EPILEPSIA: BIOQUÍMICA, MEDICAMENTOS E DIETA
Joelso Peralta,
Nutricionista, Mestre, Doutorando.
Olá pessoal, tudo bem? Estou um tanto
enferrujado, sumido, desaparecido aqui nos posts, devido outras tarefas/compromissos
e estudos relacionados ao meu doutorado. Contudo, no Facebook (Joelso Peralta) e Instagram (@peraltanutri) consigo fazer posts
rápidos, caso queiram acompanhar. Ao mesmo tempo, gosto de “textão” e hoje
vamos falar de EPILEPSIA, especificamente sobre os mecanismos bioquímicos na
epilepsia. Existem dois momentos em que tive contato, tecnicamente falando, com
essa doença. A primeira foi em 2012, quando orientei o Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) de graduação em Nutrição da aluna Gabrielle Ferreira Gazzo. O TCC
chamava-se: “Papel Neuroprotetor da Dieta Cetogênica no Controle da Epilepsia
em Pacientes Jovens”. O segundo momento foi recentemente (03/05/2022), durante
uma disciplina de Elaboração de Artigo Científico (PPG em Farmacologia e
Terapêutica-UFRGS). Nessa ocasião, eu e outro colega apresentamos um seminário
relacionado ao seguinte artigo científico: “Um estudo sobre a atividade
convulsiva otimizada em Caenorhabditis
elegans para identificar drogas antiepilépticas e seus mecanismos de ação”.
Caenorhabditis elegans (C. elegans) é
um nematódeo (nematelminto), popularmente conhecido como lombriga, mas
falaremos deste estudo mais adiante. Dessa forma, sinto-me confortável em
abordar esse interessante assunto, porém trazendo algumas atualizações e novidades. Espero que gostem e,
se compartilhar, favor citar a fonte!
INTRODUÇÃO
Epilepsia
é uma doença em que ocorre perturbação na atividade das células nervosas,
temporárias e reversíveis, com manifestações motoras, sensitivas e/ou
psíquicas, ocorrendo na forma de crises repetidas, comumente chamadas de
ataques epilépticos, segundo o Código Internacional de Doenças (CID-10, G40).
Ou, ainda, epilepsia é um distúrbio cerebral que resulta no desenvolvimento de
redes neuronais predispostas à ocorrência e recorrência de crises epilépticas
sintomáticas.
A
epilepsia é uma das condições neurológicas mais prevalentes e acomete cerca de
50 milhões de pessoas em todo o mundo, segundo a Organização Mundial de Saúde
(OMS). Existem, atualmente, mais de 20 medicamentos antiepilépticos (AEDs, antiepileptic
drugs) aprovados para uso na doença. Todavia, estes medicamentos não
“curam” a epilepsia, mas apenas aliviam as convulsões. Estes medicamentos
também são incapazes de prevenir a epileptogênese. Segundo Alexandre Valotta da
Silva e Francisco Romero Cabral em 2008 (Ictogênese, epileptogênese e mecanismo
de ação das drogas na profilaxia e tratamento da epilepsia. J Epilepsy Clin Neurophysiol 14(Suppl
2):39-45, 2008), epileptogênese é o processo no qual um cérebro previamente assintomático
torna-se capaz de gerar crises epilépticas espontâneas. Além disso, 70% dos
pacientes respondem ao tratamento com AEDs, porém 30% restantes são refratários
aos medicamentos disponíveis. Quer dizer, existem pacientes que resistem as
melhorias clínicas ou que obtiveram resultados pouco satisfatórios, mesmo após
terem recebido o tratamento farmacológico e, até mesmo, psicossocial.
Com
base nisso, surgem as perguntas:
O
que causa epilepsia?
Qual
mecanismo bioquímico poderia explicar a epilepsia?
Como
funcionam os medicamentos antiepilépticos (AEDs, antiepileptic drugs) na
doença?
Que
relação existe entre epilepsia e dieta cetogênica?
E,
finalmente, porque estudar o verme Caenorhabditis
elegans (C. elegans) para
identificar drogas antiepilépticas?
O QUE CAUSA
EPILEPSIA?
