BEBIDAS ENERGÉTICAS E EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE
JOELSO PERALTA
Nutricionista, Mestre em Medicina: Ciências Médicas, Doutorando junto ao PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem? Quem já tomou 1,
2 ou mais bebidas energéticas para treinar ou estudar? Quem já passou mal
ingerindo essas bebidas? Quem já misturou bebidas energéticas com bebidas
alcoólicas? Que
substâncias ou ingredientes existem nestas bebidas energéticas? Pois bem, hoje vamos
falar de BEBIDAS ENERGÉTICAS,
incluindo o Red
Bull, Monster Energy e Full Throttle Energy. Lembre-se de me seguir nas redes
sociais: Facebook (Joelso Peralta) e
Instagram (@peraltanutri).
AS BEBIDAS ENERGÉTICAS, COMUMENTE USADAS PELAS PESSOAS, INCLUSIVE NO EXERCÍCIO
E NO ESPORTE, PODEM CAUSAR EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE?
Em
minha experiência clínica, certamente diria que sim! Ou seja, essas bebidas
energéticas, usadas de forma isolada ou em combinação com outras bebidas,
suplementos termogênicos e estimulantes e, até mesmo, combinadas com bebidas
alcoólicas, podem acarretar prejuízos a saúde do consumidor. Quer dizer, já
observei “cada coisa que até Deus dúvida”, digamos assim. Preservando os nomes
dos pacientes, obviamente, posso dizer que já presenciei relatos de consultório
com homens e mulheres, nas mais diferentes faixas etárias, ingerindo bebidas
energéticas para acordar, treinar e estudar. Ou seja, pessoas ingerindo 1, 2, 3,
4 ou 5 energéticos semanalmente. Alguns destes, inclusive, faziam misturas de
energéticos, de diferentes marcas. Outros, por sua vez, ingeriam apenas um (01)
energético, mas misturavam com cápsulas de cafeína. Existiam pessoas que
ingeriam 220 mg, 400 mg, 550 mg e, acima de 600 mg de cafeína para manter o
foco e disposição nos treinamentos. Por outro lado, também existiam aqueles que
passavam muito mal, cujo relatos eram os mais variados: batimentos cardíacos
acelerados, sudorese excessiva, dor no peito, dor de cabeça, náusea e vômito,
dor abdominal ou diarreia, tremores nas mãos e pernas, confusão mental ou
incoordenação motora e, até mesmo, tontura e desmaio. A ciência, contudo, não tem
espaço para achismo e os relatos de casos que observei, durante minha atuação
profissional, mesmo que verídicos e interessantes, tem baixo grau de evidência
científica. Neste sentido, vamos responder o questionamento observando uma revisão
sistemática e meta-análise publicada em 2021: Ibrahim M. Nadeem et al. Energy Drinks and Their Adverse Health
Effects: A Systematic Review and Meta-analysis. Sports
Health 13(3): 265-277, 2021.
Nesta
revisão sistemática e meta-análise, foram incluídos 32 estudos (de uma busca
inicial com 2.911 artigos), que atendiam aos critérios de inclusão, o que gerou
uma amostra com 96.549 indivíduos (somando todos os indivíduos). Entre os 32
estudos selecionados, publicados entre 2007 e 2018, temos 20 estudos (62,5%)
publicados nos últimos 5 anos (2015-2018). Destes, 7 estudos eram evidência de nível
1 (revisão sistemática de ensaios clínicos controlados e randomizados); 1 estudo
com evidência de nível 2 (revisão sistemática de estudos de coorte e
caso-controle); e 24 estudos com evidência de nível 4 (relato de caso). Cabe
lembrar, portanto, que as evidências
científicas não são todas iguais. Ou seja, existem uma hierarquia das evidências, onde o mais alto nível de evidência
científica está no nível 1 (revisão sistemática de ensaios clínicos
randomizados), enquanto que o menor grau de evidência científica está no nível
5 (opinião desprovida de avaliação crítica). Neste último nível de evidência, estamos
falando da “opinião pessoal” que, por mais inteligente e influenciador que a
pessoa seja em um grupo ou comunidade, tem pouco ou menor relevância na ciência.
