EXISTEM ALIMENTOS QUE AUMENTAM OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Confesso
que, por vezes, fico impressionado com a criatividade das pessoas, incluindo
médicos e colegas nutricionistas, quanto às informações associadas a nutrição e
alimentação. Confesso, inclusive, que fico chateado, pois antes de sair
propagandeando “estratégias mirabolantes” de dieta e suplementação, seria muito
mais justo ler alguns estudos científicos e não sair “blasfemando”
barbaridades. Por exemplo, alega-se que alguns alimentos (pimenta vermelha,
gengibre, castanha de caju, gergelim, linhaça, ostras, salmão e, até mesmo,
cafeína) seriam capazes de aumentar significativamente os níveis de
testosterona em homens adultos. Quando questionados, argumentam que essa
capacidade se deve a presença de magnésio e zinco, ácidos graxos ômega-3 e
antioxidantes nestes alimentos. Pois bem, vamos analisar rapidamente essas
informações?
PRIMEIRO: ESTUDE, DEPOIS FALE.
Se
fizermos uma busca rápida no PubMed (www.pubmed.ncbi.nlm.nih.gov), usando um
filtro de publicação dos últimos 5 anos, com as palavras-chaves “magnesium increases testosterone levels”
(magnésio aumenta os níveis de testosterona) encontraremos apenas 16 resultados
(artigos). Destes, analisando com mais atenção, a maioria envolve síndrome do
ovário policístico (SOP), portanto, um distúrbio hormonal comum em mulheres. Outros
envolvem câncer de ovário, portanto, mulheres. Outros, ainda, envolvem animais
de experimentação (ratos), portanto, não são seres humanos.
Portanto,
vamos analisar o que sobrou:
Yabing
Chen et al. m6A mRNA methylation regulates testosterone synthesis through
modulating autophagy in Leydig cells. Autophagy
17(2):457-475, 2021 (doi: 10.1080/15548627.2020.1720431.).
O
estudo disserta sobre a importância da autofagia para a biossíntese de
testosterona pelas células de Leydig dos testículos, cujo modificações em
alguns genes poderia deturbar essa via metabólica. O trabalho fala sobre
metiltransferases (METTL14), AMPK (proteína quinase ativada por mitógenos) e
CAMKK2 (proteína quinase dependente de cálcio-calmodulina). Neste sentido, apenas
menciona que algumas proteínas, como PPM1A (proteína fosfatase 1A) é dependente
de magnésio, mas não faz menção alguma sobre a suplementação de magnésio. O
estudo se quer relata estabelece relação do magnésio com testosterona, pois o
foco do artigo é descrever a metilação de mRNA, em determinados genes, que
poderiam regula a síntese de testosterona.
Portanto,
vamos analisar outro estudo:
Kazim
Sahin et al. Effects of magnesium picolinate, zinc picolinate, and
selenomethionine co-supplementation on reproductive hormones, and glucose and
lipid metabolism-related protein expressions in male rats fed a high-fat diet.
Food
Chem (Oxf) 27;4:100081, 2022 (doi: 10.1016/j.fochms.2022.100081).
Este
estudo buscou avaliar os impactos do magnésio, zinco e selenometionina (selênio
e metionina) sobre parâmetros sanguíneos: glicose, colesterol total,
triglicerídeos, insulina, leptina, testosterona, hormônio folículo estimulante
(FSH), hormônio luteinizante (LH), fator de crescimento semelhante a insulina
(IGF1), globulina de ligação para hormônios sexuais (SHBG), proteína de ligação
ao elemento regulador esterol tipo 1c hepático (SREBP1c), fator nuclear kappa B
(NFkB) e receptor hepático LXRa. Também foram avaliadas algumas enzimas
antioxidantes: SOD (superóxido dismutase), CAT (catalase) e GSH (glutationa). UAU,
gostou? KEEP CALM (mantenha a calma), pois o estudo foi conduzido com ratos
Wistar (56 animais) e não seres humanos. Sabemos que não podemos extrapolar
facilmente estudos com animais para humanos, tão pouco in vitro para in vivo.
