quarta-feira, 12 de julho de 2023

ESTEROIDES ANABOLIZANTES: NÃO EXISTE 100% DE SEGURANÇA

 

ESTEROIDES ANABOLIZANTES: 

NÃO EXISTE 100% DE SEGURANÇA

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem?

Quero compartilhar com vocês alguns de meus textos, que por vezes tornam-se áudios, inseridos no meu grupo exclusivo de WhatsApp: Biochemistry Class – BioCLASS. Hoje falaremos dos esteroides anabólico-androgênicos (EAAs) ou, simplesmente, esteroides anabolizantes. A discussão abaixo pretende separar os FATOS das notícias falsas, fantasiosas, fictícias ou, simplesmente, FAKE NEWS. Ao mesmo tempo, que me cabe como “ser pensante que sou”, farei uma abordagem crítica sobre o uso e abuso dos EAAs. Aproveitem a leitura!

   

O que são efeitos anabólicos e androgênicos?

 

Os esteroides anabolizantes, comumente apelidados carinhosamente (e erroneamente) de “bombas”, são melhores definidos como esteroides anabólico-androgênicos (EAAs). Isso significa, portanto, que essas drogas promovem efeitos ANABÓLICOS (por exemplo: aumento da massa muscular e maior retenção de nitrogênio, redução da gordura corporal, aumento da hemoglobina e hematócrito e, até mesmo, aumento na deposição de cálcio nos ossos) e ANDROGÊNICOS (aumento da secreção sebácea e surgimento de acne, ginecomastia, espessamento das cordas vocais e alteração no padrão da voz em mulheres, aumento dos pelos na face e, até mesmo, hipertrofia clitoriana em mulheres).

Existe, portanto, uma relação entre as ações anabólicas (que são desejáveis, digamos assim) com androgênicas (que acabam sendo indesejáveis, comumente referidas como efeitos adversos). Neste ponto, cabe destacar:

 

“Não existe um EAA que seja 100% anabólico e 0% androgênico e, portanto, não existe 100% de segurança com o uso destas drogas”.

 

Quando surgiu o interesse pelos EAAs?

 

Essa é uma pergunta interessante, pois a testosterona foi isolada e caracteriza quimicamente entre 1934 e 1935 por Lavoslav Stjepan Ruzicka (1887-1976), que era um cientista e químico suíço de origem Croácia. Este cientista veio a ganhar o Prêmio Nobel de Química em 1939, mas curiosamente não associados a descoberta da testosterona, mas de compostos alicíclicos, androsterona e progesterona. Aliás, na mesma época, o bioquímico alemão Adolf Butenandt (1903-1995) também isolou a testosterona em seus experimentos. Contudo, em 1930, o pesquisador, químico e professor de bioquímica, fisiologia e endocrinologia Dr. Charles D. Kochakian (1908-1999) já havia demonstrado que a testosterona (na realidade, um composto sintético androstenediona), extraída da urina de cachorros e injetado em animais castrados estimulava o balanço nitrogenado positivo. Nascia, portanto, um interesse pela molécula de testosterona.

Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os soldados alemães usavam esteroides anabolizantes para aumentar a força e agressividade, bem como reduzir a fadiga nas batalhas. Contudo, em 1945, Paul Henry de Kruif (1890-1971), um microbiologista norte-americano, lançou o livro chamado “The Male Hormone” (O Hormônio Masculino), que parece ter sido o marco inicial para um interesse global sobre a deficiência de testosterona. Claro, o interesse pela deficiência de andrógenos foi substituída, distorcida, manipulada, para o uso de doses suprafisiológicas de drogas anabolizantes para finalidades competitivas e estéticas. Enfim, a popularidade da testosterona, mesmo frente aos inúmeros hormônios em nosso organismo, aumentou grandemente com o surgimento de drogas sintéticas derivadas da testosterona.

 

Qual diferença básica entre EAA orais e injetáveis?

 

As drogas orais (oxandrolona, oximetolona, metandrosterona, metiltestosterona e stanozolol) sofrem absorção pelo trato gastrintestinal (TGI) e chegam ao tecido hepático, onde podem ser metabolizados.

As drogas injetáveis (decanoato de nandrolona, fenilproprionato de nandrolona, cipionato de testosterona, undecilnato de boldenona) são aplicados diretamente no músculo esquelético, promovendo efeitos drásticos nos músculos e corpo de forma geral.

A metabolização destas drogas, orais e injetáveis, acaba tendo grande participação do fígado e rins. Ou seja, o fígado possui um grande sistema de biotransformação de xenobióticos que pode ser subdividido em Fase 1 e Fase 2. Deixa-me abordar, brevemente, esse sistema de inativação de drogas:

Na FASE 1, destaca-se o sistema do citocromo P450 (CYP450), que é NADPH dependente, bem como a via da monoamina oxidase (MAO, ou seja, não dependente de CYP).

