AS PESSOAS SÃO OBESAS PORQUE QUEREM?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Muitas pessoas acreditam que
obesos são obesos porque querem, não se cuidam, são desleixados, são vagabundos,
são preguiçosos, que querem emagrecer sem esforços. Outros, ainda, acreditam
que para emagrecer basta fechar a boca e exercitar-se e, portanto, reforçam a ideia
que os pacientes com obesidade são preguiçosos. Estes pensamentos estão tão
arraigados, enraizados, fixados na cabeça das pessoas e sociedade que, até
mesmo, os próprios obesos acreditam nisso. Os pacientes obesos se sentem culpados,
afinal acreditam que eles são os únicos culpados pelo seu excesso de peso e
adiposidade. Pois bem, a obesidade é uma doença muito mais complexa que a “limitada”
cabeça de algumas pessoas e, portanto, deixa-me explicar neste post.
REFLITA, ALGUNS SEGUNDOS, SOBRE AS PERGUNTAS ABAIXO ANTES DE
CONTINUAR:
Se a pessoa é obesa por descuido ou desleixo, porque temos 25,9%
da população brasileira obesa, sendo 60,3% com sobrepeso? Todos são descuidados
e desleixados?
Se a pessoa é obesa por preguiça ou vagabundagem, porque
temos 700 milhões de pessoas com obesidade no mundo, sendo 2,3 bilhões de
pessoas com sobrepeso? Todos são preguiçosos ou vagabundos?
Se para emagrecer basta fechar a boca e exercitar-se, porque 80%
das pessoas com obesidade desistem ou não aderem ao tratamento? Não era só cumprir
a dieta? Não bastava seguir o treinamento?
Pois bem, a obesidade é uma doença,
ou melhor, uma condição crônica inflamatória de baixo grau, reconhecida como
doença pela Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas
Relacionados à Saúde (CID-10), através do código E66. De acordo com a Organização
Mundial de Saúde (OMS), o sobrepeso e a obesidade são importantes problemas de
saúde pública. Vejamos, portanto, algumas causas da obesidade:
CAUSAS DE ORIGEM GENÉTICA: Síndrome
de Prader-Willi (SPW), Síndrome de Down, Síndrome de Bardet-Biedel (SBB), Síndrome
de Alstrom, Síndrome Cohen e Síndrome de Carpenter (atualmente, chamada Síndrome
Poliglandular Autoimune tipo 2 ou SPGA tipo 2).
CAUSAS NEUROENDÓCRINAS: Síndrome
de Cushing, distúrbios hipotalâmicos, hipotireoidismo, Síndrome do Ovário Policístico
(SOP) e deficiência do hormônio do crescimento (GH).
OBESIDADE EM DECORRÊNCIA DA MÁ ALIMENTAÇÃO: Dietas hipercalóricas, alimentação baseada em fast food (“comida rápida”, ou seja,
pobre do ponto de vista nutricional) e junk
food (“comida lixo”, ou seja, menos saudável e mais calórica) e Síndrome da
Alimentação Noturna (ou Síndrome do Comer Noturno, SCN).
OBESIDADE E AMBIENTE SOCIAL: O ambiente obesogênico é um item tão importante em nossa reflexão
que merece um item isolado. Quer dizer, existem ambientes que favorecem a obesidade,
discutidos anteriormente como fast foods
e junk foods. Porém, o assunto é
muito mais profundo, pois existem fortes estratégias de marketing da indústria alimentícia
para incentivar a adesão de alimentos inadequados. Você encontra esse ambiente
propício para obesidade no contexto escolar, entre os funcionários de uma
empresa e no próprio convívio entre familiares. Para muitos pacientes, é quase impossível
escapar desse “vício visual alimentício”. Além disso, muitos pacientes
apresentam a “fome hedônica”, ou seja, uma espécie de “comer emocional”. Em outras
palavras, as pessoas comem mais quando estão estressadas, ansiosas, emotivas...
bem como irritadas, revoltadas... mas também quando estão alegres, felizes, eufóricas.
É um verdadeiro “mecanismo de recompensa e prazer” através da alimentação,
contribuindo, assim, para o sobrepeso e obesidade.
CAUSAS RELACIONADAS AO USO DE MEDICAMENTOS: Antipsicóticos (haldol, clorpromazina e risperidona), antidepressivos
(amitriptilina), antiepiléticos (ácido valpróico), estabilizadores do humor (lítio),
antidiabéticos (sulfoniuréias), anti-histamínicos, corticóides, anti-hipertensivos
e inibidores de protease.
OUTRAS CAUSAS DA OBESIDADE: Muitos pacientes obesos em decorrência de distúrbios e transtorno
alimentares, por exemplo, o Transtorno de Compulsão Alimentar Periódico (TCAP).
