho experimental. Lembre-se: neste estudo Fake temos 2 grupos: CFA (n=6): animais sedentários e com dor crônica induzida por CFA no gastrocnêmio; e CFA+DBA (n=6): animais sedentários, com dor crônica induzida por CFA no gastrocnêmio, e suplementação de dibenzalacetona (DBA). Ou seja, um grupo de dor crônica (nosso grupo controle) seguirá a experimentação (D1 a D6 + sacrifício no D7), enquanto que outro grupo de dor crônica (nosso grupo tratado) seguirá a mesma linha do tempo, porém suplementado com DBA (análogo sintético da curcumina). Esperamos (hipótese) que o DBA reduza a dor nestes animais, mas o experimento precisa ser realizado para sabermos, verdadeiramente.

AHHH, você precisa avaliar as regras da revista que pretende publicar seu estudo/artigo, pois existem limites para imagens/figuras e gráficos. Alguns, portanto, não permitirão o desenho experimental, onde deverá descrever apenas o procedimento experimental.  

Importante: a metodologia deve ser bem detalhada e criteriosa, pois precisa permitir a produtibilidade do estudo por outros pesquisadores em outros laboratórios. Em outras palavras, MENTIR aqui será um “BELO TIRO NO PÉ” ou, se preferir, “A MENTIRA TEM PERNA CURTA”. Ainda, nos materiais e métodos (ou metodologia, em outros estudos) não é o lugar para inserir resultados, mas apenas descrever os procedimentos experimentais para obter os resultados.

Quanto as referências, usar ou não usar? A melhor resposta seria: DEPENDE. Em nosso exemplo Fake de estudo citei Kotha & Luthria (2019) e Sueth-Santiago et al. (2015), pois precisava justificar o uso de DBA ao invés de curcumina. Para tanto, precisava citar referências corroborando com o fato da curcumina apresentar menor biodisponibilidade e farmacocinética quando comparado ao análogo sintético (DBA). As referências completas são descritas ao final do trabalho/artigo, mas deixarei aqui para sanar a curiosidade:

KOTHA, Raghavendhar R.; LUTHRIA, Devanand L. Curcumin: biological, pharmaceutical, nutraceutical, and analytical aspects. Molecules. 24, 2930: 2-27, 2019.

SUETH-SANTIAGO, Vitor et al. Curcumina, o pó dourado do açafrão-da-terra: introspecções sobre química e atividades biológicas. Quim Nova. 38(4): 438-552, 2015.

 

Lembre-se: geralmente utilizamos estudos com 5 anos de defasagem em relação ao seu estudo atual, exceto em protocolos experimentais e técnicas de laboratório já consagradas e usualmente utilizadas.

 

E a análise estatística? HUMM, agora fica complicado exemplificar, pois lembrem que se trata de um estudo Fake? Neste caso, não tenho dados científicos para proceder com análise estatística. De qualquer forma, deixarei apenas um texto padrão (totalmente Fake) para exemplificar essa sessão.

 

MATERIAIS E MÉTODOS

Análise estatística. Os resultados são apresentados como média±desvio padrão da média (DP) em todas as variáveis. A significância estatística para o limiar de dor foi avaliada pelo teste não paramétrico de Kruskal Walis, seguido do teste de Dwan-Steel-Critchlow-Fligner (DSCF) para investigar as comparações múltiplas. A análise dos resultados para IL-1b foi realizada por ANOVA de uma via, seguido pelo teste de Tukey. Um valor de p<0.05 foi considerado estatisticamente significativo. Foi utilizado o software estatístico (versão 2.2.5) Jamovi (www.jamovi.org).