Todavia, como temos poucos estudos para comprovar a “falácia” apresentada, vamos
discutir esse aqui.
O estudo
foi realizado por 7 dias, onde os animais foram divididos em 8 grupos:
1)
Grupo controle: animais submetidos à dieta padrão (ração comercial, com 7% de
gordura);
2)
Grupo HFD: ratos alimentados com dieta rica em gordura (40% de gordura);
3) Grupo
HFD + MgPic: ratos alimentos com dieta rica em gordura e suplementação de picolinato
de magnésio;
4)
Grupo HFD + ZnPic: ratos alimentados com dieta rica em gordura e suplementação
de picolinato de zinco;
5)
Grupo HFD + SeMet: ratos alimentados com dieta rica em gordura e suplementados
com metionina e selênio;
6)
Grupo HFD + MgPic + ZnPic: ratos alimentados com dieta rica em gordura,
magnésio e zinco;
7) Grupo
HFD + MgPic + SeMet: ratos alimentados com dieta rica em gordura, magnésio,
metionina e selênio;
8)
Grupo HFD + MgPic + ZnPic + SeMet: ratos alimentados com dieta rica em gordura,
magnésio, zinco, metionina e selênio.
Leia o
estudo inteiro, pois vou direto aos resultados que interessam ao post: as
concentrações de testosterona, FSH, LH, SHBG e IGF1 diminuíram com a alimentação
rica em gordura (HFD) em comparação à dieta padrão (grupo controle). Todavia, a
suplementação combinada de magnésio, zinco, selênio e metionina aumentaram os níveis
de testosterona. Em conclusão, parece que a dieta rica em gordura saturada tem
algum efeito negativo sobre tais hormônios em ratos, enquanto que os minerais
poderiam proteger os órgãos reprodutivos e/ou fertilidade e/ou produção
hormonal em ratos. Ao mesmo tempo, cabe destacar: ratos não comem, normalmente,
gordura do sebo. Quer dizer, para aumentar o aporte calórico dos animais, nas
dietas ricas em gordura, acrescentou-se a gordura do sebo, portanto, uma espécie
de gordura saturada proveniente das vísceras de animais ruminantes. Essas são,
portanto, limitações do estudo. Outro exemplo: a possível proteção de
toxicidade testicular pelos minerais não pode ser extrapolada para humanos, ou seja, tais dosagens não podem ser aplicáveis
em seres humanos. Além disso, o índice de resistência à insulina (HOMA-IR) é baseado
em seres humanos e foi recalculado e extrapolado para ratos, portanto, outros
estudos precisam validar essa informação. De qualquer forma, segundo valores de
corte obtidos, os ratos deste estudo são resistentes à insulina. Em seres
humanos, por exemplo, baixos níveis de testosterona são encontrados em pacientes
com resistência à insulina e diabéticos. Não deveríamos ter ratos não resistentes à insulina para avaliar? Por fim, a combinação de minerais pode
melhorar a saúde de diabéticos (o que seria óbvio) e obesos (o que novamente seria óbvio), mas isso não poderia ser obtido
da alimentação ao invés da suplementação?
Portanto,
porque você diz que magnésio, zinco ou selênio aumentam os níveis de
testosterona em homens?
Portanto,
vamos “brincar” novamente?
Vamos,
novamente, ao PubMed (www.pubmed.ncbi.nlm.nih.gov), com filtro de 5 anos, porém
agora com as palavras-chaves: “red pepper
increases testosterone levels” (pimenta vermelha aumenta os níveis de
testosterona). Poderá notar que apenas 3 resultados foram encontrados, sendo
que 2 são estudos com ratos. Ou seja, consegue comprovar sua “oratória” com
apenas 3 estudos?
Portanto,
vamos continuar a “brincadeira”?