Peraí, vamos resumir tudo isso antes de continuar:
NÍVEL DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA
(Fonte: Oxford Centre for Evidence-based Medicina,
2001)
GRAU DE RECOMENDAÇÃO A:
aqui enquadram-se
as evidências de nível 1 (1A, 1B e 1C). Dessa forma, a evidência de nível 1A é composta por revisão sistemática de ensaios
clínicos controlados e randomizados; a evidência
de nível 1B é composta por ensaio clínico controlado e randomizado com
intervalo de confiança estreito; e a evidência
de nível 1C é composta por resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”;
GRAU DE RECOMENDAÇÃO B:
aqui temos
as evidências de nível 2 (2A, 2B, 2C) e nível 3 (3A e 3B). Sendo assim, a evidência de nível 2A é composta pela revisão
sistemática de estudos de coorte; a evidência
de nível 2B é composta por estudo de coorte, incluindo ensaio clínico
randomizado de menor qualidade; a evidência
de nível 2C é composta pela observação de resultados terapêuticos e estudos
ecológicos; a evidência de nível 3A é
composta pela revisão sistemática de estudos caso-controle; e, finalmente, a evidência de nível 3B é composta por estudo
caso-controle;
GRAU DE RECOMENDAÇÃO C:
apenas
evidência de nível 4, ou seja, relato
de caso, incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade, enquadram-se
nessa categoria;
GRAU DE RECOMENDAÇÃO D: apenas evidência de nível 5, ou seja, opinião
desprovida de avaliação crítica (opinião pessoal) ou baseada em matérias
básicas, como estudos fisiológicos ou com animais.
REPITO:
sua “opinião pessoal”, por mais estudado, graduado, inteligente e influenciador
que você seja em um grupo ou comunidade, tem pouco ou menor relevância para a ciência.
Neste sentido, você imagina a “opinião pessoal” de um indivíduo que nem possui
graduação na área de saúde, mas quer dar “pitacos” em assunto relacionados a nutrição,
alimentação, medicina, farmacologia, imunologia, etc.?
Pois
bem, elucidando este assunto, voltamos ao estudo: a revisão sistemática e
meta-análise, publicada em 2021, usou 32 estudos, publicados entre 2007 e 2018,
onde 20 estudos (62,5%) foram publicados nos últimos 5 anos (2015-2018).
Destes, 7 estudos eram evidência nível 1 (maior
nível de evidência); 1 estudo de evidência de nível 2; e 24 estudos de
nível 4 (menor grau de evidência).
Ainda, 19 estudos não eram comparativos, enquanto que 13 estudos eram comparativos.
Entre os comparativos, 7 estudos eram ensaios clínicos randomizados (RCT,
portanto, excelentes) e 6 eram estudos transversais (ou seja, um tipo estudo
observacional que não permite estabelecer causalidade). Somando todos os
indivíduos presentes nos estudos, temos 96.549 indivíduos.
Essa
revisão sistemática e meta-análise, publicada na Sports Health (2021), utilizou
três bancos de dados: PubMed, Embase e Medline. Foram excluídos, portanto, as revisões
bibliográficas, os pareceres (conferência e opinião de especialistas), os relatórios
de casos, os guias técnicos, os estudos que não foram com humanos, os estudos
cadavéricos ou biomecânicos e os estudos clínicos que avaliaram bebidas
energéticas, porém que não foram relatados efeitos adversos após consumo das
bebidas.
Além
disso, a média de idade nesta revisão sistemática e meta-análise foi 15,2 anos
(portanto, indivíduos jovens, embora oscilou de 11 a 63 anos a amostra estudada),
sendo 52,1% do sexo masculino (47,9% do sexo feminino). As marcas de bebidas
energéticas mais consumidas foram: Red Bull (27,2%), Monster Energy (23,1%) e Full
Throttle Energy (7,1%). A frequência de consumo das bebidas alcoólicas foi 1
vez por semana (76,4%), mas também havia pessoas que usavam mais de 5 vezes por
semana. Além disso, 13 estudos mostraram existir co-ingestão de bebidas
energéticas com consumo de álcool.
Enfim,
vamos falar dos resultados? KEEP CALM (mantenha a calma), pois antes de
continuar apresentando o estudo científico fiz meu “dever de casa”, ou seja,
fui pesquisar a composição/ingredientes das bebidas energéticas citadas no
estudo. Vejam que interessante:
INGREDIENTES DAS BEBIDAS ENERGÉTICAS
Existem
vários modelos de Red Bull, embora essencialmente
possuem os mesmos componentes com quantidades diferentes. Vejamos:
Red Bull Energy Drink
(tradicional):
cafeína, taurina, vitaminas do complexo B, açúcares e água dos Alpes (NOTA: água
dos Alpes? O que é isso? É mais pura? Rica em minerais? OK, sem comentários, rsrs).