Não
existe uma única explicação para justificar a etiologia da epilepsia, sendo,
portanto, multifatorial. Contudo, aceita-se que o mecanismo envolva um desequilíbrio
entre os sinais inibitórios e
excitatórios no sistema nervoso central (SNC). Ocorre, então, uma hiperexcitabilidade neuronal,
conduzindo as chamadas crises epilépticas. Outras causas podem ser levantadas:
dano cerebral por lesões pré-natais ou perinatais; dano cerebral em decorrência
de traumatismo na infância, adolescência ou vida adulta; anormalidades
congênitas ou malformações cerebrais; decorrente de acidentes vasculares
cerebrais (AVC), tumores cerebrais e malformações vasculares em nível cerebral;
e em decorrência de doenças metabólicas e infecciosas (meningite, encefalite e
neurocisticercose). Meningite é uma inflamação das meninges, uma membrana
protetora que reveste o cérebro e medula espinal. Encefalite é o termo
utilizado para se referir a inflamação do cérebro. Neurocisticercose é uma
parasitose que afeta o SNC, causado pela Taenia
solium (tênia da carne de porco). Até mesmo a febre alta, em uma ou outra
ocasião na vida do indivíduo, pode causar epilepsia. Enfim, como foi dito, não
existe uma única explicação para explicar a causa da epilepsia, mas aqui vamos
nos deter aos mecanismos bioquímicos.
QUAL
MECANISMO BIOQUÍMICO PODERIA EXPLICAR A EPILEPSIA?
O
impulso nervoso (IN) se propaga pelo neurônio pré-sináptico para o
pós-sináptico, onde é liberado o ácido g-aminobutírico (GABA)
pelas vesículas transportadoras. GABA é
o principal neurotransmissor (NT) inibitório do sistema nervoso central (SNC),
enquanto que glutamato (Glu) é o
principal excitatório. Para tanto, GABA é liberado na fenda sináptica, onde
se liga aos receptores ionotrópicos GABA-A do neurônio pós-sináptico, cujo
alteração conformacional do receptor causa a abertura dos canais de cloro (Cl–).
O influxo (entrada) de íons cloro dentro dos neurônios pós-sinápticos deixa o
neurônio hiperpolarizado (ou seja, demasiadamente em repouso, onde a membrana
apresenta cargas negativas no meio interno e positivas no meio externo). A hiperpolarização
faz com que a despolarização (estado estimulado) fique mais difícil de ocorrer,
o que dificulta a propagação do IN. Claro, também podemos observar abertura dos
canais de potássio (K+) no neurônio pós-sináptico, ou seja, enquanto
cloro entra (influxo), os íons potássio saem (efluxo), o que resulta em
hiperpolarização (neurônio em repouso). Certamente essa explicação, envolvendo
o GABA e canais de cloro e potássio, é a mais comum encontrada na literatura.
Todavia, vamos complicar, bioquimicamente, um pouquinho mais (rs) (AHHH, a figura acima é de autoria própria, pois gosto de montar minhas próprias ilustrações bioquímicas).
Ao
mesmo tempo, aqueles GABAs que não foram usados para exercer sua função
inibitória no SNC podem ser recaptados pelo neurônio pré-sináptico pelo
transportador-1 de GABA (GAT-1) ou podem ser capturados pelas células gliais
pelo transportador-3 de GABA (GAT-3). GABA recaptado por GAT-1 são incorporados
nas vesículas transportadoras para uso futuro, enquanto que GABA captado pelas
células gliais seguem uma rota metabólica complexa. Neste momento, pegue um
copo de água ou café, pois a explicação será longa. Vamos lá?
Quer
dizer, na célula glial, GABA é degradado em semialdeído succínico pela
transaminase do GABA (GABA-T) e, em seguida, é oxidado em succinato, que é um
componente do ciclo de Krebs (ciclo dos ácidos tricarboxílicos, ciclo TCA) na
mitocôndria. Essa reação (semialdeído succínico para succinato) é catalisada
pela succinato semialdeído desidrogenase (SSADH). Succinato poderia ser usado
no ciclo de Krebs, que tem como função produzir equivalentes reduzidos (NADH e
FADH2) com liberação de dióxido de carbono (CO2), que é
acoplado a geração de energia (adenosina trifosfato, ATP) pela cadeia oxidativa
mitocondrial transportadora de elétrons (COMTE) ou, simplesmente, cadeia
respiratória. Todavia, succinato acaba gerando a-cetoglutarato (a-KG),
que transamina para formar glutamato (Glu) por uma transaminase (aminotransferase).
O Glu, gerado pelo processo de transaminação, forma glutamina (Gln) pela
glutamina sintetase (Gln-sintetase). A Gln, então, é encaminhada ao neurônio
pré-sináptico. Peraí, pois não acabou!