Outros pacientes aumentam de peso após interrupção do tabagismo. Ainda existes
aqueles que apresentam excesso de peso em decorrência do menor gasto energético
com atividades diárias, incluindo atividade física. Fatores ambientais precoces
também contribuem para obesidade desde a infância, mas são frequentemente
negligenciados. Por exemplo, inadequação do aleitamento materno exclusivo
(AME). Problemas psicológicos e emocionais, na infância e adolescência, também
contribuem para obesidade na fase adulta. Por exemplo, um caso de abuso sexual
na infância e adolescência pode ser o “gatilho” para obesidade na vida adulta.
PORTANTO, PERCEBEU COMO SUA VISÃO SOBRE A OBESIDADE ERA
BASTANTE LIMITADA?
A obesidade é, com
certeza, uma condição clínica complexa e multifatorial. Entre todos estes
aspectos, deixa-me escolher um para nossa reflexão:
OBESIDADE E TRANSTORNO DE COMPULSÃO ALIMENTAR PERIÓDICO
(TCAP)
Cerca de 30% ou mais dos pacientes
com obesidade apresentam Transtorno de Compulsão Alimentar Periódico (TCAP), que
é uma doença psiquiátrica, onde simplesmente os indivíduos comem demais, sem
controle, e depois se deprimem, comendo novamente, novamente e novamente. Os episódios
de comilança ocorrem pelo menos uma vez por semana, durante 3 meses, o que
caracteriza TCAP, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos
Mentais (DSM-V). Mas, cuidado: nem toda compulsão alimentar é um caso de TCAP. Deixa-me
explicar: algumas pessoas apresentam, ao longo de uma vida inteira, episódio de
compulsão alimentar (CA), que é caracterizada pelo consumo exagerado de
alimentos, em um curto período de tempo (até 2 horas), seguido de uma sensação
ou sentimento de culpa, de perda de controle, por comer demais. Todavia, esse
episódio esporádico, eventual, decorrente de inúmeros motivos diferentes, não
preenche os critérios de TCAP (que é a doença), mas apenas trata-se de um caso
eventual e isolado de CA.
Ao mesmo tempo, quando se
estuda a “cabeça” das pessoas com transtornos alimentares, digamos assim, percebemos
que podem existir determinadas zonas cerebrais alteradas ou disfuncionais, o
que poderia explicar alguns comportamentos de compulsão alimentar. Por exemplo,
estudos (Jonathan Downar et al. Unanticipated rapid remission of refractory bulimia nervosa, during
high-dose repetitive transcranial magnetic stimulation of the dorsomedial
prefrontal cortex: a case report. Frontiers in
Psychiatry 3(30): 1-5, 2012; doi: 10.3389/fpsyt.2012.00030.
eCollection 2012) mostram que em pacientes bulímicos com depressão e TCAP, a Eletroestimulação
Magnética Transcraniana (EMT) sobre o córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL)
reduziu a depressão e TCAP. Outros estudos (Tathiana Pires Baczynski et al. High-frequency rTMS to treat
refractory binge eating disorder and comorbid depression: a case report. CNS Neurol Disord Drug Targets 13(5):771-775, 2014; doi: 10.2174/1871527313666140307154823)
em mulheres com depressão e TCAP, as sessões de EMT no CPFDL também reduziu
depressão e TCAP. Aliás, além do CPFDL, estudos (Rudolf Uher et al. Medial
prefrontal cortex activity associated with symptom provocation in eating
disorders. Am J
Psychiatry 161(7):1238-46, 2004) identificaram
outras zonas cerebrais de interesse na depressão e TCAP: córtex orbitofrontal medial esquerdo, cingulado anterior, lóbulo
parietal inferior e cerebelo.
PORTANTO, REFLITA, ALGUNS SEGUNDOS:
AS PESSOAS SÃO OBESAS
PORQUE QUEREM?
Vejam, peguei apenas um item
(TCAP) para discutir, mas deixei de fora inúmeros fatores que contribuem,
direta ou indiretamente, para a obesidade. Minha tese de Doutorado, junto ao Programa
de Pós-Graduação em Ciências Biológicas: Farmacologia e Terapêutica da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), busca estudar e entender alguns destes
fatores e, se possível, tirar este estigma social da obesidade: GORDOFOBIA.
Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde
que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog:
https://peraltanutri.blogspot.com. AHHH, siga-me nas redes sociais (@peraltanutri). AHHH, meu Programa
de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, bem como Curso de Nutrição Esportiva Avançada está em elaboração. Aguarde. Te
conto, em breve!