quarta-feira, 25 de maio de 2022

BEBIDAS ENERGÉTICAS E EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE

 

BEBIDAS ENERGÉTICAS E EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE

JOELSO PERALTA

Nutricionista, Mestre em Medicina: Ciências Médicas, Doutorando junto ao PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 

Olá pessoal, tudo bem? Quem já tomou 1, 2 ou mais bebidas energéticas para treinar ou estudar? Quem já passou mal ingerindo essas bebidas? Quem já misturou bebidas energéticas com bebidas alcoólicas? Que substâncias ou ingredientes existem nestas bebidas energéticas? Pois bem, hoje vamos falar de BEBIDAS ENERGÉTICAS, incluindo o Red Bull, Monster Energy e Full Throttle Energy. Lembre-se de me seguir nas redes sociais: Facebook (Joelso Peralta) e Instagram (@peraltanutri).




AS BEBIDAS ENERGÉTICAS, COMUMENTE USADAS PELAS PESSOAS, INCLUSIVE NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE, PODEM CAUSAR EFEITOS ADVERSOS À SAÚDE?

 

Em minha experiência clínica, certamente diria que sim! Ou seja, essas bebidas energéticas, usadas de forma isolada ou em combinação com outras bebidas, suplementos termogênicos e estimulantes e, até mesmo, combinadas com bebidas alcoólicas, podem acarretar prejuízos a saúde do consumidor. Quer dizer, já observei “cada coisa que até Deus dúvida”, digamos assim. Preservando os nomes dos pacientes, obviamente, posso dizer que já presenciei relatos de consultório com homens e mulheres, nas mais diferentes faixas etárias, ingerindo bebidas energéticas para acordar, treinar e estudar. Ou seja, pessoas ingerindo 1, 2, 3, 4 ou 5 energéticos semanalmente. Alguns destes, inclusive, faziam misturas de energéticos, de diferentes marcas. Outros, por sua vez, ingeriam apenas um (01) energético, mas misturavam com cápsulas de cafeína. Existiam pessoas que ingeriam 220 mg, 400 mg, 550 mg e, acima de 600 mg de cafeína para manter o foco e disposição nos treinamentos. Por outro lado, também existiam aqueles que passavam muito mal, cujo relatos eram os mais variados: batimentos cardíacos acelerados, sudorese excessiva, dor no peito, dor de cabeça, náusea e vômito, dor abdominal ou diarreia, tremores nas mãos e pernas, confusão mental ou incoordenação motora e, até mesmo, tontura e desmaio. A ciência, contudo, não tem espaço para achismo e os relatos de casos que observei, durante minha atuação profissional, mesmo que verídicos e interessantes, tem baixo grau de evidência científica. Neste sentido, vamos responder o questionamento observando uma revisão sistemática e meta-análise publicada em 2021: Ibrahim M. Nadeem et al. Energy Drinks and Their Adverse Health Effects: A Systematic Review and Meta-analysis. Sports Health 13(3): 265-277, 2021.

Nesta revisão sistemática e meta-análise, foram incluídos 32 estudos (de uma busca inicial com 2.911 artigos), que atendiam aos critérios de inclusão, o que gerou uma amostra com 96.549 indivíduos (somando todos os indivíduos). Entre os 32 estudos selecionados, publicados entre 2007 e 2018, temos 20 estudos (62,5%) publicados nos últimos 5 anos (2015-2018). Destes, 7 estudos eram evidência de nível 1 (revisão sistemática de ensaios clínicos controlados e randomizados); 1 estudo com evidência de nível 2 (revisão sistemática de estudos de coorte e caso-controle); e 24 estudos com evidência de nível 4 (relato de caso). Cabe lembrar, portanto, que as evidências científicas não são todas iguais. Ou seja, existem uma hierarquia das evidências, onde o mais alto nível de evidência científica está no nível 1 (revisão sistemática de ensaios clínicos randomizados), enquanto que o menor grau de evidência científica está no nível 5 (opinião desprovida de avaliação crítica). Neste último nível de evidência, estamos falando da “opinião pessoal” que, por mais inteligente e influenciador que a pessoa seja em um grupo ou comunidade, tem pouco ou menor relevância na ciência. Peraí, vamos resumir tudo isso antes de continuar:

 

NÍVEL DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA

(Fonte: Oxford Centre for Evidence-based Medicina, 2001)

 