 

COMENTÁRIOS:

O tratamento ou análise estatística pode ser difícil para muitos alunos/estudantes, mas é uma etapa fundamental em seu estudo científico. Em outro momento posso fazer um post sobre Bioestatística Aplicada à Ciência da Saúde, mas, no momento, resumir:

Primeiro, precisa verificar se suas variáveis no estudo são qualitativas ou quantitativas. As qualitativas também são chamadas de categóricas ou atributos (portanto, dados não numéricos), podendo ser nominais (profissão, sexo, religião, raça, etc., ou seja, a ordem não importa) ou ordinais (escolaridade, estágios de uma doença, graus de intensidade, etc., ou seja, a ordem importa). Se suas variáveis são quantitativas, também chamadas de contínuas, os dados são numéricos. As variáveis quantitativas podem ser discretas (números inteiros: número de filhos, número de acessos, número de livros, número de pacientes, idade, etc.) ou contínuas (qualquer número, resultado de uma medição: peso, estatura, salário, nível de glicemia, temperatura corporal, etc.). 

Segundo, para variáveis categóricas (qualitativas) pode realizar o teste do qui-quadrado ou teste exato de Fischer. Para variáveis contínuas (quantitativas) realiza-se o teste de normalidade, que poderá determinar se um conjunto de dados aleatórios possuem distribuição normal ou não normal. Para tanto, recorre-se aos testes de normalidade Shapiro-Wilk ou Kolmogorov-Smirnov. Em seguida, existem vários testes que podem ser selecionados nos casos de normalidade (paramétrico) ou não normalidade (não paramétrico), que pode ser resumido abaixo:

Normal: teste t para amostras independentes, teste t pareado, ANOVA de 1 via, ANOVA de medidas repetidas e Correlação de Pearson.

Não Normal: Mann Writney, Wilcoxon, Kruskal Walis, Friedman e Correlação de Spearman.

 

Como foi dito, seria impossível explicar bioestatística básica nesta sessão e, portanto, vamos continuar nosso artigo científico Fake.

 

O que falta? HUMMM, faltam os resultados, a discussão, a conclusão e as referências.

 

RESULTADOS

Buenas, é óbvio que não posso apresentar resultados, pois o estudo é FAKE, falso, não realizado, não publicado. Portanto, cabe apenas algumas dicas:

Dica 1: Nos resultados, limite-se em apresentar tabelas e gráficos, onde a parte textual será mínima. Claro, seu estudo pode conter muitas tabelas e gráficos e, portanto, selecione os mais relevantes, importantes, que possam contribuir com a área de conhecimento. As tabelas e gráficos devem ter boa resolução, facilitando a leitura e interpretação por parte do leitor.

Dica 2: Não descreva, aqui, os procedimentos experimentais, que já foram expostos nos materiais e métodos. Tratando-se apenas de tabelas e gráficos, não existem referências que possam ser citadas nessa sessão. Deixe as referências para a discussão, que virá a seguir.

Dica 3: Para tabelas, não esqueça do título, que deve ser colocado na parte superior, seguida da tabela propriamente dita. Por exemplo: Tabela 1 – O efeito da suplementação de DBA sobre a dor crônica em modelo animal. Determinadas observações, incluindo siglas, podem ser apresentadas em nota de rodapé na tabela. Para gráficos (forma de pizza, barras verticais ou horizontais, gráficos de linhas ou dispersão), a legenda deve ser colocada na parte inferior. Ex.: Figura 1: Alodinia mecânica de filamentos de von Frey. Os valores são expressos como média±DP do limiar de retirada da pata (g). n=6 animais/grupo. Diferentes letras indicam as diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (Kruskal Walis/DSCF, p<0.001).

Dica 4: Não coloque tabelas ou gráficos que não foram descritos nos materiais e métodos do artigo em si, mesmo que você tenha outros dados. Da mesma forma, você não deve incluir tabelas e gráficos de resultados preliminares, que não fazem parte do escopo do artigo em si que pretende publicar. Por fim, não repita os mesmos resultados em uma tabela e gráfico, ou seja, escolha apenas uma forma de apresentar seus resultados. AHHH, atente para o número de tabelas ou gráficos permitidos pela revista que pretende publicar. 

 

DISCUSSÃO

Como estabelecer uma discussão se não temos resultados em um artigo científico Fake (rs)? Sim, seria inviável. Contudo, como professor de bioquímica nos últimos 16 anos, consigo exemplificar um texto usando meus conhecimentos sobre a curcumina, inflamação e dor crônica. Vejamos!  