Red Bull Sugarfree: cafeína, vitaminas do
complexo B, taurina, sucralose, acessulfame K e água dos Alpes.
Red Bull Açaí Edition: cafeína, vitaminas do
complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.
Red Bull Tropical
Edition: cafeína,
vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.
Red Bull Coconut
Edition:
cafeína, vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.
Red Bull Summer
Edition: cafeína,
vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.
O
Monster Energy Drinks possui muitos
componentes/ingredientes, realmente muitos, então segura:
· Água carbonada (água
infundida com gás carbônico);
· Açúcar (embora adição
de adoçantes também é possível);
· Sabores naturais: refere-se
aos “sabores naturais” advindo do extrato, óleo essencial, destilado ou
qualquer aromatizante de planta;
· Taurina (que é um aminoácido);
· Citrato de sódio (sal
de sódio do ácido cítrico);
· Extrato de Ginseng
panax (extrato de ginseng, simplesmente);
· L-carnitina: substância
naturalmente encontrada no organismo, formado pelos aminoácidos lisina e
metionina, bem como niacina (B3), piridoxina (B6), vitamina C e ferro;
· L-tartarato (ácido
tartárico, que possui função antioxidante);
· Cafeína (obviamente não
poderia faltar, sendo um ingrediente estimulante sempre presentes nas bebidas
energéticas);
· Ácido ascórbico (ou
seja, vitamina C);
· Ácido benzoico (conservante,
um agente de ligação de nitrogênio);
· Niacinamida
(nicotinamida ou vitamina B3);
· Sucralose (que é 600
vezes mais doce que o açúcar de mesa);
· Sal (eletrólito
normalmente encontrado em bebidas energéticas, especialmente para repor as
perdas derivadas da sudorese em pessoas submetidas ao exercício prolongado);
· Inositol (vitamina B8);
· Extrato de guaraná (estimulante,
guaranina);
· Cloridrato de
piridoxina (vitamina B6);
· Riboflavina (vitamina
B2);
· Cianocobalamina
(vitamina B12);
· Maltodextrina
(carboidrato simples).
Ufa,
como foi dito, Monster Energy Drinks tem muitos ingredientes, sendo, portanto,
uma verdadeira “bomba” (no sentido “figurado”, é claro). É plausível esperar
efeitos adversos com o consumo desta bebida repleta de ingredientes? Não se
engane, ou seja, ter vitaminas não significa ser essencialmente nutritivo e
saudável. Vejam, inúmeros biscoitos recheados também possuem vitaminas, mas não
são exatamente saudáveis. Alguns alimentos poderiam ser classificados como “falso-saudáveis”,
mas isso deixaremos para outro post.
E,
finalmente, vejamos a composição/ingredientes Full Throttle Energy:
· Água carbonada;
· Frutose (high corn syrup, ou seja, elevado
conteúdo de frutose advindo do xarope de milho e não da cana-de-açúcar ou
beterraba);
· Sabores naturais e
artificiais;
· Ácido cítrico;
· Açúcar;
· Citrato de sódio;
· Benzoato de sódio;
· D-ribose;
· Cafeína (olha ela aí
novamente);
· Niacinamida (B3);
· D-pantetonato de cálcio
(B5);
· Piridoxina (B6);
· Cobalamina (B12).
Como
podemos observar, a cafeína está
sempre presente nas bebidas energéticas. E o aporte energético (kcal) destas bebidas? Vejamos:
Red Bull Energy Drink: 80 mg de cafeína em
250 ml (lata). Essa bebida tem 116 kcal/lata.
Monster Energy: 80 mg de cafeína por
porção ou 160 mg por lata de 473 ml. Essa bebida tem 93 kcal/lata.
Full Throttle Energy: 160 mg de cafeína por
lata (473 ml). Essa bebida tem 46 kcal/lata.
Com
base nisso, podemos voltar ao estudo relatando os efeitos adversos encontrados
na revisão sistemática e meta-análise.