GRAU DE RECOMENDAÇÃO A: aqui enquadram-se as evidências de nível 1 (1A, 1B e 1C). Dessa forma, a evidência de nível 1A é composta por revisão sistemática de ensaios clínicos controlados e randomizados; a evidência de nível 1B é composta por ensaio clínico controlado e randomizado com intervalo de confiança estreito; e a evidência de nível 1C é composta por resultados terapêuticos do tipo “tudo ou nada”;

GRAU DE RECOMENDAÇÃO B: aqui temos as evidências de nível 2 (2A, 2B, 2C) e nível 3 (3A e 3B). Sendo assim, a evidência de nível 2A é composta pela revisão sistemática de estudos de coorte; a evidência de nível 2B é composta por estudo de coorte, incluindo ensaio clínico randomizado de menor qualidade; a evidência de nível 2C é composta pela observação de resultados terapêuticos e estudos ecológicos; a evidência de nível 3A é composta pela revisão sistemática de estudos caso-controle; e, finalmente, a evidência de nível 3B é composta por estudo caso-controle;

GRAU DE RECOMENDAÇÃO C: apenas evidência de nível 4, ou seja, relato de caso, incluindo coorte ou caso-controle de menor qualidade, enquadram-se nessa categoria;

GRAU DE RECOMENDAÇÃO D: apenas evidência de nível 5, ou seja, opinião desprovida de avaliação crítica (opinião pessoal) ou baseada em matérias básicas, como estudos fisiológicos ou com animais.

 

REPITO: sua “opinião pessoal”, por mais estudado, graduado, inteligente e influenciador que você seja em um grupo ou comunidade, tem pouco ou menor relevância para a ciência. Neste sentido, você imagina a “opinião pessoal” de um indivíduo que nem possui graduação na área de saúde, mas quer dar “pitacos” em assunto relacionados a nutrição, alimentação, medicina, farmacologia, imunologia, etc.?

 

Pois bem, elucidando este assunto, voltamos ao estudo: a revisão sistemática e meta-análise, publicada em 2021, usou 32 estudos, publicados entre 2007 e 2018, onde 20 estudos (62,5%) foram publicados nos últimos 5 anos (2015-2018). Destes, 7 estudos eram evidência nível 1 (maior nível de evidência); 1 estudo de evidência de nível 2; e 24 estudos de nível 4 (menor grau de evidência). Ainda, 19 estudos não eram comparativos, enquanto que 13 estudos eram comparativos. Entre os comparativos, 7 estudos eram ensaios clínicos randomizados (RCT, portanto, excelentes) e 6 eram estudos transversais (ou seja, um tipo estudo observacional que não permite estabelecer causalidade). Somando todos os indivíduos presentes nos estudos, temos 96.549 indivíduos.

Essa revisão sistemática e meta-análise, publicada na Sports Health (2021), utilizou três bancos de dados: PubMed, Embase e Medline. Foram excluídos, portanto, as revisões bibliográficas, os pareceres (conferência e opinião de especialistas), os relatórios de casos, os guias técnicos, os estudos que não foram com humanos, os estudos cadavéricos ou biomecânicos e os estudos clínicos que avaliaram bebidas energéticas, porém que não foram relatados efeitos adversos após consumo das bebidas.

Além disso, a média de idade nesta revisão sistemática e meta-análise foi 15,2 anos (portanto, indivíduos jovens, embora oscilou de 11 a 63 anos a amostra estudada), sendo 52,1% do sexo masculino (47,9% do sexo feminino). As marcas de bebidas energéticas mais consumidas foram: Red Bull (27,2%), Monster Energy (23,1%) e Full Throttle Energy (7,1%). A frequência de consumo das bebidas alcoólicas foi 1 vez por semana (76,4%), mas também havia pessoas que usavam mais de 5 vezes por semana. Além disso, 13 estudos mostraram existir co-ingestão de bebidas energéticas com consumo de álcool.

Enfim, vamos falar dos resultados? KEEP CALM (mantenha a calma), pois antes de continuar apresentando o estudo científico fiz meu “dever de casa”, ou seja, fui pesquisar a composição/ingredientes das bebidas energéticas citadas no estudo. Vejam que interessante:

 

INGREDIENTES DAS BEBIDAS ENERGÉTICAS

Existem vários modelos de Red Bull, embora essencialmente possuem os mesmos componentes com quantidades diferentes. Vejamos:  

Red Bull Energy Drink (tradicional): cafeína, taurina, vitaminas do complexo B, açúcares e água dos Alpes (NOTA: água dos Alpes? O que é isso? É mais pura? Rica em minerais? OK, sem comentários, rsrs).

