ESTEROIDES ANABOLIZANTES:
NÃO EXISTE 100% DE SEGURANÇA
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
Quero
compartilhar com vocês alguns de meus textos, que por vezes tornam-se áudios, inseridos
no meu grupo exclusivo de WhatsApp: Biochemistry Class – BioCLASS. Hoje falaremos
dos esteroides anabólico-androgênicos (EAAs) ou, simplesmente, esteroides
anabolizantes. A discussão abaixo pretende separar os FATOS das notícias
falsas, fantasiosas, fictícias ou, simplesmente, FAKE NEWS. Ao mesmo tempo, que
me cabe como “ser pensante que sou”, farei uma abordagem crítica sobre o uso e
abuso dos EAAs. Aproveitem a leitura!
O que são efeitos
anabólicos e androgênicos?
Os
esteroides anabolizantes, comumente apelidados carinhosamente (e erroneamente) de
“bombas”, são melhores definidos como esteroides anabólico-androgênicos (EAAs).
Isso significa, portanto, que essas drogas promovem efeitos ANABÓLICOS (por
exemplo: aumento da massa muscular e maior retenção de nitrogênio, redução da
gordura corporal, aumento da hemoglobina e hematócrito e, até mesmo, aumento na
deposição de cálcio nos ossos) e ANDROGÊNICOS (aumento da secreção sebácea e
surgimento de acne, ginecomastia, espessamento das cordas vocais e alteração no
padrão da voz em mulheres, aumento dos pelos na face e, até mesmo, hipertrofia clitoriana
em mulheres).
Existe,
portanto, uma relação entre as ações anabólicas (que são desejáveis, digamos
assim) com androgênicas (que acabam sendo indesejáveis, comumente referidas
como efeitos adversos). Neste ponto, cabe destacar:
“Não
existe um EAA que seja 100% anabólico e 0% androgênico e, portanto, não existe
100% de segurança com o uso destas drogas”.
Quando surgiu o
interesse pelos EAAs?
Essa
é uma pergunta interessante, pois a testosterona foi isolada e caracteriza
quimicamente entre 1934 e 1935 por Lavoslav Stjepan Ruzicka (1887-1976), que
era um cientista e químico suíço de origem Croácia. Este cientista veio a
ganhar o Prêmio Nobel de Química em 1939, mas curiosamente não associados a
descoberta da testosterona, mas de compostos alicíclicos, androsterona e
progesterona. Aliás, na mesma época, o bioquímico alemão Adolf Butenandt
(1903-1995) também isolou a testosterona em seus experimentos. Contudo, em 1930,
o pesquisador, químico e professor de bioquímica, fisiologia e endocrinologia
Dr. Charles D. Kochakian (1908-1999) já havia demonstrado que a testosterona
(na realidade, um composto sintético androstenediona), extraída da urina de
cachorros e injetado em animais castrados estimulava o balanço nitrogenado
positivo. Nascia, portanto, um interesse pela molécula de testosterona.
Durante
a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), os soldados alemães usavam esteroides
anabolizantes para aumentar a força e agressividade, bem como reduzir a fadiga
nas batalhas. Contudo, em 1945, Paul Henry de Kruif (1890-1971), um
microbiologista norte-americano, lançou o livro chamado “The Male Hormone” (O
Hormônio Masculino), que parece ter sido o marco inicial para um interesse
global sobre a deficiência de testosterona. Claro, o interesse pela deficiência
de andrógenos foi substituída, distorcida, manipulada, para o uso de doses
suprafisiológicas de drogas anabolizantes para finalidades competitivas e
estéticas. Enfim, a popularidade da testosterona, mesmo frente aos inúmeros hormônios
em nosso organismo, aumentou grandemente com o surgimento de drogas sintéticas
derivadas da testosterona.
Qual diferença básica
entre EAA orais e injetáveis?
As
drogas orais (oxandrolona, oximetolona, metandrosterona, metiltestosterona e
stanozolol) sofrem absorção pelo trato gastrintestinal (TGI) e chegam ao tecido
hepático, onde podem ser metabolizados.
As
drogas injetáveis (decanoato de nandrolona, fenilproprionato de nandrolona,
cipionato de testosterona, undecilnato de boldenona) são aplicados diretamente
no músculo esquelético, promovendo efeitos drásticos nos músculos e corpo de
forma geral.
A
metabolização destas drogas, orais e injetáveis, acaba tendo grande
participação do fígado e rins. Ou seja, o fígado possui um grande sistema de
biotransformação de xenobióticos que pode ser subdividido em Fase 1 e Fase 2. Deixa-me
abordar, brevemente, esse sistema de inativação de drogas:
Na
FASE 1, destaca-se o sistema do citocromo P450 (CYP450), que é NADPH dependente,
bem como a via da monoamina oxidase (MAO, ou seja, não dependente de CYP).