EFEITOS ADVERSOS (SOMATÓRIO DA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA E ADULTA) APÓS
CONSUMO DE BEBIDAS ENERGÉTICAS:
Sistema cardiorrespiratório:
26,2% =
elevada frequência cardíaca (FC)
20,0% = taquicardia,
palpitação
10,3% = dor
torácica
13,8% = dispneia
4,3% = arritmia
Sistema gastrintestinal:
18,7% = náusea,
vômito, diarreia
17,3% = perda
apetite
14,6% = dor
abdominal
Reação alérgica: 1,9%
Relatos de tensão ou dor muscular: 14%
Eventos neurológicos:
36,9% = redução
na coordenação motora
32,0% = discurso
arrastado, dificultoso
29,7% = dificuldade
na caminhada, deambular
18,4% = dor
de cabeça/cefaleia
12,3% = tontura
12,3% = distúrbio
visual
11,4% = tremores
1,1% = convulsão
Outros efeitos adversos:
34,5% = insônia,
sono
34,5% = discurso
rápido, fala rápida
25,1% = nervosismo,
inquietação
18,6% = desidratação
Eventos psicológicos:
35,4% = estresse
24,0% = irritabilidade
23,1% = agitação,
ansiedade, nervosismo
23,0% = humor
depressivo
19,8% = ideação,
plano ou tentativa suicida
Eventos relacionados aos rins:
13% = urinação
frequente
0,8% = “dor
nos rins" (o que seria dor nos rins, segundo estudo?)
Os
efeitos adversos apenas na população pediátrica (ou seja, sem somar pediatria e
adultos) incluem: insônia (35,4%), estresse (35,4%) e depressão (23,1%). Já em
adultos (sem somar pediatria e adultos) temos: insônia (24,7%), nervosismo, inquietação
e tremores (29,8%) e distúrbios gastrintestinal (21,6%).
Em
minhas aulas de Nutrição e Atividade Física, tanto na graduação, quanto
pós-graduação, quando abordava Recursos Ergogênicos – Emagrecimento e Redução
da Fadiga, sempre comentava os principais efeitos adversos da cafeína presente suplementos
esportivos: taquicardia, dilatação da pupila, aumento da pressão arterial,
aumento da frequência cardíaca, arritmia, inquietação, tremores, ansiedade,
nervosismo, alucinação, insônia, aumento do volume urinário e secreção
aumentada de ácido gástrico. Alguns pacientes também desenvolvem o “vício da
cafeína”. Cabe lembrar, também, que em casos de overdose de cafeína, o
indivíduo pode evoluir para desmaio, convulsão e, até mesmo, óbito.
Peraí,
o que podemos concluir neste momento?
PRIMEIRA CONCLUSÃO:
De
forma geral, quando somamos a população pediátrica e adultos, neste estudo (Sports
Health, 2021), com 96.549 indivíduos, os efeitos adversos mais frequentes
envolvem o sistema cardiorrespiratório, incluindo elevada frequência cardíaca (FC)
e taquicardia; seguido do sistema gastrintestinal, incluindo dor abdominal, náusea,
vômito, diarreia e perda apetite. Isso lhe parece familiar? Os achados neurológicos
também chamam a atenção, incluindo dor de cabeça (cefaleia), discurso arrastado
ou dificultoso, dificuldade na caminhada e redução da coordenação motora. Se
você fez ingestão de bebidas energéticas, já passou por isso? Não podemos
deixar de mencionar a frequência expressiva de insônia, discurso rápido e nervosismo
ou inquietação. Curiosamente (e preocupante), temos o achado de tentativa e pensamento
suicida quando a ingestão de bebidas energéticas era elevada (5 ou mais vezes
por semana). Igualmente preocupante foi o achado, no estudo, do uso
concomitante de bebidas energéticas com bebidas alcoólicas, que poderia estar
associado aos desfechos psicológicos indesejáveis (irritabilidade,
agressividade, agitação, nervosismo).
Beleza, mas acho que
falta uma pergunta: porque as pessoas recorrem a ingestão de bebidas
energéticas?
Segundo
o estudo (e parece óbvio), seu uso pode ser explicado para alívio do cansaço
físico e mental, aumentar a concentração para estudar, evitar o sono e, até
mesmo, ajudar no emagrecimento. O uso de cafeína para a redução da percepção de
fadiga e emagrecimento é evidente entre esportistas e atletas, ou seja,
busca-se uma vantagem ergogênica da cafeína.
