DIETA ANTI-INFLAMATÓRIA, MAS ISSO EXISTE?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
A
inflamação está presente nas doenças, tais como obesidade, diabetes, doenças
cardiovasculares, câncer, asma, doenças neurodegenerativas, entre outras, mas será
que existe uma dieta
anti-inflamatória?
Evidências
científicas mostram que polifenóis, presentes em frutas, vegetais e legumes, possuem
propriedades anti-inflamatórias capazes de inibir enzimas e fatores de
transcrição gênica envolvidos na inflamação (Food Chem 30;299: 125124, 2019).
O
resveratrol, presente no vinho, uva, suco de uva, amoras, amendoim, etc., que é
outro componente polifenólico, pode bloquear a ação de sirtuínas (SIRT), do
fator nuclear kappa B (NFkB), a expressão do receptor toll-like (TLR) e de citocinas inflamatórias (interleucina-1b, IL1b;
interleucina-6, IL6; e fator de necrose tumoral alpha, TNFa) (Nutrients
26;11(5):946, 2019).
Os
ácidos graxos ômega-3, particularmente o ácido eicosapentaenóico (EPA) e
docosahexaenóico (DHA), encontrados em peixes e frutos do mar, reduzem os
eicosanóides inflamatórios por inibição da ciclooxigenase (COX) e lipoxigenase
(LOX) (Nutrients 24;13(12)4221, 2021).
A
curcumina, um composto polifenólico isolada da Cúrcuma longa, tem efeitos
anti-inflamatórios e parece auxiliar no envelhecimento saudável, afinal aumenta
a atividade da superóxido dismutase (SOD), glutationa S-transferase (GST),
glutationa (GSH) e glutationa peroxidase (GPX), bem como reduz malondialdeído
(MDA) e lipofuscina. Além disso, atenua as vias da proteína quinase de
mamíferos alvo de rapamicina (mTORC1) e inibe o fator nuclear kB (NFkB) (Biomed
Pharmacother 134;111119, 2021).
Sendo
assim, tudo indica que existe uma dieta para “desinflamar”, correto?
Peraí,
aumentar a ingestão dos alimentos in
natura e reduzir ou eliminar os alimentos processados, ultraprocessados,
altamente palatáveis e calóricos não são a base de uma dieta saudável? Se sim,
sua dieta é “anti-inflamatória” ou apenas saudável?
Peraí,
a troca de alimentos “não saudáveis” por mais “saudáveis” não é a base de uma
dieta mediterrânea? Então, dieta mediterrânea é “anti-inflamatória”?
Peraí,
a dieta vegetariana é rica em frutas, vegetais e legumes, ou seja, possuem
muitos alimentos saudáveis, então dieta vegetariana é “anti-inflamatória”?
Peraí,
as dietas paleolíticas (“Dieta dos Homens da Caverna”) proíbem a ingestão de
alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, então são “anti-inflamatórias”?
Qualquer
dieta (mediterrânea, vegetariana ou paleolítica) isenta de alimentos
processados e ultraprocessados é a “anti-inflamatória”?
Será
que um plano alimentar que contenha em seu planejamento alimentos com compostos
de propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes são “dietas
anti-inflamatórias”?
Não
entendeu?
Vou
refazer a pergunta:
Como
você pode afirmar que um alimento isolado é anti-inflamatório se não mensurou
biomarcadores inflamatórios antes e após ingestão destes alimentos?
Vejam,
alguns estudos observacionais (baixo grau de evidência científica) tentaram
fazer isso, ou seja, mensuraram biomarcadores inflamatórios após a ingestão de
determinados alimentos, mas não obtiveram sucesso (claro, estudos
observacionais não podem estabelecer causalidade).
Peraí,
vou te contar um destes estudos:
Fred
K. Tabung et al. (J Nutr 146(8): 1560-1570, 2016), por exemplo, desenvolveram
um Índice Empírico de Alimentos Inflamatórios (EDII, Empirical Dietary Inflammatory Index), baseado em estudos de
coortes prospectivos (ou seja, pesquisa observacional, selecionando indivíduos
que foram acompanhados ao longo do tempo para observar condições de interesse).
Para tanto, mensuraram três marcadores de inflamação: interleucina-6 (IL6),
fator de necrose tumoral alpha (TNFa) e proteína C reativa (PCR).