 

DISCUSSÃO

PRIMEIRO PARÁGRAFO:

Em nosso estudo, os animais do grupo CFA (controle), formados por animais sedentários e com dor crônica induzida por CFA, apresentaram hiperalgesia e alodinia mecânica, devido a presença de inflamação no gastrocnêmico com aumento na produção de IL-1b. A suplementação de DBA, por sua vez, aumentou o limite de retirada da pata e reduziu os níveis plasmáticos de IL-1b nestes animais.

 

COMENTÁRIOS:

Observe que no primeiro parágrafo estamos respondendo à pergunta de pesquisa, ou seja, a suplementação de DBA aumenta o limite de retirada da pata (os animais resistem mais ao estimulo mecânico de dor) e reduz os níveis plasmáticos de IL-1b (redução da inflamação). Aproveitamos para lembrar que existe um grupo controle e um grupo tratado. Lembre-se: nosso artigo é Fake.

 

SEGUNDO E TERCEIRO PARÁGRAFO:

A curcumina é polifenol encontrado no açafrão da Índia, possui propriedades terapêuticas atribuídas ao efeito anti-inflamatório, via inibição do NFkB; e antioxidante, via inibição de espécies reativas de oxigênio (ROS, reactive oxygen species) (HEWLINGS & KALMAN, 2017; HE et al., 2015). No Brasil, a curcumina tem sua maior utilização como especiaria dietética na culinária, principalmente na forma de pó seco de coloração amarela (curry) (KOTHA & LUTHRIA, 2019; SUETH-SANTIAGO et al., 2015). Os efeitos terapêuticos da curcumina são estudados doença inflamatória intestinal, artrite, pancreatite, diabetes, doença cardiovascular, doença renal crônica, obesidade, câncer, doença de Alzheimer e depressão (KUNNUMAKKARA et al., 2017; SUETH-SANTIAGO et al., 2015).

Entretanto, apesar das inúmeras bioatividades, sua administração oral possui limitações que impedem seu uso como agente terapêutico. A primeira limitação se dá pela sua baixa solubilidade em água, prejudicando, assim, sua absorção intestinal. A segunda se deve a degradação da curcumina no tecido hepático, diminuindo sua forma ativa na circulação sistêmica. Quer dizer, a administração oral do polifenol sofre metabolização hepática em reações de fase 2 (conjugação de glicuronidação e sulfatação) com formação de metabólitos excretados na urina (KOTHA & LUTHRIA, 2019; SUETH-SANTIAGO et al., 2015). Dessa forma, para melhorar a farmacocinética e farmacodinâmica da curcumina, usamos seu análogo sintético: dibenzalacetona (DBA) (NIH, 2022; SUETH-SANTIAGO et al., 2015). DBA foi administrado via oral (gavagem) a fim preservar o processo biológico natural de absorção gastrintestinal. Todavia, usamos como veículo lipossomas, que são vesículas com bicamada fosfolipídica que atua como carreador do polifenol, otimizando sua absorção intestinal. Além disso, o análogo sintético consegue contornar a metabolização hepática, garantindo a forma ativa na circulação sistêmica e a distribuição da substância aos tecidos. 

 

COMENTÁRIOS:

No segundo e terceiro parágrafo, apresentamos o conhecimento novo, inédito, desconhecido de todos. Este conhecimento, por sua vez, motivou à pesquisa. Quer dizer, DBA reduz a dor nos animais, mas precisa ser administrado via oral (gavagem) e em lipossomas (vesículas com bicamada de fosfolipídeos). Neste parágrafo, já aproveitamos para mostrar que somos conhecedores do assunto: curcumina. O texto deve altamente referenciado. Novamente, nosso estudo é Fake, embora os mecanismos aqui elucidados possuem bases acadêmicas. Aqui optei por dois parágrafos, mas pode ser mais ou menos, dependente da “densidade” e “complexidade” do assunto.