A
lista de efeitos adversos com uso de cafeína (em altas doses), como foi visto,
é imensa. Todavia, apenas 3 estudos nessa revisão sistemática com meta-análise mostraram
a necessidade de atendimento médico em pacientes, o que seria um total de 165
pessoas (1,7%). Ainda, ninguém evoluiu para o óbito. A maioria dos efeitos
adversos foi associado a intoxicação por cafeína acima de 400 mg ou 6,5
mg/kg/dia. Penso, contudo, que outros ingredientes poderiam contribuir para os
efeitos adversos, afinal são muitos ingredientes em apenas uma “latinha” de
energético. Segundo autores, as bebidas energéticas estudadas tinham 50 a 505
mg cafeína por lata ou garrafa (opa, realmente 505 mg de cafeína é uma “dose
cavalar”, ou seja, excessiva).
Peraí, mas qual dose de
cafeína poderia ser ingerida pelas pessoas?
Lembrando,
o Red Bull Energy Drink tinha 80 mg de cafeína (lata: 250 ml), o Monster Energy
tem 160 mg de cafeína por lata (lata: 473 ml) e o Full Throttle Energy tem 160
mg de cafeína (lata: 473 ml). Se você ingerir 2 latas de Monster Energy ou Full
Throttle Energy, teria 320 mg de cafeína, enquanto que em 2 latas de Red Bull
teríamos 160 mg de cafeína. Isso é muito? Isso é pouco?
No
exercício e no esporte, a recomendação de cafeína pode oscilar de 3 a 4
mg/kg/dia, embora algumas pessoas, simplesmente, consomem 240, 390, 505 e, até
mesmo, 600 mg de cafeína. Seu consumo, nestas situações, ocorre sem critério de
gênero, peso corporal ou recomendação de um profissional de saúde. Vejamos,
portanto, um cálculo simples:
Um
indivíduo de 85 kg, do sexo masculino, devidamente ativo (não necessariamente
atleta de alto desempenho), poderia ingerir 255 a 340 mg/dia de cafeína (ou
seja: 85 kg x 3 mg = 255 mg/dia; 85 kg x 4 mg = 340 mg/dia).
Uma
mulher de 55 kg, acostumada com treinamento (aeróbio e/ou anaeróbio), várias
vezes por semana, poderia consumir apenas 165 a 220 mg/dia (ou seja: 55 kg x 3
mg = 165 mg; 55 kg x 4 mg = 220 mg/dia).
Na
revisão sistemática e meta-análise aqui apresentada, a intoxicação por cafeína ocorria
quando a ingestão era de 6,5 mg/kg/dia ou 400 mg de cafeína em dose única.
Recalculando:
Aquele
homem de 85 kg estaria ingerindo uma dose tóxica se a ingestão fosse de 552,5
mg/dia de cafeína (ou seja: 85 kg x 6,5 mg = 552,5 mg/dia).
Aquela
mulher de 55 kg estaria ingerindo uma dose tóxica se a ingestão fosse de 357,5
mg/dia de cafeína (ou seja: 85 kg x 6,5 mg = 357,5 mg/dia).
Entendeu?
Vamos comparar agora:
O
homem de 85 kg deveria ingerir, no máximo, 340 mg/dia de cafeína. Uma dose
considerada tóxica seria de 552,5 mg/dia de cafeína. Ou seja, uma diferença de
212,5 mg de cafeína.
A
mulher de 55 kg deveria ingerir, no máximo, 220 mg/dia de cafeína. Uma dose
considerada tóxica seria de 357,5 mg/dia de cafeína. Ou seja, uma diferença de
137,5 mg de cafeína.
Eu
diria, em minha experiência clínica, que homens e mulheres, submetidos ao
exercício e esporte, poderiam se beneficiar com 100 a 220 mg/dia de cafeína
(sim, você não precisaria mais que isso), não havendo necessidade de aproximar
de 400 mg/dia de cafeína. Além disso, você não deve esquecer que outras bebidas
e comidas também possuem cafeína em sua composição e pode não estar sendo
contabilizada. Por exemplo, um cafezinho expresso (150 ml) tem entre 125 a 165
mg de cafeína. Imagine uma situação bastante comum: um indivíduo ingere um
cafezinho expresso (150 ml) para “acordar” pela manhã (digamos: 8 horas).
Porém, sente-se cansado, desanimado, e ingere uma bebida energética (160 mg de
cafeína por lata) como pré-treino para “ficar ligado” (digamos: 10 horas). Quer
dizer, a meia-vida da cafeína nem chegou ao seu final, mas o indivíduo já
ingeriu 285 a 325 mg de cafeína (ou seja: 125 + 160 = 285 mg; 165 + 160 = 325
mg), entendeu?
