segunda-feira, 10 de outubro de 2022

UMA REFLEXÃO SOBRE OS ESTEROIDES ANABÓLICO-ANDROGÊNICOS

 

UMA REFLEXÃO SOBRE OS ESTEROIDES ANABÓLICO-ANDROGÊNICOS

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


O uso e abuso de esteroides anabólico-androgênicos (EAA) ou, simplesmente, esteroides anabolizantes, é uma realidade que não começou hoje, muito menos ontem. Em 1945, o Dr. Paul Henry de Kruif (1890-1971), microbiologista, lançou seu livro “The Male Hormone” (O Hormônio Masculino), que abriu a mente de muitas pessoas sobre o uso de drogas sintéticas, especialmente análogos da testosterona e derivados, em seres humanos. Paul Kruif trouxe contribuições para a ciência, no ramo da medicina e, curiosamente, gostava de escrever e criar personagens de ficção e romance.

Os efeitos adversos à saúde, associados ao uso (e abuso) dos EAA, não são “obras de ficção” e se manifestam no sistema cardiovascular (alteração do perfil lipídico e, em especial, decréscimo do HDL-colesterol; elevação da pressão arterial; e hipertrofia do ventrículo esquerdo com disfunção do miocárdio), endócrino (inibição do eixo hipotálamo-pituitária-testicular ou HPT; desbalanço testosterona/diidrotestosterona ou TT/DHT; redução na contagem de espermatozoides; ginecomastia; atrofia testicular; impotência sexual; e infertilidade), genitourinário (irregularidades menstruais, clitoromegalia ou hipertrofia atípica do clitóris e alterações na libido), dermatológicos (acne, calvície e hirsutismo ou crescimento excessivo de pelos em mulheres), hepáticos e de órgãos acessórios (injúria hepatocelular, colestase, icterícia e adenocarcinoma hepático), musculoesquelético (fechamento prematuro da epífise óssea e risco aumentado para lesões tendinosas) e psicológicos (mania, depressão, agressividade e mudança de humor). As causas de óbitos envolvem infarto, derrame, hemorragia hepática, sangramento de varizes esofágicas, miocardiopatia e câncer de fígado.

Enfim, não quero entrar em uma discussão técnico-científica, com forte abordagem fisiobioquímica, mas, sim, trazer uma breve reflexão sobre a motivação do uso e abuso dos EAA.

 

O QUE LEVA UMA PESSOA A USAR EAA?

Acredito que a motivação para o uso/abuso de EAA são inúmeras, mas todas parecem convergir para um ponto comum: insegurança com a imagem corporal. Muitas pessoas não aceitam seu próprio corpo, sua imagem refletida no espelho todo santo dia. Essa insatisfação altera o comportamento das pessoas que, muitas vezes, buscam soluções imediatas.

Vejam, para muitas pessoas, as soluções para a insegurança de imagem corporal se manifestam nos hábitos alimentares “radicais”, nas dietas restritivas e na adoção de “dietas da moda”. Para outras pessoas, as soluções se manifestam nas práticas exageradas de atividades físicas, que podem acarretar lesões por esforço repetitivo. E, para outras, a solução está no uso/abuso de drogas anabolizantes, que podem modificar “radicalmente” sua aparência no espelho.

Vejam, não estou condenando os usuários de EAA, mas apenas “filosofando” sobre as motivações de seu uso, que pode ser precocemente para alguns e tardiamente para outros.

 

Não quero banalizar essa informação e, portanto, me acompanhe nessa reflexão.

 

A baixa autoestima e as dificuldades de aceitação pessoal, familiar e entre os grupos estão interligadas com a distorção da imagem corporal. Estes pilares (autoestima, aceitação e distorção de imagem), por sua vez, têm origens socioculturais, psicológicas, genéticas e neuroquímicas. Portanto, percebam que a profundidade desta temática!

Em algumas comunidades ou sociedades, ser aceito “socialmente” significa ser “magro” ou “magra”. Em outras, significa ter piercing e tatuagens. E, portanto, em outras significa ser “musculoso ou musculosa”, o que poderia fortalecer o vínculo entre essas pessoas. Para muitas mulheres do Universo Fitness, ser aceito “socialmente” significa ter “bumbum na nuca” (o que anatomicamente seria impossível, rsrs). Para muitos homens, ser aceito “socialmente” significa ter “braço de 45 cm” (embora muitas panturrilhas não ultrapassem a margem dos 37 cm, rsrs).

Novamente, não existem problemas em querer glúteos ou braços musculosos, porém surge outra pergunta:

 

Qual é o preço que você pretende pagar para obter “bumbum na nuca” ou “braço de 45 cm”?

 

Alega-se que “vale tudo pela beleza”, mas tem pergunto:

 

O QUE É BELEZA?