Red Bull Sugarfree: cafeína, vitaminas do complexo B, taurina, sucralose, acessulfame K e água dos Alpes.

Red Bull Açaí Edition: cafeína, vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.

Red Bull Tropical Edition: cafeína, vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.

Red Bull Coconut Edition: cafeína, vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.

Red Bull Summer Edition: cafeína, vitaminas do complexo B, açúcares, taurina e água dos Alpes.

 

O Monster Energy Drinks possui muitos componentes/ingredientes, realmente muitos, então segura:

·       Água carbonada (água infundida com gás carbônico);

·       Açúcar (embora adição de adoçantes também é possível);

·   Sabores naturais: refere-se aos “sabores naturais” advindo do extrato, óleo essencial, destilado ou qualquer aromatizante de planta;

·       Taurina (que é um aminoácido);

·       Citrato de sódio (sal de sódio do ácido cítrico);

·       Extrato de Ginseng panax (extrato de ginseng, simplesmente);

·   L-carnitina: substância naturalmente encontrada no organismo, formado pelos aminoácidos lisina e metionina, bem como niacina (B3), piridoxina (B6), vitamina C e ferro;

·       L-tartarato (ácido tartárico, que possui função antioxidante);

·     Cafeína (obviamente não poderia faltar, sendo um ingrediente estimulante sempre presentes nas bebidas energéticas);

·       Ácido ascórbico (ou seja, vitamina C);

·       Ácido benzoico (conservante, um agente de ligação de nitrogênio);

·       Niacinamida (nicotinamida ou vitamina B3);

·       Sucralose (que é 600 vezes mais doce que o açúcar de mesa);

·    Sal (eletrólito normalmente encontrado em bebidas energéticas, especialmente para repor as perdas derivadas da sudorese em pessoas submetidas ao exercício prolongado);

·       Inositol (vitamina B8);

·       Extrato de guaraná (estimulante, guaranina);

·       Cloridrato de piridoxina (vitamina B6);

·       Riboflavina (vitamina B2);

·       Cianocobalamina (vitamina B12);

·       Maltodextrina (carboidrato simples).

 

Ufa, como foi dito, Monster Energy Drinks tem muitos ingredientes, sendo, portanto, uma verdadeira “bomba” (no sentido “figurado”, é claro). É plausível esperar efeitos adversos com o consumo desta bebida repleta de ingredientes? Não se engane, ou seja, ter vitaminas não significa ser essencialmente nutritivo e saudável. Vejam, inúmeros biscoitos recheados também possuem vitaminas, mas não são exatamente saudáveis. Alguns alimentos poderiam ser classificados como “falso-saudáveis”, mas isso deixaremos para outro post.

 

E, finalmente, vejamos a composição/ingredientes Full Throttle Energy:

·       Água carbonada;

·     Frutose (high corn syrup, ou seja, elevado conteúdo de frutose advindo do xarope de milho e não da cana-de-açúcar ou beterraba);

·       Sabores naturais e artificiais;

·       Ácido cítrico;

·       Açúcar;

·       Citrato de sódio;

·       Benzoato de sódio;

·       D-ribose;

·       Cafeína (olha ela aí novamente);

·       Niacinamida (B3);

·       D-pantetonato de cálcio (B5);

·       Piridoxina (B6);

·       Cobalamina (B12).

 

Como podemos observar, a cafeína está sempre presente nas bebidas energéticas. E o aporte energético (kcal) destas bebidas? Vejamos:

Red Bull Energy Drink: 80 mg de cafeína em 250 ml (lata). Essa bebida tem 116 kcal/lata.

Monster Energy: 80 mg de cafeína por porção ou 160 mg por lata de 473 ml. Essa bebida tem 93 kcal/lata.

Full Throttle Energy: 160 mg de cafeína por lata (473 ml). Essa bebida tem 46 kcal/lata.

 

Com base nisso, podemos voltar ao estudo relatando os efeitos adversos encontrados na revisão sistemática e meta-análise.