Na FASE 2, destacam-se cinco enzimas transferases: sulfotransferases (que fazem sulfatação), glicuronosiltransferases (que fazem glicuronidação), glutationa-S-transferase ou GST (que promove conjugação), acetiltransferases (realizam acetilação) e metiltransferases (que fazem processos de metilação).

Como você pode perceber, o tecido hepático, com seu sistema de metabolização de Fase 1 e 2, está bem sobrecarregado tentando metabolizar as drogas que chegam diretamente ao fígado ou através de compostos derivados das drogas sintéticas. O resultado é a formação de compostos capazes de serem eliminados pela urina (ou seja, metabólitos hidrossolúveis), o que gera nova sobrecarga de função, pois estes compostos inativos precisam ser eliminados na urina, passando pelo processo de filtração glomerular renal.

 

Existem efeitos terapêuticos dos EAA?

 

Sim, claro que sim! Para tanto, basta ler o bulário destas drogas ou recorrer aos livros básicos de farmacologia. Todavia, pense: essas drogas não surgiram para deixar sua “barriga tanquinho” ou “bumbum na nuca”, mas para o tratamento dos males, distúrbios, doenças que afligem os seres humanos. E os seres humanos, obviamente, por questões estéticas, muitas vezes manipuladas pela mídia ou ditadura do corpo perfeito, somadas ao glamour do status social, usam e abusam dos EAAs para finalidades estéticas. Em outras situações, seu uso e abuso tem motivação competitiva, o que pode gerar Doping Esportivo, como sabemos. Não pretendo filosofar aqui, mas os EAAs invadiram as academias, centros e clubes esportivos, onde inúmeras pessoas, que não seguem as mesmas dedicações dos atletas (ou seja, dieta, treino, sono, etc.) usam e abusam destas drogas motivados pelo corpo atlético, musculoso e definido. Deixarei a discussão de efeitos adversos para a próxima pergunta, mas vamos finalizar os principais efeitos terapêuticos dos EAAs:

Tratamento da impotência sexual;

Tratamento da sarcopenia, raquitismo e osteoporose;

Terapêutica supervisionada em casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS/SIDA);

Crescimento deficiente ou retardado;

Síndrome de Tanner com baixa estatura;

Distrofia muscular de Duchenne.

 

Existem efeitos adversos com o uso e abuso de EAA?

 

Essa parece uma pergunta boba e simples, afinal é corriqueiro associar o uso/abuso de EAA com doença hepática e câncer. Todavia, os efeitos adversos à saúde com o uso de EAA tem relação com a dosagem, o tempo de uso e as combinações de drogas, o que as pessoas costumam chamar de “ciclos”. Os chamados “ciclos” podem envolver 2 drogas (por exemplo, decadurabolin com durateston); 3 drogas (boldenona, cipionato e stanozolol); ou 4 ou mais drogas (nandrolona, durateston, boldenona, stanozolol e oxandrolona). Neste sentido, antes de continuar, cabe lembrar:

 

“Não existe dose segura de EAA para indivíduos adultos que, por sua vez, não apresentem deficiência de testosterona”.

 

Aliás, pensando melhor, os efeitos adversos aumentam grandemente quando as pessoas usam 1 até 3 g de testosterona e derivados por semana, combinados com hormônio do crescimento (GH), insulina, hormônios tireoidianos (T3 e T4), diuréticos, cafeína e outros estimulantes em altas doses e inúmeros manipulados combinados (onde a grande maioria das combinações não possuem quaisquer evidências científicas). Então, sim, muitas pessoas fazem “tentativa e erro” e, por vezes, são orientados por terceiros que também pratica a pseudociência da “tentativa e erro”.

Enfim, quais são os principais efeitos adversos à saúde?

Na região dermatológica, destacam-se acne (aumento da secreção sebácea) e tendência as estrias (devido estiramento da musculatura e rompimento de fibras elásticas e colágenas da pele);

No músculo esquelético, pode ocorrer o fechamento prematuro das epífises ósseas em jovens (o que afeta a estatura na fase adulta) e o risco aumentado para lesões músculo-esqueléticas e ligamentares (ou seja, o tendão não acompanha o enorme e explosivo crescimento muscular);

Os efeitos cardiovasculares são extremamente documentados: alteração do perfil lipídico (dislipidemia), aumento da pressão arterial, hipertrofia do ventrículo esquerdo do coração com grande sobrecarga sobre as artérias e decréscimo da função miocárdica. Essas situações comumente conduzem ao infarto, derrame, aneurisma e trombose.