Na
FASE 2, destacam-se cinco enzimas transferases: sulfotransferases (que fazem
sulfatação), glicuronosiltransferases (que fazem glicuronidação), glutationa-S-transferase
ou GST (que promove conjugação), acetiltransferases (realizam acetilação) e
metiltransferases (que fazem processos de metilação).
Como
você pode perceber, o tecido hepático, com seu sistema de metabolização de Fase
1 e 2, está bem sobrecarregado tentando metabolizar as drogas que chegam
diretamente ao fígado ou através de compostos derivados das drogas sintéticas. O
resultado é a formação de compostos capazes de serem eliminados pela urina (ou
seja, metabólitos hidrossolúveis), o que gera nova sobrecarga de função, pois estes
compostos inativos precisam ser eliminados na urina, passando pelo processo de
filtração glomerular renal.
Existem efeitos
terapêuticos dos EAA?
Sim,
claro que sim! Para tanto, basta ler o bulário destas drogas ou recorrer aos
livros básicos de farmacologia. Todavia, pense: essas drogas não surgiram para
deixar sua “barriga tanquinho” ou “bumbum na nuca”, mas para o tratamento dos males,
distúrbios, doenças que afligem os seres humanos. E os seres humanos, obviamente,
por questões estéticas, muitas vezes manipuladas pela mídia ou ditadura do
corpo perfeito, somadas ao glamour do status social, usam e abusam dos EAAs
para finalidades estéticas. Em outras situações, seu uso e abuso tem motivação
competitiva, o que pode gerar Doping Esportivo, como sabemos. Não pretendo
filosofar aqui, mas os EAAs invadiram as academias, centros e clubes
esportivos, onde inúmeras pessoas, que não seguem as mesmas dedicações dos
atletas (ou seja, dieta, treino, sono, etc.) usam e abusam destas drogas
motivados pelo corpo atlético, musculoso e definido. Deixarei a discussão de
efeitos adversos para a próxima pergunta, mas vamos finalizar os principais
efeitos terapêuticos dos EAAs:
Tratamento
da impotência sexual;
Tratamento
da sarcopenia, raquitismo e osteoporose;
Terapêutica
supervisionada em casos de Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS/SIDA);
Crescimento
deficiente ou retardado;
Síndrome
de Tanner com baixa estatura;
Distrofia
muscular de Duchenne.
Existem efeitos adversos
com o uso e abuso de EAA?
Essa
parece uma pergunta boba e simples, afinal é corriqueiro associar o uso/abuso
de EAA com doença hepática e câncer. Todavia, os efeitos adversos à saúde com o
uso de EAA tem relação com a dosagem, o tempo de uso e as combinações de
drogas, o que as pessoas costumam chamar de “ciclos”. Os chamados “ciclos”
podem envolver 2 drogas (por exemplo, decadurabolin com durateston); 3 drogas (boldenona,
cipionato e stanozolol); ou 4 ou mais drogas (nandrolona, durateston,
boldenona, stanozolol e oxandrolona). Neste sentido, antes de continuar, cabe
lembrar:
“Não
existe dose segura de EAA para indivíduos adultos que, por sua vez, não
apresentem deficiência de testosterona”.
Aliás,
pensando melhor, os efeitos adversos aumentam grandemente quando as pessoas
usam 1 até 3 g de testosterona e derivados por semana, combinados com hormônio
do crescimento (GH), insulina, hormônios tireoidianos (T3 e T4), diuréticos, cafeína
e outros estimulantes em altas doses e inúmeros manipulados combinados (onde a
grande maioria das combinações não possuem quaisquer evidências científicas). Então,
sim, muitas pessoas fazem “tentativa e erro” e, por vezes, são orientados por
terceiros que também pratica a pseudociência da “tentativa e erro”.
Enfim,
quais são os principais efeitos adversos à saúde?
Na
região dermatológica, destacam-se acne (aumento da secreção sebácea) e
tendência as estrias (devido estiramento da musculatura e rompimento de fibras elásticas
e colágenas da pele);
No
músculo esquelético, pode ocorrer o fechamento prematuro das epífises ósseas em
jovens (o que afeta a estatura na fase adulta) e o risco aumentado para lesões
músculo-esqueléticas e ligamentares (ou seja, o tendão não acompanha o enorme e
explosivo crescimento muscular);
Os
efeitos cardiovasculares são extremamente documentados: alteração do perfil
lipídico (dislipidemia), aumento da pressão arterial, hipertrofia do ventrículo
esquerdo do coração com grande sobrecarga sobre as artérias e decréscimo da
função miocárdica. Essas situações comumente conduzem ao infarto, derrame,
aneurisma e trombose.
