quarta-feira, 19 de abril de 2023

DIETA ANTI-INFLAMATÓRIA, MAS ISSO EXISTE?

 

DIETA ANTI-INFLAMATÓRIA, MAS ISSO EXISTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 




Olá pessoal, tudo bem?

 

A inflamação está presente nas doenças, tais como obesidade, diabetes, doenças cardiovasculares, câncer, asma, doenças neurodegenerativas, entre outras, mas será que existe uma dieta anti-inflamatória?

Evidências científicas mostram que polifenóis, presentes em frutas, vegetais e legumes, possuem propriedades anti-inflamatórias capazes de inibir enzimas e fatores de transcrição gênica envolvidos na inflamação (Food Chem 30;299: 125124, 2019).

O resveratrol, presente no vinho, uva, suco de uva, amoras, amendoim, etc., que é outro componente polifenólico, pode bloquear a ação de sirtuínas (SIRT), do fator nuclear kappa B (NFkB), a expressão do receptor toll-like (TLR) e de citocinas inflamatórias (interleucina-1b, IL1b; interleucina-6, IL6; e fator de necrose tumoral alpha, TNFa) (Nutrients 26;11(5):946, 2019).

Os ácidos graxos ômega-3, particularmente o ácido eicosapentaenóico (EPA) e docosahexaenóico (DHA), encontrados em peixes e frutos do mar, reduzem os eicosanóides inflamatórios por inibição da ciclooxigenase (COX) e lipoxigenase (LOX) (Nutrients 24;13(12)4221, 2021).

A curcumina, um composto polifenólico isolada da Cúrcuma longa, tem efeitos anti-inflamatórios e parece auxiliar no envelhecimento saudável, afinal aumenta a atividade da superóxido dismutase (SOD), glutationa S-transferase (GST), glutationa (GSH) e glutationa peroxidase (GPX), bem como reduz malondialdeído (MDA) e lipofuscina. Além disso, atenua as vias da proteína quinase de mamíferos alvo de rapamicina (mTORC1) e inibe o fator nuclear kB (NFkB) (Biomed Pharmacother 134;111119, 2021).

 

Sendo assim, tudo indica que existe uma dieta para “desinflamar”, correto?

 

Peraí, aumentar a ingestão dos alimentos in natura e reduzir ou eliminar os alimentos processados, ultraprocessados, altamente palatáveis e calóricos não são a base de uma dieta saudável? Se sim, sua dieta é “anti-inflamatória” ou apenas saudável?

 

Peraí, a troca de alimentos “não saudáveis” por mais “saudáveis” não é a base de uma dieta mediterrânea? Então, dieta mediterrânea é “anti-inflamatória”?

Peraí, a dieta vegetariana é rica em frutas, vegetais e legumes, ou seja, possuem muitos alimentos saudáveis, então dieta vegetariana é “anti-inflamatória”?

Peraí, as dietas paleolíticas (“Dieta dos Homens da Caverna”) proíbem a ingestão de alimentos industrializados, processados e ultraprocessados, então são “anti-inflamatórias”?

 

Qualquer dieta (mediterrânea, vegetariana ou paleolítica) isenta de alimentos processados e ultraprocessados é a “anti-inflamatória”?

 

Será que um plano alimentar que contenha em seu planejamento alimentos com compostos de propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes são “dietas anti-inflamatórias”?

 

Não entendeu?

 

Vou refazer a pergunta:

Como você pode afirmar que um alimento isolado é anti-inflamatório se não mensurou biomarcadores inflamatórios antes e após ingestão destes alimentos?

 

Vejam, alguns estudos observacionais (baixo grau de evidência científica) tentaram fazer isso, ou seja, mensuraram biomarcadores inflamatórios após a ingestão de determinados alimentos, mas não obtiveram sucesso (claro, estudos observacionais não podem estabelecer causalidade).

Peraí, vou te contar um destes estudos:

Fred K. Tabung et al. (J Nutr 146(8): 1560-1570, 2016), por exemplo, desenvolveram um Índice Empírico de Alimentos Inflamatórios (EDII, Empirical Dietary Inflammatory Index), baseado em estudos de coortes prospectivos (ou seja, pesquisa observacional, selecionando indivíduos que foram acompanhados ao longo do tempo para observar condições de interesse). Para tanto, mensuraram três marcadores de inflamação: interleucina-6 (IL6), fator de necrose tumoral alpha (TNFa) e proteína C reativa (PCR).