Recapitulando,
GABA que adentrou na célula glial acaba gerando Glu, que forma Gln. Gln é
transportado da célula glial para o neurônio pré-sináptico, onde volta a ser
Glu pela glutaminase. Como já sabemos, GABA é inibitório, enquanto que Glu é
excitatório do SNC. Enfim, Glu é convertido em GABA pela descarboxilase do
ácido glutâmico (GAD). Ou seja, os estoques de GABA nas vesículas
transportadoras são repostas por essa interação entre a célula glial e o neurônio
pré-sináptico. Agora você já conhece a trajetória: GABA é liberado na fenda
sináptica para interagir com receptores GABA-A do neurônio pós-sináptico,
exercendo sua função inibitória do SNC.
Além
disso, existem outros receptores de GABA que merecem menção. Os neurônios
pós-sinápticos possuem apenas receptores GABA-A (que abrem canais de cloro),
enquanto que os receptores GABA-B podem ser encontrados em neurônios pré e
pós-sinápticos. Os receptores GABA-A, quando ativados, abrem canais de cloreto
(influxo de íons de cloro), causando hiperpolarização (repouso em demasia). Consequentemente,
também teremos abertura dos canais de potássio (efluxo dos íons potássio) no
neurônio pós-sináptico. Os GABA-B (metabotrópicos) estão ligados a
proteína G (ptnG) e permitem a abertura dos canais de cálcio (Ca+2)
nos neurônios pré-sinápticos e canais de potássio (K+) nos neurônios
pós-sinápticos. Os receptores GABA-B, quando ativados nos terminais
pré-sinápticos, reduzem a liberação de GABA (ou seja, uma espécie de feedback negativo ao observar excesso de
GABA na fenda sináptica). Com a abertura dos canais de potássio
(hiperpolarização, repouso), evita-se a abertura dos canais de sódio no
neurônio pré-sináptico. Peraí, creio que deu um “nó no cérebro” com tantos
canais iônicos, portanto, vamos resumir essa sinalização elétrica:
Canais de sódio e
cálcio abertos:
permitem a entrada de Na+ e Ca2+, que conduzem a
despolarização (neurônio estimulado).
Canais de potássio e
cloro abertos: permitem
a movimentação de K+ (saída) e Cl– (entrada), que resulta
em hiperpolarização (neurônio em repouso).
Portanto, os mecanismos envolvidos nas crises epilépticas (ictogênese) devem-se ao desbalanço inibitório e excitatório (GABA e Glu) e seus receptores, que estão intimamente ligados aos canais iônicos (cloro, cálcio, potássio e sódio). Uma alteração nos canais de sódio e potássio (bomba de sódio-potássio), por exemplo, pode perturbar o limiar de disparo neuronal. Não discutiremos neste post os mecanismos de ação do glutamato (Glu), um neurotransmissor excitatório do SNC. Todavia, para melhor entendimento, cabe lembrar que o receptor de glutamato pode ser de três tipos: AMPA (ácido a-amino-3-hidroxi-5-metil-4-isoxazolpropiônico), NMDA (N-metil-D-aspartato) e cainato. Ao mesmo tempo, não discutiremos os genes envolvidos na epilepsia, mas cabe destacar que genes mutados levaria as alterações dos receptores e canais iônicos. Por exemplo, o gene unc-25 codifica a proteína GAD (que converte Glu em GABA), enquanto que o gene unc-49 codifica a proteína receptora GABA-A. Mutações nestes genes, portanto, podem prejudicar a síntese proteica de GAD e GABA-A e, obviamente, desencadear uma crise epiléptica. Como foi dito, o mecanismo para explicar a epilepsia é complexo. Neste ponto da conversa, certamente você já começou a pensar como os medicamentos antiepilépticos funcionam, não é mesmo?
COMO
FUNCIONAM OS MEDICAMENTOS ANTIEPILÉPTICOS NA DOENÇA?
O
tratamento da epilepsia se baseia na administração de fármacos e dieta
cetogênica, bem como cirurgias em algumas situações. Os procedimentos
cirúrgicos não serão aqui abordados. Os fármacos antiepilépticos (AEDs, antiepileptic
drugs) vão, justamente, corrigir alguns dos problemas mencionados
anteriormente, permitindo o equilíbrio entre os sinais inibitórios e
excitatórios do SNC.