Alterações
endócrinas são facilmente explicadas em virtude da inibição do eixo
hipotálamo-hipófise-gonadal. Neste sentido, observa-se decréscimo do hormônio
luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH), que estão associados a
importância sexual e infertilidade. Observa-se, também, aumento do estradiol (E2)
pela atividade do complexo da aromatase que, muitas vezes, é associado ao
desenvolvimento de ginecomastia em homens. Por fim, um aumento abrupto da dihidrotestosterona
(DHT), pela atividade aumentada da 5-alpha-redutase NADPH dependente, também é
observada e associada a hipertrofia prostática em homens e queda de cabelos
(alopecia tipo androgênica) em homens e mulheres.
Efeitos
hepáticos e de estruturas associadas são bem documentados, incluindo risco
aumentado para tumores hepáticos, hemorragia hepática e colestase.
Existem
efeitos que deveriam ser melhor discutidos sobre o uso e abuso de EAA, como as alterações
psicológicas e psiquiátricas: mania, depressão, irritabilidade, agressividade,
alteração de humor e, até mesmo, risco para homicídio e suicídio.
Enfim,
existem inúmeros efeitos adversos que poderíamos discutir, mas creio que estes
já ilustram o tamanho e dimensão da problemática envolvendo os EAA. O Dr.
Harrison Graham Pope, médico psiquiatra, professor de Harvard e autor do livro
“O Complexo de Adônis: a obsessão masculina pelo corpo”, destacou: “Os
esteroides anabolizantes estão entre as drogas mais polêmicas do mundo,
altamente criticada e pobremente entendida. Seu uso é um dos comportamentos
humanos mais secretos que existem. Milhões de pessoas já usaram e, até mesmo,
aqueles que menos suspeitamos. O uso está aumentando e eles não vão desaparecer
tão cedo”.
É possível adquirir
um corpo extremamente musculoso e definido sem o uso de esteroides
anabolizantes?
Se
você associar essa pergunta com a imagem dos grandes fisiculturistas do passado
e do presente, então sua resposta será: “Não, não é possível”. Quer dizer, você
pode ser muito musculoso e definido sem o uso de drogas anabolizantes, mas não
comparados aos grandes campeões de culturismo, incluindo homens e mulheres. Então,
posso dizer que “campeões” do culturismo são formados por drogas? “Não, claro
que não pode falar isso”. Deixa-me explicar meus pontos de vista:
PRIMEIRO,
você aprendeu (ou relembrou) com essa matéria que os EAA possuem efeitos anabólicos
e androgênicos, onde não existe 100% de segurança com o uso destas drogas
(mesmo que considere seu “treinador de campeões” um Top das Galáxias de
conhecimento). Neste sentido, seria muita ingenuidade das pessoas, que buscam
EAA para fins estéticos, sem deficiência hormonal documentada (que poderia
justificar um uso), acreditar que estariam livres de efeitos adversos com o
uso/abuso destas drogas.
SEGUNDO,
se você é um estudante ou profissional de saúde pode afirmar que existem riscos
inerentes ao uso/abuso de EAA, mas jamais poderia falar que “campeões” são “formados”
por drogas. Em outras palavras, você não constrói um corpo como Arnold Schwarzenegger,
no auge de suas atividades competitivas, usando drogas e comendo pizza com
refrigerante e chocolate todo final de semana. Você não obtém a impressionante
definição muscular de Frank Zane sentado várias horas do dia olhando TV e comendo
pipoca. As drogas estavam presentes, isso é um FATO. Portanto, não crie ilusões
ou não propague FAKE NEWS. Aliás, me responda: como será a saúde dos jovens,
que imitam os grandes campeões quanto ao uso/abuso de drogas, mas vivem
ingerindo bebidas alcoólicas em festas noturnas, talvez fumando um ou mais
cigarros, sem dormir, treinando pobremente e comendo um fast food para “matar a fome”?
TERCEIRO,
o uso e abuso de EAA tem criado uma falsa noção de segurança, que não é de
hoje, mas foi alavanca com o advento das mídias sociais que ilustram corpos
trabalhados com recursos farmacológicos. Essa falsa noção de segurança, afinal Ele
ou Ela posta uma selfie no Instagram
repleto de músculos, fama e fortuna, pode estimular mais pessoas quanto ao uso
e abuso de EAA. O que você pensa disso?
Por
fim, não tenho nada contra quem usa ou quem pretende usar EAA, pois como dizem:
“Seu corpo, suas regras”. Todavia, nunca na história da humanidade um padrão de
beleza desejável (ou imposto) esteve presente com um acesso grande e fácil de
EAA, suplementos, procedimentos estéticos e cirurgias para modificar
radicalmente o corpo como observamos atualmente. É possível, portanto, que
existam linguagens subliminares de “super-corpos”, “super-humanos”, “super-musculosos”,
“super-heróis”, influenciando as novas gerações? Será que as crianças e
adolescentes podem ser tornar obsessivas pelo corpo perfeito influenciados
pelas mídias sociais?
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