Legal, né? Pois bem, deixa eu te falar umas “coisinhas” não tão legais:

PRIMEIRO, as amostras de sangue eram de pacientes diagnosticados com câncer e doenças cardiovascular (infarto ou derrame). Portanto, são doenças onde a inflamação já está presente! Cadê o grupo controle (pessoas saudáveis, sem patologias) para estabelecer comparações??? Como seriam as respostas no sexo masculino e feminino??? Com seriam as respostas em diferentes faixas etárias??? Existem diferenças entre brancos e negros???

SEGUNDO, neste índice (EDII), os peixes, os tomates, alguns vegetais (que não sejam verdes), as carnes vermelhas e os grãos refinados são pró-inflamatórios; enquanto que os vegetais de folhas verdes e amarelos escuros, o café, o suco de frutas, os chás, o vinho, a cerveja e a pizza são anti-inflamatórios. Peraí, pizza e cerveja anti-inflamatórios??? Por que um vegetal verde seria anti-inflamatório, mas um vermelho seria inflamatório??? Qualquer tipo de vinho ou chá são anti-inflamatórios???

TERCEIRO, apenas três biomarcadores inflamatórios séricos são ideais para este tipo de análise??? Ou melhor, quais seriam as respostas (inflamatórias ou anti-inflamatórias) intracelulares, verificado por biópsia e análise celular de enzimas e fatores de transcrição, por exemplo???

QUARTO, como reduzir os fatores de confusão, afinal os dados (alimentos) para a construção do índice (IDII), neste estudo, são autorrelatados???

 

Pessoal, NÃO QUERO SER CHATO, MAS JÁ SENDO, precisamos ter mais senso crítico quanto às informações e, principalmente, aprender a ler e interpretar corretamente os dados científicos disponíveis.

 

Peraí, precisamos de estudos randomizados, né professor?

 

Sim, e temos: Simin N. Meydani et al. Aging 8(7): 1416-31, 2016.

Trata-se de um ensaio clínico randomizado e controlado (ou seja, com elevado grau de evidência científica) que trouxe as seguintes conclusões: os alimentos individuais têm pouco ou insignificante poder anti-inflamatório, pois a base da inflamação está no aporte calórico diário. Ou seja, dietas com déficit calórico são anti-inflamatórias (pois inibem de forma significativa e persistente as vias inflamatórias), enquanto que dietas com superávit (hipercalóricas) são pró-inflamatórias.

 

O fato acima parece ter lógica quando você estuda As Teorias do Envelhecimento Humano, por exemplo: teoria com base genética (efeitos somáticos ao DNA); teoria com base em danos de origem química (ação de radicais livres e inflamação); teoria com base no desequilíbrio gradual (incluindo desordens imunitárias e neuroendócrinas); e teoria com base na restrição calórica e desgaste orgânico (Rev. Bras. Med. Esporte 8(4): 129-138, 2002). 

 

Peraí, mas existem nutricionistas funcionais que discordam?!

 

KEEP CALM e me responda:

Por acaso existe uma dieta “disfuncional”? Por acaso, algum nutricionista passa uma dieta para “disfuncionar” seus pacientes?

 

KEEP CALM e pensa:

Será que não estamos colocando muitos holofotes em diferentes tipos de “dietas”, algumas ditas “dietas da moda”, onde deveríamos apenas prescrever dietas mais saudáveis, que possuem nutrientes e compostos químicos capazes de trazer benefícios fisiológicos aos pacientes?

 

KEEP CALM e vou concluir:

Em suma, você pode dizer que sua dieta é funcional, anti-inflamatória, antioxidante, não vamos brigar (rs). Contudo, talvez poderia dizer simplesmente: trata-se de uma dieta saudável, rico em carotenoides (betacaroteno, licopeno, zeaxantina e luteína), compomentes fenólicos (isoflavonas, catequinas, curcumina e antocianinas) e alcalóides (cafeína, piperina, capsaicina e teobromina).

 

Essa matéria não é uma crítica, mas um convite para reflexão, que sempre foi meu norte como professor e ainda mais agora como pesquisador.

 

BÔNUS:

Você pode ter uma dieta saudável, rica em alimentos com propriedades anti-inflamatórias e antioxidantes e, mesmo assim, estar inflamado e oxidado? Boa, né? Pensa aí... Abraços!