De
acordo com Richard D. Howland e Mary J. Mycek (Farmacologia Ilustrada. Porto
Alegre: ArtMed, 2007), os fármacos usados no tratamento da epilepsia podem ser “fármacos primários” (ácido valpróico,
carbamazepina, clonazepan, clorazepato, diazepan, etossuximida, fenobarbital,
fenitoína, lorazepam, oxcarbazepina e primidona) e “fármacos advujantes” (felbamato, gabapentina, lamotrigina,
levetiracetam, tiagabina, topiramato e zonisamida). Sei que existem outras
classificações, por exemplo: fármacos de
primeira geração (fenobarbital, fenitoína, brometo de potássio e ácido
valpróico), fármacos de segunda geração
(carbamazepina, valproato e benzodiazepínicos) e fármacos de terceira geração (topiramato, brivaracetam e
lacosamida). O objetivo aqui, contudo, não é apresentar os tipos de
classificação, tão pouco discutir todos os fármacos antiepilépticos existentes,
possíveis e em estudo na epilepsia. Portanto, abaixo vamos apresentar, em ordem
alfabética, algumas drogas antiepilépticas apenas para ilustrar o mecanismo de
ação discutido anteriormente.
ÁCIDO
VALPRÓICO
O
ácido valpróico (ácido-2-propilpentanóico) aumentando a transmissão GABAérgica
no SNC, embora seu mecanismo de ação não esteja totalmente elucidado. Sugere-se
que o ácido valpróico se dissocia no íon valproato no trato gastrintestinal e,
este, inibe GATA-T (transaminase). Isso aumentaria as concentrações de GABA na
fenda sináptica, pois não foi captado pela célula glial. Outros sugerem que sua
ação se deve ao bloqueio dos canais de sódio e cálcio no neurônio
pós-sináptico. Lembre-se, os canais de sódio e cálcio abertos permitem a
entrada destes íons no neurônio pós-sináptico, que conduzem a despolarização do
neurônio (estado estimulado), porém buscamos a hiperpolarização (estado de
repouso) a fim de inibir o impulso nervoso (efeito inibitório do GABA).
Lembre-se, também, que os canais de potássio e cloro abertos permitem a
movimentação destes íons (saída de potássio e entrada de cloro), que resulta em
hiperpolarização (neurônio pós-sináptico em repouso). Também se investiga sua
influência em receptores de Glu tipo NMDA (N-metil-D-aspartato), ou seja,
inibição de NMDA evitaria a ação excitatória do Glu.
CARBAMAZEPINA
A
carbamazepina (5H-dibenzo-[b,f]-azepina-5-carboxamida) bloqueia os canais de
sódio voltagem-dependente, reduzindo os potenciais de ação e estabilizando
a hiperexcitação neuronal. Em outras palavras, carbamazepina bloqueia os canais
de sódio no neurônio pré-sináptico, que resultaria em despolarização (estado
estimulado). O impulso nervoso, portanto, não vai se propagar no sentido pré
para o pós-sináptico. Além da carbamazepina, outros medicamentos exercem o
mesmo mecanismo de ação: fenitoína, oxcarbazepina, acetato de eslicarbazepina,
lamotrigina, lacosamida e zonisamida).
ETOSSUXIMIDA
Etossuximida
reduz a propagação da atividade elétrica anormal inibindo os canais de cálcio
no neurônio pós-sináptico. Como vimos, os canais de cálcio (e sódio) abertos
permitem a entrada deste íon conduzindo a despolarização do neurônio (estado
estimulado). Aliás, voltarei a falar do etossuximida no estudo com Caenorhabditis elegans (C. elegans), referido no início deste
post.
FELBAMATO
Algumas
literaturas trazem o felbamato como fármacos advujantes na epilepsia. Seu
mecanismo de ação deve-se ao bloqueio dos canais de sódio, mas também pode
existir competição com receptores de glutamato do tipo AMPA e NMDA.
Investiga-se, também, o bloqueio dos canais de cálcio pelo felbamato.
FENITOÍNA
Este
já falamos no item sobre carbamazepina, mas vale comentários adicionais. A fenitoína
(5-5-difenilmidazolidina-2,4-diona) é um fármaco de primeira escolha para
adultos com crises epilépticas tônico-clônicas (chamadas de “grande mal”), cujo
mecanismo de ação envolve o bloqueio dos canais de sódio voltagem-dependente,
reduzindo os potenciais de ação e estabilizando a hiperexcitação neuronal. Ele
se liga ao canal no estado inativo (polarizado), deixando mais lenta sua
recuperação ou evitando a despolarização (impede o estado estimulado). O
impulso nervoso do neurônio pré-sináptico em direção ao pós-sináptico,
portanto, está bloqueado. Em doses maiores, também bloqueia os canais de
cálcio.