Legal,
né? Pois bem, deixa eu te falar umas “coisinhas” não tão legais:
PRIMEIRO, as amostras de sangue
eram de pacientes diagnosticados com câncer e doenças cardiovascular (infarto
ou derrame). Portanto, são doenças onde a inflamação já está presente! Cadê o
grupo controle (pessoas saudáveis, sem patologias) para estabelecer
comparações??? Como seriam as respostas no sexo masculino e feminino??? Com
seriam as respostas em diferentes faixas etárias??? Existem diferenças entre
brancos e negros???
SEGUNDO, neste índice (EDII), os
peixes, os tomates, alguns vegetais (que não sejam verdes), as carnes vermelhas
e os grãos refinados são pró-inflamatórios; enquanto que os vegetais de folhas
verdes e amarelos escuros, o café, o suco de frutas, os chás, o vinho, a
cerveja e a pizza são anti-inflamatórios. Peraí, pizza e cerveja
anti-inflamatórios??? Por que um vegetal verde seria anti-inflamatório, mas um
vermelho seria inflamatório??? Qualquer tipo de vinho ou chá são
anti-inflamatórios???
TERCEIRO, apenas três
biomarcadores inflamatórios séricos são ideais para este tipo de análise??? Ou
melhor, quais seriam as respostas (inflamatórias ou anti-inflamatórias)
intracelulares, verificado por biópsia e análise celular de enzimas e fatores
de transcrição, por exemplo???
QUARTO,
como reduzir os fatores de confusão, afinal os dados (alimentos) para a
construção do índice (IDII), neste estudo, são autorrelatados???
Pessoal, NÃO QUERO SER CHATO,
MAS JÁ SENDO, precisamos ter mais senso crítico quanto às informações e,
principalmente, aprender a ler e interpretar corretamente os dados científicos
disponíveis.
Peraí,
precisamos de estudos randomizados, né professor?
Sim,
e temos: Simin N. Meydani et al. Aging 8(7): 1416-31, 2016.
Trata-se
de um ensaio clínico randomizado e controlado (ou seja, com elevado grau de
evidência científica) que trouxe as seguintes conclusões: os alimentos
individuais têm pouco ou insignificante poder anti-inflamatório, pois a base da
inflamação está no aporte calórico diário. Ou seja, dietas com déficit calórico são anti-inflamatórias (pois inibem de
forma significativa e persistente as vias inflamatórias), enquanto que dietas com superávit (hipercalóricas) são
pró-inflamatórias.
O
fato acima parece ter lógica quando você estuda As Teorias do Envelhecimento Humano, por exemplo: teoria com base
genética (efeitos somáticos ao DNA); teoria com base em danos de origem química
(ação de radicais livres e inflamação); teoria com base no desequilíbrio
gradual (incluindo desordens imunitárias e neuroendócrinas); e teoria com base
na restrição calórica e desgaste orgânico (Rev. Bras. Med. Esporte 8(4): 129-138,
2002).
Peraí, mas existem nutricionistas funcionais
que discordam?!
KEEP
CALM e me responda:
Por
acaso existe uma dieta “disfuncional”? Por acaso, algum nutricionista passa uma
dieta para “disfuncionar” seus pacientes?
KEEP
CALM e pensa:
Será
que não estamos colocando muitos holofotes em diferentes tipos de “dietas”,
algumas ditas “dietas da moda”, onde deveríamos apenas prescrever dietas mais
saudáveis, que possuem nutrientes e compostos químicos capazes de trazer
benefícios fisiológicos aos pacientes?
KEEP
CALM e vou concluir:
Em
suma, você pode dizer que sua dieta é funcional, anti-inflamatória,
antioxidante, não vamos brigar (rs). Contudo, talvez poderia dizer
simplesmente: trata-se de uma dieta saudável, rico em carotenoides
(betacaroteno, licopeno, zeaxantina e luteína), compomentes fenólicos
(isoflavonas, catequinas, curcumina e antocianinas) e alcalóides (cafeína,
piperina, capsaicina e teobromina).
Essa
matéria não é uma crítica, mas um convite para reflexão, que sempre foi meu
norte como professor e ainda mais agora como pesquisador.
BÔNUS:
Você
pode ter uma dieta saudável, rica em alimentos com propriedades
anti-inflamatórias e antioxidantes e, mesmo assim, estar inflamado e oxidado?
Boa, né? Pensa aí... Abraços!