Olá Pessoal. Estou colocando muita informação no FACE e, portanto, acabei deixando o "pobre coitado" do BLOG de lado. Mas, já vamos resolver isso com novas postagens. Espero que gostem!
A creatina (CR),
juntamente com a proteína do soro do leite (Whey Protein) e os aminoácidos de cadeia ramificada (BCAA), é um dos suplementos mais populares no
cenário da hipertrofia muscular. Eu já usei, você já usou e, provavelmente, nós
conhecemos alguém que usa ou que pensa em usar. Ok, mas, afinal, o que sabemos
sobre este suplemento esportivo?
A CR é sintetizada no organismo a partir
de três aminoácidos: glicina (GLY), arginina (ARG) e metionina (MET). Ou seja, ARG se combina com GLY a fim
de formar guanidoacetato e ornitina pela arginina-glicina-aminotransferase
renal ou glicina transaminase (este processo não ocorre no fígado ou músculo
esquelético). No fígado, a guanidoacetato forma CR com a entrada de
S-adenosilmetionina (SAM) e saída de S-adenosilhomocisteína (SAH) em uma reação
hepática catalisada pela guanidoacetato-N-metiltransmetilase. Por fim, CR
forma fosfocreatina ou creatina fosfato (CP) – já no músculo esquelético – com
entrada de adenosina trifosfato (ATP) e saída de adenosina difosfato (ADP) em
uma reação da creatina fosfoquinase (CPK), que é uma enzima reversível. Em uma
reação irreversível e não enzimática, por desidratação, forma-se creatinina no
músculo que, posteriormente, sofrerá excreção urinária (Mendes & Tirapegui.
Organo Oficial de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127,
2002).
A CR pode ser obtida da dieta através da ingestão
de carnes (bovina e suína) e peixes (arenque, salmão, atum e bacalhau), o que
no alimento cru oscila entre 4 e 5 g/dia e após preparo entre 1 e 2 g/dia.
Endogenamente (fígado, pâncreas e rins) obtém-se 1 até 2 g/dia adicionais. Em
outras palavras (o que você já deve ter percebido) existe um equilíbrio
(homeostase) da CR (Gualano B. et al. Rev Bras Med Esporte. 16(3): 2010). E se
eu ingerir 20 ou 25 g/dia de CR através da suplementação? Humm, discutiremos
mais adiante, mas já deve perceber que ocorrerá uma quebra desta homeostase,
não é mesmo?
O tecido muscular não produz CR e, portanto, obtém
a mesma da corrente sanguínea para gerar CP intramuscular. Em condições
fisiológicas, o sistema do fosfagênio ou ATP-CP mantém as concentrações de ATP
no músculo, mesmo quando este está sendo depletado como fonte energética
durante o esforço físico. Em outras palavras, CP intramuscular (que é um
composto de alta energia) regenera rapidamente a molécula de ATP para contração
muscular (Mendes & Tirapegui. Archivos latinoamericanos de nutricion.
Organo Oficial de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127,
2002).
A suplementação com CR tende aumentar a CR total
(tCR) em 16 a 22%, enquanto que a CP intramuscular próximo de 20%. Em uma
linguagem mais simples, ter mais CR e CP nas fibras musculares pode significar
mais ATP para sustentar o esforço físico, o que poderia conduzir aos ganhos de
força, potência, velocidade, destreza e, porque não dizer, crescimento
muscular. A suplementação com CR também reduz o cansaço e viabiliza a adoção de
cargas mais intensas no treinamento (Martins, F.C. EFDeportes.com, Revista
Digital. Buenos Aires, Año 16(155), 2011; Frederico S.C. et al. Rev Bras Med
Esporte. 13(5): 2007). Dessa forma, muitas pessoas recorrem à suplementação com
CR em uma tentativa de aumentar a força e a massa muscular. Ao que tudo indica,
acaba funcionando. Isso pode beneficiar não só o fisiculturista, mas também os
atletas em esportes de potência ou força explosiva (lutadores, halterofilistas
e corredores de 100 ou 200 metros rasos, por exemplo). E o aumento da massa
muscular é verdadeiro ou seria apenas “inchaço”? Bem, um aumento da força pode,
indiretamente, já lhe proporcionar um grande treino e, consequentemente, maior
hipertrofia muscular. Mas entendo sua pergunta em relação a uma ação “direta”
sobre o aparato contráctil miofibrilar, que responderei mais adiante.