Além
disso, os refrigerantes, tipo Coca-Cola, tem 19 mg de cafeína, enquanto que a Coca-Cola
light tem 26 mg de cafeína. O chocolate escuro pode conter 20 mg de cafeína.
Aliás, uma grande parcela dos suplementos pré-treino (pre-workout), termogênicos “queimadores de gordura” (fat burners) e estimulantes (stimulants) possuem cafeína em sua
composição. Então, qual o resultado deste excesso todo de cafeína diariamente?
Cabe destacar, também, que alguns suplementos esportivos importados possuem
1,3-N-dipropil-7-propargilxantina, que é um análogo sintético da cafeína, sendo
até 100 vezes mais potente que a mesma e, portanto, os efeitos adversos podem
ser ainda mais acentuados.
AHHH,
só para não deixar passar, caso você seja um atleta competitivo, o Comitê Olímpico
Internacional (COI) considera Doping quando encontrar a cafeína na taxa de 12 microgramas
por mililitros de urina (12 mcg/mL). Para facilitar o entendimento, isso equivalente
ao consumo aproximado de 9 mg/kg/dia de cafeína (embora eu ficaria atento a
dose de 6,5 mg/kg/dia, que já traz efeitos adversos).
Peraí,
o que podemos concluir neste momento?
SEGUNDA CONCLUSÃO:
Essa
revisão sistemática e meta-análise, publicada na Sports Health, em 2021, possui
pontos fortes e fracos. Os pontos fortes incluem utilização de estudos com evidência
de nível 1 a 4, onde os estudos foram coletados em 3 banco de dados distintos (PubMed,
Embase e Medline). Em outras palavras, estamos falando de ciência e não
aceitando sua “opinião pessoal”. Todavia, os pontos fracos ou limitações são: a
maioria dos estudos são transversais (portanto, observacionais, que não podem
estabelecer causalidade) e, além disso, a maioria da população estudada era
jovem (menos de 19 anos de idade).
Ainda
quero, obviamente, falar da bioquímica da cafeína (sim, sou o fanático da
bioquímica, rs). Todavia, lembrei que as pessoas podem confundir facilmente “efeito
adverso” e “efeito colateral”. Neste caso, é importante esclarecer estes
conceitos:
Efeito adverso refere-se as respostas
indesejadas ou prejudiciais à saúde com o consumo de determinadas substâncias
ou fármacos. Este termo é condizente com a “Reação Adversa ao Medicamento”
(RAM), que é um termo consagrado na farmacovigilância, segundo Agência Nacional
de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os efeitos relatados nesta revisão
sistemática com meta-análise são efeitos adversos, portanto, indesejáveis e
prejudiciais à saúde. Você pode gostar de “ficar ligado”, ter uma palpitação extra
no treino, suar excessivamente e, até mesmo, sentir imensa inquietação e vontade
de gritar: “Fé, Foco e Força”, após ingerir cafeína. Porém, cuidado: estes podem
ser efeitos adversos, dependendo da dose de cafeína administrada.
Efeito colateral é qualquer resposta
diferente do organismo em virtude da substância/fármaco utilizado. Em outras
palavras, o efeito adverso pode ser bom/benéfico ou indiferente, mas não
necessariamente indesejável/ruim. O termo efeito colateral foi muito usado no
passado para descrever efeitos negativos ou não favoráveis, o que é incorreto,
pois também carrega efeitos positivos ou favoráveis. O efeito colateral,
portanto, não é sinônimo de efeito adverso ou reação adversa. Se você ingeriu
cafeína, em doses usuais ou recomendadas, e sentiu-se alerta, disposto, pode
ser um efeito colateral (e, veja, não é algo ruim). Outra pessoa pode ingerir
cafeína, mesmo em doses não elevadas, e sentir desconforto abdominal. Neste caso,
temos um efeito colateral, aparentemente ruim, mas não exatamente tóxico. Uma terceira
pessoa, por sua vez, pode ingerir cafeína pela “boca, olhos e narizes”, por
assim dizer, e não sentir absolutamente nada. Quer dizer, o uso de cafeína,
para essa pessoa, é indiferente.
Agora,
considerando que a cafeína é o
ingrediente comum nas bebidas energéticas, bem como bebidas esportivas, não
seria legal entender seu mecanismo de ação? Claro que SIM e, neste caso, vamos
à bioquímica.