Alterações endócrinas são facilmente explicadas em virtude da inibição do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal. Neste sentido, observa-se decréscimo do hormônio luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH), que estão associados a importância sexual e infertilidade. Observa-se, também, aumento do estradiol (E2) pela atividade do complexo da aromatase que, muitas vezes, é associado ao desenvolvimento de ginecomastia em homens. Por fim, um aumento abrupto da dihidrotestosterona (DHT), pela atividade aumentada da 5-alpha-redutase NADPH dependente, também é observada e associada a hipertrofia prostática em homens e queda de cabelos (alopecia tipo androgênica) em homens e mulheres.

Efeitos hepáticos e de estruturas associadas são bem documentados, incluindo risco aumentado para tumores hepáticos, hemorragia hepática e colestase.

Existem efeitos que deveriam ser melhor discutidos sobre o uso e abuso de EAA, como as alterações psicológicas e psiquiátricas: mania, depressão, irritabilidade, agressividade, alteração de humor e, até mesmo, risco para homicídio e suicídio.

 

Enfim, existem inúmeros efeitos adversos que poderíamos discutir, mas creio que estes já ilustram o tamanho e dimensão da problemática envolvendo os EAA. O Dr. Harrison Graham Pope, médico psiquiatra, professor de Harvard e autor do livro “O Complexo de Adônis: a obsessão masculina pelo corpo”, destacou: “Os esteroides anabolizantes estão entre as drogas mais polêmicas do mundo, altamente criticada e pobremente entendida. Seu uso é um dos comportamentos humanos mais secretos que existem. Milhões de pessoas já usaram e, até mesmo, aqueles que menos suspeitamos. O uso está aumentando e eles não vão desaparecer tão cedo”.

 

É possível adquirir um corpo extremamente musculoso e definido sem o uso de esteroides anabolizantes?

 

Se você associar essa pergunta com a imagem dos grandes fisiculturistas do passado e do presente, então sua resposta será: “Não, não é possível”. Quer dizer, você pode ser muito musculoso e definido sem o uso de drogas anabolizantes, mas não comparados aos grandes campeões de culturismo, incluindo homens e mulheres. Então, posso dizer que “campeões” do culturismo são formados por drogas? “Não, claro que não pode falar isso”. Deixa-me explicar meus pontos de vista:

PRIMEIRO, você aprendeu (ou relembrou) com essa matéria que os EAA possuem efeitos anabólicos e androgênicos, onde não existe 100% de segurança com o uso destas drogas (mesmo que considere seu “treinador de campeões” um Top das Galáxias de conhecimento). Neste sentido, seria muita ingenuidade das pessoas, que buscam EAA para fins estéticos, sem deficiência hormonal documentada (que poderia justificar um uso), acreditar que estariam livres de efeitos adversos com o uso/abuso destas drogas.

SEGUNDO, se você é um estudante ou profissional de saúde pode afirmar que existem riscos inerentes ao uso/abuso de EAA, mas jamais poderia falar que “campeões” são “formados” por drogas. Em outras palavras, você não constrói um corpo como Arnold Schwarzenegger, no auge de suas atividades competitivas, usando drogas e comendo pizza com refrigerante e chocolate todo final de semana. Você não obtém a impressionante definição muscular de Frank Zane sentado várias horas do dia olhando TV e comendo pipoca. As drogas estavam presentes, isso é um FATO. Portanto, não crie ilusões ou não propague FAKE NEWS. Aliás, me responda: como será a saúde dos jovens, que imitam os grandes campeões quanto ao uso/abuso de drogas, mas vivem ingerindo bebidas alcoólicas em festas noturnas, talvez fumando um ou mais cigarros, sem dormir, treinando pobremente e comendo um fast food para “matar a fome”?    

TERCEIRO, o uso e abuso de EAA tem criado uma falsa noção de segurança, que não é de hoje, mas foi alavanca com o advento das mídias sociais que ilustram corpos trabalhados com recursos farmacológicos. Essa falsa noção de segurança, afinal Ele ou Ela posta uma selfie no Instagram repleto de músculos, fama e fortuna, pode estimular mais pessoas quanto ao uso e abuso de EAA. O que você pensa disso?

 

Por fim, não tenho nada contra quem usa ou quem pretende usar EAA, pois como dizem: “Seu corpo, suas regras”. Todavia, nunca na história da humanidade um padrão de beleza desejável (ou imposto) esteve presente com um acesso grande e fácil de EAA, suplementos, procedimentos estéticos e cirurgias para modificar radicalmente o corpo como observamos atualmente. É possível, portanto, que existam linguagens subliminares de “super-corpos”, “super-humanos”, “super-musculosos”, “super-heróis”, influenciando as novas gerações? Será que as crianças e adolescentes podem ser tornar obsessivas pelo corpo perfeito influenciados pelas mídias sociais?

 

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