Alguns estudos relatam melhorias significativas na
força máxima (FM) com a suplementação de CR, verificado por 1 repetição máxima
(1RM) em treinos envolvendo membros superiores (supino reto para peitoral e
rosca direta para braços) e inferiores (agachamento para quadríceps, por
exemplo) tanto em indivíduos treinados quanto em sedentários. Óbvio que isso
teria relação com retenção hídrica, acúmulo de glicogênio e aumento da tCR e
CP intramuscular. As metodologias são curtas (8-10 semanas), porém parecem
confirmam um aumenta da FM versus placebo e uma mudança no número de repetições
que o indivíduo é capaz de realizar após o uso orientado de CR na forma de
suplementos. Observa-se, também, um ganho ponderal (0,7 a 2,0 kg/semana,
podendo chegar a 6-11 kg em apenas quatro semanas) com a suplementação de CR, o
que é atribuído à retenção hídrica e tem relação com o poder osmótica da CR
intramuscular. Ao mesmo tempo, observa-se um aumento no conteúdo de glicogênio
muscular na ordem de 25% com a suplementação de CR associada ao treinamento
resistido ou de força (Frederico S.C. et al. Rev Bras Med Esporte. 13(5): 2007;
Mendes & Tirapegui. Archivos latinoamericanos de nutricion. Organo Oficial
de La Sociedad Latinoamericanana de Nutrición. 52(2), 117-127, 2002).
Todavia, estudos comprovam um aumento significativo
no crescimento muscular com a suplementação de CR? Enfim, vejamos. Louise
Deldicque et al. (J Appl Physion 104: 371-378, 2008) apresentaram os efeitos do
exercício (homens saudáveis submetidos ao teste de 1RM) com e sem a
suplementação de CR sobre a expressão gênica e a sinalização celular no músculo
esquelético. Os resultados sugerem que a suplementação com CR no pós-treino
poderia estar modulando a expressão de genes envolvidos na hipertrofia
muscular, particularmente aumentando a cadeia longa da miosina (MHC) e
superexpressando o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF-1), bem como
o transportador de glicose do tipo 4 (GLUT-4). Além disso, um aumento de
células satélites e número de mionúcleos também estariam aumentados com a
suplementação de CR, ou seja, as células satélites mononucleares dos músculos
esqueléticos poderiam se diferenciar e fundir-se para aumentar o número de
fibras musculares existentes, criando novas fibras e regenerando o músculo. Em
outro estudo (Hespel P. et al. Journal of Physiology, 536.2, 625–633, 2001) a
suplementação oral com CR estimulou a hipertrofia muscular após o treinamento
de força de reabilitação, ou seja, a capacidade funcional dos músculos após
desuso. Este efeito seria mediado pela expressão de fatores de transcrição
miogênica, particularmente o fator miogênico regulatório do tipo 4 (MRF4)
associado ao treinamento, que seria responsável pela proliferação e
diferenciação de células satélites. Fica aí a dica da suplementação com CR no
tratamento ou prevenção da atrofia muscular por desuso. Gualano B. et al. (Rev
Bras Med Esporte. 16(3): 2010) também sugere que a suplementação com CR possa
alterar a transcrição de fatores miogênicos, bem como aumentar a tradução
proteica através da via da proteína quinase de mamíferos alvo de rapamicina (mTOR)
(Lembram deste? Sim, aquela via estimulada por BCAA). Quer dizer, um estimulo
sobre a fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) e a quinase-dependente de
fosfoinositílicos do tipo 1 (PDK1) ativaria a proteína quinase B (PKB/Akt) e
mTOR. Este (mTOR) seria o sinalizador hipertrófico, via proteína quinase S6
(p70S6K), resultando em hipertrofia muscular. Segundo Gualano B et al. (2010),
a suplementação de CR aumentaria, além da via PI3K/Akt/mTOR, a expressão de
fatores de transcrição (MEF2 e MyoD) capazes de regular a ativação e
diferenciação de células satélites, que são necessárias ao processo
hipertrófico.
Que maravilha, não é mesmo? Você pensa em tomar CR
feito “bicho” agora? Muita calma nessa hora. No passado um estudo (Koshy K.M.
et al. N. Engl. J. Med. 340: 814-815, 1999) relatou dano renal induzido pela
suplementação com CR (homem jovem usando 5 g/dia por 4 semanas), enquanto outro
(Pritchard & Karla, Lancet, 351:1252:1253, 1998) relatou hospitalização de
paciente com nefrite intestinal associado à suplementação de CR. Isso gerou
“medo” entre os usuários, enquanto outros se perguntavam: E a metodologia
utilizada foi adequada? Foi investigada a história pessoal e familiar para
renais? Passaram-se alguns anos quando outra revisão (Gabardi, S. et al. J. Am.