 

EFEITOS ADVERSOS (SOMATÓRIO DA POPULAÇÃO PEDIÁTRICA E ADULTA) APÓS CONSUMO DE BEBIDAS ENERGÉTICAS:

 

Sistema cardiorrespiratório:

26,2% = elevada frequência cardíaca (FC)

20,0% = taquicardia, palpitação

10,3% = dor torácica

13,8% = dispneia

4,3% = arritmia

Sistema gastrintestinal:

18,7% = náusea, vômito, diarreia

17,3% = perda apetite

14,6% = dor abdominal

Reação alérgica: 1,9%

Relatos de tensão ou dor muscular: 14%

Eventos neurológicos:

36,9% = redução na coordenação motora

32,0% = discurso arrastado, dificultoso

29,7% = dificuldade na caminhada, deambular

18,4% = dor de cabeça/cefaleia

12,3% = tontura

12,3% = distúrbio visual

11,4% = tremores

1,1% = convulsão

Outros efeitos adversos:

34,5% = insônia, sono

34,5% = discurso rápido, fala rápida

25,1% = nervosismo, inquietação

18,6% = desidratação

Eventos psicológicos:

35,4% = estresse

24,0% = irritabilidade

23,1% = agitação, ansiedade, nervosismo

23,0% = humor depressivo

19,8% = ideação, plano ou tentativa suicida

Eventos relacionados aos rins:

13% = urinação frequente

0,8% = “dor nos rins" (o que seria dor nos rins, segundo estudo?)

 

Os efeitos adversos apenas na população pediátrica (ou seja, sem somar pediatria e adultos) incluem: insônia (35,4%), estresse (35,4%) e depressão (23,1%). Já em adultos (sem somar pediatria e adultos) temos: insônia (24,7%), nervosismo, inquietação e tremores (29,8%) e distúrbios gastrintestinal (21,6%).

Em minhas aulas de Nutrição e Atividade Física, tanto na graduação, quanto pós-graduação, quando abordava Recursos Ergogênicos – Emagrecimento e Redução da Fadiga, sempre comentava os principais efeitos adversos da cafeína presente suplementos esportivos: taquicardia, dilatação da pupila, aumento da pressão arterial, aumento da frequência cardíaca, arritmia, inquietação, tremores, ansiedade, nervosismo, alucinação, insônia, aumento do volume urinário e secreção aumentada de ácido gástrico. Alguns pacientes também desenvolvem o “vício da cafeína”. Cabe lembrar, também, que em casos de overdose de cafeína, o indivíduo pode evoluir para desmaio, convulsão e, até mesmo, óbito.

Peraí, o que podemos concluir neste momento?

PRIMEIRA CONCLUSÃO:

De forma geral, quando somamos a população pediátrica e adultos, neste estudo (Sports Health, 2021), com 96.549 indivíduos, os efeitos adversos mais frequentes envolvem o sistema cardiorrespiratório, incluindo elevada frequência cardíaca (FC) e taquicardia; seguido do sistema gastrintestinal, incluindo dor abdominal, náusea, vômito, diarreia e perda apetite. Isso lhe parece familiar? Os achados neurológicos também chamam a atenção, incluindo dor de cabeça (cefaleia), discurso arrastado ou dificultoso, dificuldade na caminhada e redução da coordenação motora. Se você fez ingestão de bebidas energéticas, já passou por isso? Não podemos deixar de mencionar a frequência expressiva de insônia, discurso rápido e nervosismo ou inquietação. Curiosamente (e preocupante), temos o achado de tentativa e pensamento suicida quando a ingestão de bebidas energéticas era elevada (5 ou mais vezes por semana). Igualmente preocupante foi o achado, no estudo, do uso concomitante de bebidas energéticas com bebidas alcoólicas, que poderia estar associado aos desfechos psicológicos indesejáveis (irritabilidade, agressividade, agitação, nervosismo).  

 

Beleza, mas acho que falta uma pergunta: porque as pessoas recorrem a ingestão de bebidas energéticas?

Segundo o estudo (e parece óbvio), seu uso pode ser explicado para alívio do cansaço físico e mental, aumentar a concentração para estudar, evitar o sono e, até mesmo, ajudar no emagrecimento. O uso de cafeína para a redução da percepção de fadiga e emagrecimento é evidente entre esportistas e atletas, ou seja, busca-se uma vantagem ergogênica da cafeína.