MECANISMO DE AÇÃO DA CAFEÍNA
A
cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é o componente mais comum nas bebidas
energéticas e esportivas. A cafeína possui rápida absorção intestinal e, consequentemente,
rápido pico de concentração na corrente sanguínea (15 a 30 minutos). Ao mesmo
tempo, a cafeína é metabolizada no fígado em três metilxantinas: paraxantina
(1,7-dimetilxantina), teofilina (1,3-dimetilxantina) e teobromina
(3,7-dimetilxantina). Para sua metabolização, destaca-se o citocromo P450,
essencialmente a isoforma CYP1A2 nos hepatócitos.
Como
sabemos, a cafeína é um estimulante do sistema nervoso central (SNC) e, dessa
forma, reduz a percepção da fadiga. Este fato, obviamente, justifica seu uso
por indivíduos sedentários, esportistas e atletas. Quer dizer, as pessoas buscam
o alívio da fadiga, evitar a sonolência e aumentar a concentração para treinar
e/ou estudar com o uso da cafeína.
A
cafeína é um antagonista dos receptores de adenosina (substância envolvida no
sono, por exemplo), o que resulta na liberação aumentada de dopamina (DA), norepinefrina
(NE) e serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) no cérebro. Quer dizer, a cafeína
é um antagonista dos receptores A1 e, portanto, ao impedir sua interação com a
adenosina, aumenta os níveis de adenosina monofosfato cíclico (AMPc). Este
fato, promove a liberação aumentada de catecolaminas. Um aumento de dopamina (DA)
está relacionado a sensação de prazer, enquanto que aumento de norepinefrina (NE)
estimula o processo lipolítico, favorecendo a lipólise e emagrecimento. Além
disso, a cafeína inibe a fosfodiestarase em adipócitos, que converte AMPc em 5'-AMP.
Em outras palavras, AMPc (que não foi degradada) ativa proteína quinase A (PKA)
e, em seguida, ativa a lipase hormônio sensível (LHS). A LHS promove a
hidrólise dos triacilgliceróis ou triglicerídeos (TG) em ácidos graxos e
glicerol. Os ácidos graxos resultantes
são oxidados na beta-oxidação mitocondrial para a geração de energia (ATP).
Você
conhece os receptores de adenosina? Adenosina é uma molécula de sinalização
intracelular, onde existem 4 tipos de receptores da adenosina: A1, A2A, A2B e
A3. Os receptores A1 e A3 interagem com a proteína G (família Gi), inibindo
adenilil ciclase (A.C.) e, consequentemente, reduzindo AMPc intracelular. A
sinalização dos receptores A2A e A2B envolvem outras famílias de proteína G (Gs
e G0) que, neste caso, estimulam A.C. e aumentam AMPc. Como vimos, a cafeína é
um antagonista dos receptores A1, ou seja, bloqueia os receptores A1. Dessa forma,
teremos aumento do AMPc (ao invés de redução), pois deixamos a A.C. (enzima) livre
para ação catalítica (ATP para AMPc). A partir daí você já conhece e vamos
resumir a equação:
CAFEÍNA
® AUMENTO DE AMPc ® ATIVA PKA ®
ESTIMULA LHS ® PROMOVE LIPÓLISE NO
TECIDO ADIPOSO ® ÁCIDOS GRAXOS
CIRCULANTES ® OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS ®
EMAGRECIMENTO.
Cafeína
também inibe FOSFODIESTARASE em adipócitos (AMPc não é convertido em 5'-AMP) e,
dessa forma, tudo se repete: AMPC, PKA, LHS, lipólise e beta-oxidação de ácidos
graxos nas mitocôndrias dos músculos esqueléticos.
TERCEIRA (E ÚLTIMA) CONCLUSÃO:
A
cafeína é uma excelente substância presente na vida dos sedentários,
esportistas e atletas. É encontrada em diversas bebidas e alimentos, mas também
pode ser administrada isoladamente, geralmente na forma de cápsulas. Tudo que
você precisa, ao meu ver, seria usar racionalmente a cafeína. As bebidas
energéticas, que foi o foco deste post, também precisa administrada com
moderação e racionalidade. Enfim, é simples assim!
Se
gostou, compartilha, desde que citado a fonte: Prof. Nutr. Joelso Peralta (https://peraltanutri.blogspot.com/).