Vejam, a “Vênus de Urbino”, uma pintura em óleo sobre tela, de Tiziano, de 1538, representa o conceito de beleza na época e, atualmente, a moça da pintura seria chamada de “sobrepeso” (rsrs). Ao mesmo tempo, a pintura de óleo sobre tábua, de Peter Paulo Rubens, em 1636, conhecida como “As Três Graças” é a representação da beleza feminina da época e, atualmente, seria criticada por mostrar “mulheres com celulite” (rsrs). “Discóbolo de Miron” (480-440 a.C.), uma estátua de bronze esculpida pelo grego Míron, usada como símbolo da Educação Física, seria chamado de “frango magrelo” pelos homens atuais (rsrs). Portanto, o conceito de beleza é subjetivo, localizado, histórico e relacional, mas poucos percebem.

 

Não são apenas os fatores socioculturais e psicológicas que regem, digamos assim, a insegurança corporal das pessoas, pois existem fatores genéticos e desordens neuroquímicas. Diversos estudos, por exemplo, buscam entender os transtornos alimentares (especialmente anorexia e bulimia nervosa) estudando determinadas regiões cerebrais (córtex orbitofrontal medial esquerdo, cingulado anterior, córtex pré-frontal lateral, lóbulo parietal inferior e cerebelo), bem como o fluxo sanguíneo cerebral e as vias metabólicas presentes nestas regiões. Outros estudos buscam entender a dependência alcoólica e de drogas ilícitas, estudando o sistema de recompensa da via dopaminérgica e sistema mesocorticolímbico. Incontáveis estudos buscam entender as alterações genéticos e neuroquímicas envolvidas nas neuropsiquiátricas, incluindo depressão maior, doença de Parkinson, Alzheimer, epilepsia, entre outras. Portanto, a temática é complexa e não deve ser banalizada. Neste sentido, pergunto:

 

Quais estudos (e estudiosos) buscam entender a vigorexia?

 

Vigorexia é um distúrbio de imagem corporal caracterizado pelo aumento exagerado da massa muscular com o uso/abuso de agentes farmacológicos, incluindo EAA. É considerado uma espécie de “obsessão pela imagem corporal” ou “obsessão pela beleza, estética”. Neste sentido, será que existe um problema de ordem psicológica/emocional para o uso/abuso de drogas anabolizantes? A insatisfação corporal pode ter sido o “gatilho” para o uso/abuso de EAA? A frustração, para algumas pessoas, poderia ser corrigida com um corpo mais atlético, atraente, bonito, construído com muito FOCO, FÉ, FORÇA E ESTEROIDES ANABOLZANTES?

 

Claro, fico pensando: existem limitações para o crescimento muscular, que depende do tempo de treinamento, alimentação balanceada, idade e genética, entre outros fatores. Neste sentido, muitos querem ultrapassar o “sinal vermelho” com o uso/abuso de EAA. Então, se uma “colisão” ocorrer, já que passou no sinal vermelho, como resolver? Haverá tempo para resolver? Quer dizer, se a doença se instalar, de forma inevitável, valeu o investimento?

 

Vamos as obviedades:

 

 É óbvio que não tenho respostas para todas as perguntas, pois meu objetivo foi apenas incentivar a reflexão. Ao mesmo tempo, o uso/abuso de drogas anabolizantes não é recente e, com certeza, não irá sumir nos próximos anos. Minha grande preocupação, como profissional de saúde, não é exatamente com o fisiculturista ou atleta de alto nível que usa/abusa de EAA, mas, sim, como “Zé Mané da borracharia”, digamos assim.

Deixa-me explicar: o Zé Mané (nome fictício para qualquer pessoa não atleta, mas que usa/abuso de EAA, mas não vive do esporte) passa aos amigos uma falsa noção de segurança, afinal sua “barriga está tanquinho”, seus ombros estão largos e seus braços estão enormes. Zé Mané começa a misturar várias drogas, apresentando um pouco de ginecomastia e queda de cabelo, mas não liga, afinal suas coxas e panturrilhas começaram a evoluir. Todos na academia ficam impressionados com o “corpo atlético” do Zé Mané, mas poucos sabem que seus exames de sangue estão horrorosos. Zé Mané não liga, afinal, usar/abusar de EAA tornou-se um “estilo de vida” igual treinar, diz ele. Muitas pessoas não conseguem a evolução rápida do Zé Mané e acreditam que o treinamento e dieta não são suficientemente rápidos e eficientes para alcançar seus objetivos quanto a massa muscular e redução de gordura corporal, o que só pode ser alcançado com uso/abuso de drogas anabolizantes. Zé Mané enxerga uma forma de “lucrar” com a insegurança corporal das pessoas e torna-se uma espécie de “celebridade” na academia do bairro. Zé Mané não tem o Ensino Fundamental completo, mas as pessoas não ligam, afinal ele parece entender “tudo” de EAA. Outros, afirmam: “Minha genética não é privilegiada” e, portanto, pagam consultoria para Zé Mané, que nunca viu tanto dinheiro. Por fim, Zé Mané teve um infarto fulminante, pois não atentou aos avisos médicos em relação aos seus exames de sangue e cardiológicos. Agora, amigos e amigas do Zé Mané dizem: “Juro por Deus que não tomei esteroides anabolizantes” e a pergunta permanece: o que leva uma pessoa a usar EAA?