A lista de efeitos adversos com uso de cafeína (em altas doses), como foi visto, é imensa. Todavia, apenas 3 estudos nessa revisão sistemática com meta-análise mostraram a necessidade de atendimento médico em pacientes, o que seria um total de 165 pessoas (1,7%). Ainda, ninguém evoluiu para o óbito. A maioria dos efeitos adversos foi associado a intoxicação por cafeína acima de 400 mg ou 6,5 mg/kg/dia. Penso, contudo, que outros ingredientes poderiam contribuir para os efeitos adversos, afinal são muitos ingredientes em apenas uma “latinha” de energético. Segundo autores, as bebidas energéticas estudadas tinham 50 a 505 mg cafeína por lata ou garrafa (opa, realmente 505 mg de cafeína é uma “dose cavalar”, ou seja, excessiva).

 

Peraí, mas qual dose de cafeína poderia ser ingerida pelas pessoas?

Lembrando, o Red Bull Energy Drink tinha 80 mg de cafeína (lata: 250 ml), o Monster Energy tem 160 mg de cafeína por lata (lata: 473 ml) e o Full Throttle Energy tem 160 mg de cafeína (lata: 473 ml). Se você ingerir 2 latas de Monster Energy ou Full Throttle Energy, teria 320 mg de cafeína, enquanto que em 2 latas de Red Bull teríamos 160 mg de cafeína. Isso é muito? Isso é pouco?

No exercício e no esporte, a recomendação de cafeína pode oscilar de 3 a 4 mg/kg/dia, embora algumas pessoas, simplesmente, consomem 240, 390, 505 e, até mesmo, 600 mg de cafeína. Seu consumo, nestas situações, ocorre sem critério de gênero, peso corporal ou recomendação de um profissional de saúde. Vejamos, portanto, um cálculo simples:

Um indivíduo de 85 kg, do sexo masculino, devidamente ativo (não necessariamente atleta de alto desempenho), poderia ingerir 255 a 340 mg/dia de cafeína (ou seja: 85 kg x 3 mg = 255 mg/dia; 85 kg x 4 mg = 340 mg/dia).

Uma mulher de 55 kg, acostumada com treinamento (aeróbio e/ou anaeróbio), várias vezes por semana, poderia consumir apenas 165 a 220 mg/dia (ou seja: 55 kg x 3 mg = 165 mg; 55 kg x 4 mg = 220 mg/dia).

Na revisão sistemática e meta-análise aqui apresentada, a intoxicação por cafeína ocorria quando a ingestão era de 6,5 mg/kg/dia ou 400 mg de cafeína em dose única. Recalculando:

Aquele homem de 85 kg estaria ingerindo uma dose tóxica se a ingestão fosse de 552,5 mg/dia de cafeína (ou seja: 85 kg x 6,5 mg = 552,5 mg/dia).

Aquela mulher de 55 kg estaria ingerindo uma dose tóxica se a ingestão fosse de 357,5 mg/dia de cafeína (ou seja: 85 kg x 6,5 mg = 357,5 mg/dia).

Entendeu? Vamos comparar agora:

O homem de 85 kg deveria ingerir, no máximo, 340 mg/dia de cafeína. Uma dose considerada tóxica seria de 552,5 mg/dia de cafeína. Ou seja, uma diferença de 212,5 mg de cafeína.

A mulher de 55 kg deveria ingerir, no máximo, 220 mg/dia de cafeína. Uma dose considerada tóxica seria de 357,5 mg/dia de cafeína. Ou seja, uma diferença de 137,5 mg de cafeína.

Eu diria, em minha experiência clínica, que homens e mulheres, submetidos ao exercício e esporte, poderiam se beneficiar com 100 a 220 mg/dia de cafeína (sim, você não precisaria mais que isso), não havendo necessidade de aproximar de 400 mg/dia de cafeína. Além disso, você não deve esquecer que outras bebidas e comidas também possuem cafeína em sua composição e pode não estar sendo contabilizada. Por exemplo, um cafezinho expresso (150 ml) tem entre 125 a 165 mg de cafeína. Imagine uma situação bastante comum: um indivíduo ingere um cafezinho expresso (150 ml) para “acordar” pela manhã (digamos: 8 horas). Porém, sente-se cansado, desanimado, e ingere uma bebida energética (160 mg de cafeína por lata) como pré-treino para “ficar ligado” (digamos: 10 horas). Quer dizer, a meia-vida da cafeína nem chegou ao seu final, mas o indivíduo já ingeriu 285 a 325 mg de cafeína (ou seja: 125 + 160 = 285 mg; 165 + 160 = 325 mg), entendeu? 