FENOBARBITAL
O
fenobarbital (5-etil-5-fenilpirimidina-2,4,6-triona) é indicado nas crises
parciais simples e tônicas, potencializando os efeitos inibitórios do GABA
através dos receptores GABA-A. Em outras palavras, a substância barbitúrica
estimula os receptores GABA-A, permitindo o influxo de cloro no neurônio
pós-sináptico, resultando em hiperpolarização neuronal (estado de repouso, onde
o impulso nervoso está inibido). Barbitúricos e benzodiazepinas exercem esse
estímulo sobre GABA-A. Além disso, acredita-se que o fenobarbital possa inibir
a ação do Glu (que possui três tipos de receptores: AMPA, NMDA e cainato). O
Glu, como vimos, exerce ação estimulatória sobre o SNC e sua inibição é
vantajosa para reduzir as crises epilépticas. Afirma-se, também, que a droga
aumente a sinalização pós-sináptica de receptores envolvendo os canais de
cloreto (abertura dos canais de cloro), que resulta em hiperpolarização. Espera-se,
ainda, menor receptação de GABA pelo GAT-1 do neurônio pré-sináptico, ou seja,
teríamos mais GABA disponível na fenda sináptica.
GABAPENTINA
Gabapentina
(2-[1-(aminometil)-ciclohexil]-ácido acético) é um análogo estrutural do GABA, o
que também reduz as respostas excitatórias do Glu.
LAMOTRIGINA
Lamotrigina
(6-(2,3-diclorofenil)-1,2,4-triazina-3,5-diamina) bloqueia canais de sódio, mas
também suspeita-se ação sobre os canais de cálcio, ou seja, esse bloqueio não
permite a entrada dos íons cálcio e sódio no neurônio pós-sináptico, o que
evita a despolarização do neurônio (evita o estado estimulado, mantendo o
estado de repouso). Ou, se preferir, a lamotrigina inibe a despolarização da
membrana pré-sináptica glutaminérgica, o que reduz a liberação de Glu (que é um
neuroquímico excitatório).
LEVETIRACETAM
Sua
atividade antiepiléptica é um mistério, mas sugere-se bloqueio dos canais de
cálcio (despolarização bloqueada, portanto, não há propagação do impulso
nervoso no neurônio pós-sináptico). Neste caso, trata-se do mesmo mecanismo
visto com etossuximida.
OXCARBAZEPINA
Assim
como fenitoína e carbamazepina, a oxcarbazepina (10,11-diidro-10-oxo-5H-dibenzo-[b,f]-azepina-5-carbamida)
bloqueia os canais de cálcio. Releia o item sobre carbamazepina para entender.
PERAMPANEL
Trata-se
de um antagonista, não competitivo, do receptor de Glu do tipo AMPA, ou seja,
evita a excitabilidade pelo neurotransmissor glutamato.
PREGABALINA
Assim
como a gabapentina, este é um análogo sintético do GABA.
RETIGABINA
Retigabina
ou ezogabina permite a abertura dos canais de potássio. Como vimos, os canais
de potássio e cloro abertos permitem a movimentação destes íons (saída de
potássio e entrada de cloro), que resulta em hiperpolarização (neurônio
pós-sináptico em repouso).
TIAGABINA
Tiagabina
bloqueia recaptação de GABA pelos neurônios pré-sinápticos, permitindo maior
quantidade de GABA disponível para ligação com receptor GABA-A do neurônio
pós-sináptico. Em outras palavras, permite mais GABA na fenda sináptica já que
inibe GAT-1 em neurônios pré-sinápticos.
TOPIRAMATO
Topiramato
(2,3:3,5-bis-O-(1-metiletilideno)-b-D-flutopiranosa)
bloqueia canais de sódio voltagem-dependente, conduzindo a redução dos disparos
espontâneos e diminuição dos potenciais de ação. Todavia, por mecanismos
desconhecidos, topiramato também aumenta a ação GABAérgica. Estuda-se a inibição
do receptor de Glu (tipo AMPA) para justificar aumento da ação GABAérgica.
ZONISAMIDA
Já
vimos este no item sobre carbamazepina, ou seja, carbamazepina, fenitoína,
oxcarbazepina, acetato de eslicarbazepina, lamotrigina, lacosamida e zonisamida
bloqueiam os canais de sódio e cálcio, reduzindo os potenciais de ação e
estabilizando a hiperexcitação neuronal. Espera-se redução na liberação do Glu
e aumentando da função em receptores de GABA.
UFA!