No PubMed,
vamos pesquisar: “ginger increases
testosterone levels” (referente ao gengibre). Agora temos apenas 7 estudos
e, destes, 5 estudos são com animais e não seres humanos. Entre os que
sobraram, um deles refere-se aos tratamentos in vitro e não in vivo. Finalmente,
o único que sobrou diz: “Parece que o gengibre melhora a qualidade do sêmen e parâmetros
do esperma, mas não há revisões sistemáticas que comprovem o elo entre gengibre
e qualidade do sêmen”. E, continua: “Ainda são necessários estudos sobre os
efeitos positivos do gengibre na qualidade do sêmen em homens”. Portanto, como
alguns profissionais de saúde conseguem, simplesmente, extrapolar suas opiniões
para prescrições dietéticas?
Portanto,
vamos só mais uma vez?
No PubMed,
vamos pesquisar: “caffeine increases
testosterone levels” (ou seja, avaliando o uso de cafeína). Lembre-se,
nosso filtro deve ser de 5 anos, ou seja, na busca de estudos atuais. O que
encontramos? Buenas, agora temos 9 resultados (artigos). Deixa-me comentá-los
rapidamente:
O primeiro
da lista fala sobre a suplementação de cafeína no exercício de resistência e,
portanto, não dos níveis de testosterona com uso de cafeína (doi: 10.1007/s40279-018-0997-y).
O segundo
diz que cafeína melhora a qualidade do esperma, mas também modula a atividade de
enzimas da via dos hormônios esteroides, porém é um estudo com ratos e não seres humanos.
Além disso, o estudo também avalia o fármaco escopolamina (antagonista muscarínico
e anticolinérgico), ou seja, tal fármaco reduziu a atividade de algumas enzimas e os
níveis de testosterona (doi: 10.1111/jphp.13142).
O terceiro
fala da cafeína e seus efeitos metabólicos em mulheres obesas, ou seja, não
discursa sobre cafeína aumentar testosterona (doi:
10.1249/MSS.0000000000002311).
O quarto
fala sobre displasia testicular (má formação do trato urinário superior) causada
pela exposição à cafeína pré-natal, ou seja, poderia ser um ponto negativo do
uso de cafeína (doi: 10.1530/JOE-18-0684).
O quinto
fala do uso simultâneo de cafeína e etanol na qualidade do esperma em ratos e
não seres humanos. Ufa, está difícil te ajudar na “falácia dos alimentos que
aumentam testosterona” (rs) (doi: 10.1080/01480545.2020.1802479).
O sexto
fala de medicamentos (levomepromazina e clozapina), onde uma discussão sobre o
metabolismo hepático de degradação de xenobióticos acabou mencionando a cafeína,
que é metabolizada no fígado (doi: 10.1007/s43440-020-00157-4).
O sétimo
fala da melatonina e sua relação com sono, onde cafeína pode prejudicar o sono
e a falta de sono pode prejudicar os níveis de testosterona (doi:
10.1016/j.nbscr.2021.100072).
O oitavo
fala da coadministração de cafeína e ácido cafeico sobre função reprodutiva,
porém em ratos e não seres humanos (doi: 10.1111/e.12839).
E, por
fim, o último fala sobre medicamentos (asenapine e iloperidone) na
expressão de enzimas hepáticas do citocromo P450 (CYP450), o que não tem nada a
ver com cafeína e aumento de testosterona (doi: 10.1016/j.taap.2020.115239).
PORTANTO,
VIU COMO DEVEMOS LER E ESTUDAR ANTES DE SAIR “INDICANDO” E “PRESCREVENDO” MANIPULAÇÕES
SEM QUALQUER COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA?
Alguns me chamariam de CHATO, mas prefiro ser
um chato HONESTO. AHHH, professor, e as gorduras poli-insaturadas do tipo
ômega-3? HUMMM, isso te conto no próximo post.
Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde
que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta no Blog:
https://peraltanutri.blogspot.com. AHHH, siga-me nas redes sociais (@peraltanutri). AHHH, meu Programa
de Mentoria Acadêmica e Escrita Científica, bem como Curso de Nutrição Esportiva Avançada está em elaboração. Aguarde. Te
conto, em breve!