 

QUARTO PARÁGRAFO:

Acreditamos que os resultados obtidos neste estudo se devem a inibição do fator nuclear kB (NFkB) e das vias da proteína quinase ativada por mitógeno (MAPK) pelo DBA. NFkB é um complexo citossólico inativo, composto pelas subunidades p50/p65, ligados a proteína IkB (GLEZER, 2000). O NFkB está envolvido na atrofia muscular, miopatias inflamatórias adquiridas, sarcopenia e sepse (THOMA & LIGHTFOOT, 2018). Após sua ativação, a proteína IkB é fosforilada e direcionado ao proteossoma, enquanto que o dímero p50/p65 se desloca ao núcleo celular, onde se ligam ao sítio kB no DNA (MITCHELL, 2016; LAWRENCE, 2009; GLEZER, 2000). Ocorre, então, indução de citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-1b (IL-1b) (LAWRENCE, 2009; GLEZER, 2000). Ao mesmo tempo, MAPK induz alteração em neurônios motores com presença de hiperalgesia, mediado pela quinase regulada por sinal extracelular (ERK); e alodinia, mediado pela quinase terminal C-Jun (JNK), após lesão (JEON et al., 2013). Sendo assim, os menores níveis de IL-1b e o alívio da dor crônica nos animais deste estudo tem relação com a inibição do NFkB e das vias MAPK/ERK/JNK pelo DBA.

 

COMENTÁRIOS:

No quarto parágrafo, trouxe fatos conhecidos, que poderiam justificar nossos achados. Neste sentido, podemos estabelecer comparações com a literatura. Ou seja, os mecanismos de ação e respostas fisiológicas do NFkB, MAPK e ERK/JNK já são conhecidos e documentados. A novidade, portanto, se mantém: DBA reduz inflamação (reduz IL-1b e causa alívio da dor crônica) em modelos animais via inibição do NFkB e das vias MAPK/ERK/JNK. Pessoal, lembrem-se: EU não sei se DBA faz isso (rs), pois é um estudo Fake, baseado em “falácias lógicas”. Existem estudos sobre os mecanismos da curcumina modulando essas vias de sinalização celular (PATEL et al., 2020; SHEHZAD & LEE, 2013), mas desconheço estudos sobre ação do DBA nestas vias (faça a pesquisa e, se fizer, me convide, rs). Certamente os caminhos do NFkB e sua relação com MAPK/ERK/JNK existem, mas o papel do DBA aqui é meramente especulativo para ilustrar um exemplo de discussão.

 

QUINTO PARÁGRAFO:

Nosso estudo, contudo, possui limitações. Primeiro, não foram avaliados os níveis de MAPK/ERK/JNK, onde o alívio da dor crônica, avaliado pelo teste de alodinia mecânica com filamentos de von Frey nos animais, pode ocorrer por outras vias. Segundo, não avaliamos os níveis de citocinas anti-inflamatórias, por exemplo, interleucina-10 (IL-10), portanto, não podemos estabelecer um “status” pró-inflamatório e anti-inflamatório. De qualquer forma, este é o primeiro estudo que avalia o efeito inibitório do NFkB com a suplementação de DBA, embora mais estudos sejam necessários para elucidar os diferentes caminhos metabólicos responsáveis pelo efeito antinociceptivo e analgésico em modelo de dor crônica.

 

COMENTÁRIOS:

No quinto parágrafo, podemos generalizar o assunto e, até mesmo, deixar sugestões para pesquisas futuras. Outros autores preferem apontar as limitações do estudo, pois todos os estudos possuem “prós” e “contras”. Optei por vários desfechos no último parágrafo. Primeiro, relatei que o estudo possui limitações e estou ciente disso. Segundo, não podemos desmerecer o estudo, pois é o primeiro que avalia essa novidade. E, terceiro, terminei com a frase clichê: mais estudos são necessários (...).