Como podem notar, existem muitas drogas antiepilépticas (AEDs, antiepileptic
drugs), cujo objetivo não foi aprofundar na “bula” do medicamento, digamos
assim. Meu objetivo apresentar inúmeras AEDs para ilustrar o mecanismo de ação
da epilepsia previamente apresentado. Cabe lembrar que as AEDs apenas aliviam
as convulsões (o que é fantástico), mas não “curam” a doença (infelizmente).
Além disso, muitos efeitos adversos são documentados com o uso de um ou mais
medicamentos: náusea, vômito, anemia megaloblástica, hiperplasia gengival,
hirsutismo, ataxia, nistagmo, tremores, arritmias, queda de cabelo,
irregularidades menstruais, ganho ponderal, edema, litíase renal e alterações
na face. Neste sentido, o tratamento dietético e o papel do profissional
nutricionista são fundamentais para garantir o aporte adequado de nutrientes ao
paciente. Veremos, agora, o que sabemos sobre a dieta cetogênica na epilepsia.
QUE RELAÇÃO
EXISTE ENTRE EPILEPSIA E DIETA CETOGÊNICA?
Então,
orientar um TCC sempre foi uma atividade prazerosa para mim, especialmente
quando nos deparamos com alunos(as) dedicados(as). Orientei, em 2012, um TCC
bem legal: “Papel Neuroprotetor da Dieta Cetogênica no Controle da Epilepsia em
Pacientes Jovens”, da aluna Gabrielle Ferreira Gazzo. Este foi um excelente
exemplo de dedicação, o que resultou em um excelente trabalho. Infelizmente
deixamos passar o “trem” da publicação, mas penso em resolver isso brevemente.
Sendo assim, vamos os fatos que descobrimos no TCC.
O
tratamento dietético, baseado na dieta cetogênica (ou seja, rica em gordura e
proteína, mas pobre em carboidratos) traz melhorias em pacientes epilépticos
jovens, embora com pouco ou sem sucesso em pacientes adultos. Embora muitos
profissionais relatem benefícios da dieta cetogênica em seus pacientes jovens,
muitos não sabem explicar o mecanismo responsáveis pela melhoria de saúde em
pacientes epilépticos. Essa dúvida foi alimentando nossa curiosidade. Dessa
forma, fizemos uma revisão da literatura entre 2002-2012 (já que o TCC foi
orientado em 2012) em bases eletrônicas (Medline, Lilacs e Scielo) na busca de
respostas, bem como recorremos aos livros didáticos. O que achamos? Beleza,
continue lendo.
Primeiramente,
a dieta cetogênica é rica em lipídeos e proteínas, mas pobre em carboidratos.
Os lipídeos dietéticos, portanto, são degradados pela beta-oxidação dos ácidos
graxos a fim de fornecer energia (ATP, adenosina trifosfato), mas também geram
corpos cetônicos (cetogênese), que podem ser usados como combustíveis
alternativos aos tecidos (cetólise), incluindo o cérebro. Os corpos cetônicos
perfazem três componentes: beta-hidroxibutirato (BHB), acetoacetato e acetona. Cabe lembrar que a cetogênese é um processo
hepático e, dessa forma, seu fígado deve estar saudável. Os corpos cetônicos
circulantes (cetonemia) são encaminhados aos tecidos para oxidação (cetólise),
embora a acetona seja eliminada pela expiração (o que justifica o chamado
“hálito cetônico” ou “hálito de maçã verde”). Entre 1920 e 1930, muitos estudos
foram direcionados a dietoterapia na epilepsia com dieta cetogênica, onde foram
observadas melhorias significativas em pacientes epilépticos jovens, incluindo
redução no número de crises epilépticas. Claro, efeitos adversos também foram
relatados nestas crianças: náusea, vômito e diarreia. Porém, em 1940 surgiram algumas
drogas antiepilépticas, além da possibilidade do tratamento cirúrgico através
da leitura de imagens. Obviamente que as melhorias foram acompanhadas de muitos
efeitos adversos nestas crianças, afinal muitas drogas eram experimentais e o
tratamento cirúrgico estava começando. Porém, os estudos avançaram entre 1940 e
1970.
Na
década de 70, contudo, os estudiosos voltaram a enaltecer o tratamento da
epilepsia através da dieta cetogênica. Será que a dieta cetogênica, isolada ou
combinada com os novos medicamentos, poderia trazer melhorias significativas
aos pacientes? Neste caso, a proporção gordura:proteína era de 3:1 (três vezes
mais gordura do que proteína), enquanto que gordura:carboidrato é de 4:1
(quatro vezes mais gordura do que carboidrato). Embora as crises epilépticas
parecem ser amenizadas com a dietoterapia, a pergunta permanecia: os efeitos
benéficos observados devem-se ao excesso de lipídeos ou proteínas ou ambos?