Soc. Nephrol. 2: 757-765, 2007) relatou que a medicina completar ou alternativa
é uma indústria multibilionária e que muitas pessoas fazem uso de medicamentos
e/ou suplementos capazes de causar disfunção renal, incluindo nefrotoxicidade,
nefrolitíase, rabdomiólise com lesão renal e síndrome hepato-renal. Entre as
substâncias supostamente nefrotóxicas estavam à CR e relatos de nefrite
intersticial focal aguda, injúria tubular renal, disfunção renal específica e
rabdomiólise renal. Do medo passamos ao pavor, não é mesmo? (Para curiosidade
geral da nação, na lista de substâncias nefrotóxicas também podemos encontrar
cromo, efedrina, extrato de gerânio, L-lisina e vitamina C). Em outros estudos
(Poortmans et al. Med Sci Sports Exerc 37:1717-1720, 2005; Francaux &
Poortmans. International Journal of Sports Physiology and Performance,
1:311-323, 2006) sugerem-se que o excesso de CR por longos períodos induz a
formação de compostos mutagênicos e carcinogênicos. A CR excessiva é convertida
em sarcosina, que poderia resultar em metilamina. Posteriormente forma-se
formaldeído (agente citotóxico) e peróxido de hidrogênio (H2O2). O H2O2 pode
gerar o radical hidroxil (OH•) pela reação de Fenton. A espécie reativa de
oxigênio (ROS/ERO), então, gera uma cascata de reações capaz de danificar o ácido desoxirribonucléico (DNA) das células. O conteúdo urinário de metilamino e formaldeído, neste estudo,
aumentaram com a suplementação de CR (21 g/dia por 14 dias). Claro, também
existem estudos que não revelam diferenças estatisticamente significativas em
creatinina, uréia, albumina ou alterações na filtração glomerular, reabsorção
tubular renal ou presença de microalbuminúria (que é preditor de lesão renal)
com o uso de CR. Cabe destacar, ainda, que a suplementação com CR pode ser
interessante para pacientes vegetarianos, que apresentam baixos estoques de CR
sérica e, possivelmente, muscular (Martins, F.C. EFDeportes.com, Revista
Digital. Buenos Aires, Año 16, Nº 155, Abril de 2011).
Putz! Agora você pensa: usar ou não usar, eis a
questão? Pessoal, o fato é: 95-98% da tCR encontra-se no músculo esquelético,
sendo 40% como CR e 60% como CP. O CP intramuscular regenera rapidamente a
molécula de ATP para contração muscular, segundo a reação da CPK, que é muito
legal. Porém, cadê os outros 2 ou 5% restantes que ninguém lhe conta quando
você compra um suplemento de CR? Aí que mora o perigo, pois estes pequenos
percentuais encontram-se no coração, cérebro, retina e espermatozoides. Quer
dizer, seria muita ingenuidade sua achar que pode suplementar com CR e aumentar
“apenas” CP intramuscular sem aumentar nos demais tecidos-órgãos. Assim, uma
sobrecarga de CR (esquema clássico: 20-25 g por 5-7 dias e manutenção por até 2
meses) promove uma quebra da homeostase da CR e subsequente inibição da
produção endógena (fígado, pâncreas e rins), bem como complicações
gastrintestinais (vômito, diarreia ou dor abdominal) até, segundo alguns
estudos, disfunção renal. Ou seja, a regra do “quanto mais melhor” não é válida
aqui. Isso tanto é verdade que o músculo esquelético possui uma saturação
máxima para CR (90-125 mmol de creatina/kg de músculo seco em um indivíduo
saudável não suplementado com CR para no máximo 160-162 mmol/kg de músculo seco
já suplementado). Percebeu? Usar ou não usar? Quanto usar professor? Bem, aí já
teria que agendar uma consulta (joelsoperalta@hotmail.com). Não estou aqui para condenar ou
incentivar o uso de CR, mas, sim, apenas apresentar fatos. Contudo, em minha
opinião, o suplemento de CR é formidável, desde que usado com moderação e,
sempre, sob supervisão de um profissional nutricionista esportivo qualificado,
que pode solicitação de exames laboratoriais em respaldo a Lei 8234/91, artigo
4º, inciso VIII. Todavia, quer tomar CR com orientações de seu amigo “experts”
em treinamento e/ou dieta? Então depois peça para ele interpretar
bioquimicamente seus exames bioquímicos caso ocorra complicações de saúde.