Além disso, os refrigerantes, tipo Coca-Cola, tem 19 mg de cafeína, enquanto que a Coca-Cola light tem 26 mg de cafeína. O chocolate escuro pode conter 20 mg de cafeína. Aliás, uma grande parcela dos suplementos pré-treino (pre-workout), termogênicos “queimadores de gordura” (fat burners) e estimulantes (stimulants) possuem cafeína em sua composição. Então, qual o resultado deste excesso todo de cafeína diariamente? Cabe destacar, também, que alguns suplementos esportivos importados possuem 1,3-N-dipropil-7-propargilxantina, que é um análogo sintético da cafeína, sendo até 100 vezes mais potente que a mesma e, portanto, os efeitos adversos podem ser ainda mais acentuados.

AHHH, só para não deixar passar, caso você seja um atleta competitivo, o Comitê Olímpico Internacional (COI) considera Doping quando encontrar a cafeína na taxa de 12 microgramas por mililitros de urina (12 mcg/mL). Para facilitar o entendimento, isso equivalente ao consumo aproximado de 9 mg/kg/dia de cafeína (embora eu ficaria atento a dose de 6,5 mg/kg/dia, que já traz efeitos adversos).

 

Peraí, o que podemos concluir neste momento?

SEGUNDA CONCLUSÃO:

Essa revisão sistemática e meta-análise, publicada na Sports Health, em 2021, possui pontos fortes e fracos. Os pontos fortes incluem utilização de estudos com evidência de nível 1 a 4, onde os estudos foram coletados em 3 banco de dados distintos (PubMed, Embase e Medline). Em outras palavras, estamos falando de ciência e não aceitando sua “opinião pessoal”. Todavia, os pontos fracos ou limitações são: a maioria dos estudos são transversais (portanto, observacionais, que não podem estabelecer causalidade) e, além disso, a maioria da população estudada era jovem (menos de 19 anos de idade).

 

Ainda quero, obviamente, falar da bioquímica da cafeína (sim, sou o fanático da bioquímica, rs). Todavia, lembrei que as pessoas podem confundir facilmente “efeito adverso” e “efeito colateral”. Neste caso, é importante esclarecer estes conceitos:

Efeito adverso refere-se as respostas indesejadas ou prejudiciais à saúde com o consumo de determinadas substâncias ou fármacos. Este termo é condizente com a “Reação Adversa ao Medicamento” (RAM), que é um termo consagrado na farmacovigilância, segundo Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os efeitos relatados nesta revisão sistemática com meta-análise são efeitos adversos, portanto, indesejáveis e prejudiciais à saúde. Você pode gostar de “ficar ligado”, ter uma palpitação extra no treino, suar excessivamente e, até mesmo, sentir imensa inquietação e vontade de gritar: “Fé, Foco e Força”, após ingerir cafeína. Porém, cuidado: estes podem ser efeitos adversos, dependendo da dose de cafeína administrada.   

Efeito colateral é qualquer resposta diferente do organismo em virtude da substância/fármaco utilizado. Em outras palavras, o efeito adverso pode ser bom/benéfico ou indiferente, mas não necessariamente indesejável/ruim. O termo efeito colateral foi muito usado no passado para descrever efeitos negativos ou não favoráveis, o que é incorreto, pois também carrega efeitos positivos ou favoráveis. O efeito colateral, portanto, não é sinônimo de efeito adverso ou reação adversa. Se você ingeriu cafeína, em doses usuais ou recomendadas, e sentiu-se alerta, disposto, pode ser um efeito colateral (e, veja, não é algo ruim). Outra pessoa pode ingerir cafeína, mesmo em doses não elevadas, e sentir desconforto abdominal. Neste caso, temos um efeito colateral, aparentemente ruim, mas não exatamente tóxico. Uma terceira pessoa, por sua vez, pode ingerir cafeína pela “boca, olhos e narizes”, por assim dizer, e não sentir absolutamente nada. Quer dizer, o uso de cafeína, para essa pessoa, é indiferente.

 

Agora, considerando que a cafeína é o ingrediente comum nas bebidas energéticas, bem como bebidas esportivas, não seria legal entender seu mecanismo de ação? Claro que SIM e, neste caso, vamos à bioquímica.