Será que os benefícios se devem a redução dos carboidratos, simplesmente? Outros
questionamentos surgiram: um excesso proteico não poderia sobrecarregar o
fígado e rins e, até certo ponto, causar malefícios nestas crianças? Os níveis
elevados de uréia e as alterações no perfil lipídico, são problemas que merecem
atenção especial? As alterações gastrintestinais, decorrentes da cetose e acidose
metabólica, são problemas que necessitam interrupção do tratamento, afinal
estamos falando de crianças? A reduzida ingestão de carboidratos, por longos
períodos, poderia ser prejudicial ao cérebro? Como ficam as reservar
energéticas de glicogênio (hepático e muscular) com o pequeno aporte de
carboidratos nestas dietas? Enfim, muitas perguntas e poucas respostas. Também
não abordarei todas as possíveis respostas aqui, pois não é o objetivo e
deixaria nosso “textão” ainda maior.
Por
fim, nossa investigação concluiu que a melhora clínica em pacientes epilépticos
jovens estão relacionados ao BHB (beta-hidroxibutirato), um corpo cetônico,
gerado pela cetogênese hepática, em virtude do excesso de lipídeos dietéticos.
Como assim? Calma, vamos explicar: os corpos cetônicos são combustíveis
alternativos ao cérebro, como sabemos. Em recém-nascidos e crianças, a oferta de
lipídeos e a formação de corpos cetônicos poderia reverter a capacidade do SNC
em utilizar glicose em virtude de lipídeos. Considerando que em bebês, cujo a
única fonte dietética é o leite materno, rico em lipídeos, a explicação começa
a fazer sentido. Já em crianças pós-desmame, é possível que uma dieta rica em
lipídeos pudesse “ativar” as formas primitivas do metabolismo infantil para
utilização preferencial de lipídeos e corpos cetônicos.
Claro,
nosso estudo possui limitações. Quer dizer, nosso estudo é uma revisão da
literatura e não testou experimentalmente qualquer marcador. Portanto, formulamos
perguntas de pesquisa e hipóteses. Todavia, as hipóteses, em ciência, precisam
ser testadas experimentalmente em modelos animais e humanos, o que não foi o
objeto deste TCC. De qualquer forma, nosso estudo também possui pontos fortes.
Ou seja, conseguiu explicar, pela primeira vez, qual o possível mecanismo para
justificar as melhorias clínicas em pacientes epilépticos jovens submetidos à dieta
cetogênica.
Agora,
vamos a última pergunta, lembra?
PORQUE
ESTUDAR O VERME CAENORHABDITIS ELEGANS (C. ELEGANS) PARA IDENTIFICAR DROGAS
ANTIEPILÉPTICAS?
Um
estudo publicado Shi Quan Wong et al., em 2018 (A Caenorhabditis elegans assay of seizure-like activity optmised for
identifying antiepileptic drugs and their mechanisms of action. Journal of Neuroscience Methods 309:
132-142, 2018) pode nos responder essa pergunta. Trata-se de um estudo
experimental que visava estudar a atividade convulsiva em Caenorhabditis elegans para identificar drogas antiepilépticas e
seus possíveis mecanismos de ação.
OK,
mas o que é Caenorhabditis elegans?
C. elegans é um nematódeo (nematelminto) do filo Nemathelminthes,
popularmente conhecido como lombrigas. O “verme tipo minhoca”, transparente,
com 1 mm de comprimento, hermafrodita, que vive em ambiente temperado, tem aparecido
com frequência nos estudos. Os modelos tradicionais para o estudo da epilepsia são
ratos, camundongos, mosca-da-flor (Drosophila
melanogaster) e Zebrafish (peixe zebra ou peixe de água doce). Todavia, o
uso de C. elegans nos estudos
apresenta algumas vantagens: possui apenas 1500 sinapses, 302
neurônios e não possui sistema circulatório ou respiratório. Além disso, C. elegans tem um curto tempo de
geração (3 dias) e vida útil (3 semanas). É altamente tratável/modificável geneticamente
e, por fim, permite estudos de baixo custo com ausência de regulamentação
ética. Claro, também existem desvantagens: não podemos facilmente extrapolar
dados, especialmente para seres humanos, afinal são vermes, lombrigas.