Observe, então, que a discussão é semelhante à introdução, mas ao contrário. Como assim professor? Vejam, na introdução tínhamos 4 (ou 5) parágrafos. No primeiro, deveríamos generalizar o assunto. No segundo, faríamos comparação com fatos conhecidos. No terceiro, acrescentaríamos fatos inéditos ou desconhecidos. E, no último, falaríamos dos objetivos ou da pergunta de pesquisa, que precisaria ser respondida. Já na discussão, podemos usar a mesma estratégia (4 ou 5 parágrafos), mas ao contrário. Quer dizer, no primeiro precisamos responder à pergunta de pesquisa. No segundo e no terceiro parágrafo vamos trazer o conhecimento novo, um fato que as pessoas desconhecem. No quarto parágrafo, partimos para a comparação com a literatura (muitas referências vão “rolar”), onde já existem fatos conhecidos e documentados. Por fim, no último parágrafo vamos generalizar o assunto, trazer as limitações e sugestões para novas pesquisas.

Um erro bastante comum é discutir dados que não foram apresentados nos resultados e, tão pouco, nos materiais e métodos. Já assisti muitas bancas de TCC, dissertação de mestrado e teses de doutorado. Aliás, já fui orientador em graduação e pós-graduação, onde orientei 60 trabalhos de conclusão de curso (TCC) entre 2008 e 2020. Portanto, posso afirmar: não faça isso! Obviamente, os alunos possuem muitos dados, afinal foram meses e meses de pesquisa, mas só discuta o que realmente apresentou nos resultados.

Outro erro, não tão comum, mas presente: estabelecer discussões sem as devidas referências. Lembre-se: aqui não é o lugar para Fake News (embora nosso estudo seja Fake no sentido de ensinamento), “fofocas” ou “bate-boca”. O mesmo tempo, não tire conclusões precipitadas, criando grandes perspectivas e ilusões que somente você enxerga. Limite-se, portanto, os dados obtidos em sua pesquisa.

Por fim, se a revista permitir, poderá incluir uma figura ou representação esquemática do efeito antinoceptivo e analgésico do dibenzalacetona (DBA) em modelo de dor crônica em ratos Wistar, por exemplo. Muitos estudos, especialmente nas áreas de saúde e ciências biológicas, apresentam figuras fantásticas (EU, particularmente, sempre gosto de criar minhas próprias figuras bioquímicas). Neste caso, seria uma figura de autoria própria, respeitando as limitações impostas pela revista.

 

CONCLUSÃO

Por fim, vamos à conclusão que, obviamente, só poderá ser FAKE.

 

DISCUSSÃO

A suplementação do análogo sintético da curcumina, o dibenzalacetona (DBA), possui efeito antinoceptivo e analgésico em modelo de dor crônica em ratos Wistar.

 

COMENTÁRIOS:

Repito: o estudo é FAKE, portanto, a conclusão é FAKE.

 

REFERÊNCIAS

Por fim, só falta inserir as referências, que utilizou em nosso estudo Fake. Vou exemplificar três formas, mas a regra é simples: siga as normais das revistas!

 

Como referenciar um livro?

WOLINSKY, Ira; HICKSON, James F. Nutrição no Exercício e no Esporte. São Paulo: Editora Roca, 1996. 

OU:

WOLINSKY, Ira; HICKSON, James F. Nutrição no Exercício e no Esporte. São Paulo: Editora Roca, 1996. 


Como referenciar um site?

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Portaria n°398 de 30 de abril de 1999. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/1999/prt0398_30_04_1999.html> Acesso em: 24.04.2022.

 

Como referenciar um artigo?

GREGORY, N. et al. An overview of animal models of pain: disease models and outcome measures. J Pain. 14(11): 1-26, 2013.

OU:

GREGORY, N. et al. An overview of animal models of pain: disease models and outcome measures. J Pain. 14(11): 1-26, 2013.

 

 UFA, acabou! GOSTOU? Se sim, pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog: https://peraltanutri.blogspot.com. Lembre-se: esse assunto e muito mais faz parte do PROGRAMA DE MENTORIA ACADÊMICA E ESCRITA CIENTÍFICA que estou elaborando, onde em breve, muito em breve, passarei maiores informações. AHHH, siga-me nas redes sociais (@peraltanutri).