 

MECANISMO DE AÇÃO DA CAFEÍNA

A cafeína (1,3,7-trimetilxantina) é o componente mais comum nas bebidas energéticas e esportivas. A cafeína possui rápida absorção intestinal e, consequentemente, rápido pico de concentração na corrente sanguínea (15 a 30 minutos). Ao mesmo tempo, a cafeína é metabolizada no fígado em três metilxantinas: paraxantina (1,7-dimetilxantina), teofilina (1,3-dimetilxantina) e teobromina (3,7-dimetilxantina). Para sua metabolização, destaca-se o citocromo P450, essencialmente a isoforma CYP1A2 nos hepatócitos.

Como sabemos, a cafeína é um estimulante do sistema nervoso central (SNC) e, dessa forma, reduz a percepção da fadiga. Este fato, obviamente, justifica seu uso por indivíduos sedentários, esportistas e atletas. Quer dizer, as pessoas buscam o alívio da fadiga, evitar a sonolência e aumentar a concentração para treinar e/ou estudar com o uso da cafeína.

A cafeína é um antagonista dos receptores de adenosina (substância envolvida no sono, por exemplo), o que resulta na liberação aumentada de dopamina (DA), norepinefrina (NE) e serotonina (5-hidroxitriptamina, 5-HT) no cérebro. Quer dizer, a cafeína é um antagonista dos receptores A1 e, portanto, ao impedir sua interação com a adenosina, aumenta os níveis de adenosina monofosfato cíclico (AMPc). Este fato, promove a liberação aumentada de catecolaminas. Um aumento de dopamina (DA) está relacionado a sensação de prazer, enquanto que aumento de norepinefrina (NE) estimula o processo lipolítico, favorecendo a lipólise e emagrecimento. Além disso, a cafeína inibe a fosfodiestarase em adipócitos, que converte AMPc em 5'-AMP. Em outras palavras, AMPc (que não foi degradada) ativa proteína quinase A (PKA) e, em seguida, ativa a lipase hormônio sensível (LHS). A LHS promove a hidrólise dos triacilgliceróis ou triglicerídeos (TG) em ácidos graxos e glicerol.  Os ácidos graxos resultantes são oxidados na beta-oxidação mitocondrial para a geração de energia (ATP).

Você conhece os receptores de adenosina? Adenosina é uma molécula de sinalização intracelular, onde existem 4 tipos de receptores da adenosina: A1, A2A, A2B e A3. Os receptores A1 e A3 interagem com a proteína G (família Gi), inibindo adenilil ciclase (A.C.) e, consequentemente, reduzindo AMPc intracelular. A sinalização dos receptores A2A e A2B envolvem outras famílias de proteína G (Gs e G0) que, neste caso, estimulam A.C. e aumentam AMPc. Como vimos, a cafeína é um antagonista dos receptores A1, ou seja, bloqueia os receptores A1. Dessa forma, teremos aumento do AMPc (ao invés de redução), pois deixamos a A.C. (enzima) livre para ação catalítica (ATP para AMPc). A partir daí você já conhece e vamos resumir a equação:

CAFEÍNA ® AUMENTO DE AMPc ® ATIVA PKA ® ESTIMULA LHS ® PROMOVE LIPÓLISE NO TECIDO ADIPOSO ® ÁCIDOS GRAXOS CIRCULANTES ® OXIDAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS ® EMAGRECIMENTO.

Cafeína também inibe FOSFODIESTARASE em adipócitos (AMPc não é convertido em 5'-AMP) e, dessa forma, tudo se repete: AMPC, PKA, LHS, lipólise e beta-oxidação de ácidos graxos nas mitocôndrias dos músculos esqueléticos.

 

TERCEIRA (E ÚLTIMA) CONCLUSÃO:

A cafeína é uma excelente substância presente na vida dos sedentários, esportistas e atletas. É encontrada em diversas bebidas e alimentos, mas também pode ser administrada isoladamente, geralmente na forma de cápsulas. Tudo que você precisa, ao meu ver, seria usar racionalmente a cafeína. As bebidas energéticas, que foi o foco deste post, também precisa administrada com moderação e racionalidade. Enfim, é simples assim!

 

Se gostou, compartilha, desde que citado a fonte: Prof. Nutr. Joelso Peralta (https://peraltanutri.blogspot.com/).