Resumidamente, o que estudo de Shi Quan Wong et
al. (2018) fez foi induzir convulsão (na realidade, induzir movimentos de cabeça
ou cabeçadas; e de corpo inteiro, tipo extensão e retração) em C. elegans (cerca de 30 vermes por
experimento) com o uso de pentilenotetrazol (PTZ, 7 mg/ml, já que os vermes
foram protocolados em placas). O PTZ é um estimulador do SNC, considerado
antagonista não competitivo do GABA. Quer dizer, PTZ é um agente convulsivo
amplamente utilizado em modelos animais para investigações envolvendo crises
convulsivas. Eu não diria, contudo, que os vermes tiveram epilepsia, mas, sim, “atividades
semelhantes à convulsão”.
Os pesquisadores foram mais longe, pois
modificaram geneticamente C. elegans
para obter cepas mutadas nos genes unc-25 (que codifica GAD, descarboxilase do ácido
glutâmico, enzima que converte glutamato em GABA), und-43 (que codifica a
proteína quinase dependente de cálcio-calmodulina, CaMKII, que um papel na excitação-contração,
biogênese mitocondrial, expressão de GLUT-4, modificação de histona, entre
outras) e unc-49 (que codifica o receptor ionotrópico GABA-A). Neste estudo, os
vermes mutados para o gene unc-49 (relacionado ao GABA-A) apresentaram a maior incidência
de “atividades semelhantes à convulsão”. Interessante este estudo, pois o gene
unc-49 também codifica GABA-A em humanos.
Em seguida, os vermes foram expostos a etossuximida
(4 mg/ml), fármacos antiepilético que estudamos anteriormente. Etossuximida
bloqueia os canais de cálcio no neurônio pós-sináptico e, dessa forma, inibe a
convulsão. Aliás, a supressão completa do que poderíamos chamar de convulsão
foi atingida em 2 horas de exposição com etossuximida. Os pesquisadores ainda
compararam etossuximida com succinimida (substância inerte, quimicamente
semelhante ao fármaco mencionado). Dessa forma, mostraram que succinimida não
protege contra convulsão induzida por PTZ, enquanto que etossuximida reverte
convulsão.
Interessante, mas o que podemos concluir?
Primeiro, estudo com C. elegans são
promissores, especialmente pela simplicidade do verme e facilidade de
manipulação genética.
Segundo, é promissor o uso de C. elegans para o desenvolvimento de novos
medicamentos antiepilépticos (AEDs), já que o custo é baixo e dispensa regulamentação
ética (pelo menos até o momento) quando comparado aos modelos convencionais de
roedores.
Terceiro, não podemos extrapolar dados, pois
embora unc-49 codifique o receptor GABA-A (que também ocorre em humanos), o C. elegans não possui canais de cloro. Além
disso, a identificação/classificação de “convulsão” no verme é muito subjetiva.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Na
epilepsia há um desequilíbrio entre os sinais inibitórios e excitatórios no SNC
e, dessa forma, ocorre hiperexcitabilidade neuronal, conduzindo as chamadas
crises epilépticas. Esses desequilíbrios devem-se aos desajustes na biossíntese
de GABA e acúmulo de Glu. Ao mesmo tempo, uma alteração no gene unc-25
prejudica a síntese da enzima GAD, levando a acúmulo de Glu (neuroquímica
excitatório) e redução de GABA (neuroquímica inibitório). Em mamíferos, as
alterações em GABA-A estão associadas a mutação no gene unc-49, que codifica o
receptor. Outra possibilidade para explicar a epilepsia é a excessiva recaptação
de GABA da fenda sináptica para o neurônio pré-sináptico através do GAT-1. Muitos
estudos apontam a disfunção do receptor GABA-A, envolvido com a abertura dos
canais de cloro, como um dos principais problemas na epilepsia. De qualquer
forma, muitas drogas antiepilépticas têm sido estudadas na doença, cujo o
mecanismo de ação se direciona para diferentes caminhos metabólicos (farmacodinâmica).
Em alguns casos especiais, a dieta cetogênica parece trazer benefícios em
pacientes jovens. O mecanismo de ação parece envolver o BHB, que é um corpo
cetônico estruturalmente semelhante ao GABA. Dessa forma, BHB poderia
desempenhar as funções do GABA, assim como alguns análogos sintéticos
atualmente (gabapentina e pregabalina). Por outro lado, BHB e acetoacetato são
ácidos e podem alterar o tamponamento celular em algumas crianças, reduzindo o
pH do sangue e resultando em acidose metabólica e desnaturação proteica. Enfim,
são inúmeras as possibilidades de pergunta, hipótese e pesquisa para melhor
auxiliar os pacientes epilépticos. Espero que a leitura tenha sido
agradável e, se compartilhar, favor citar a fonte!