quinta-feira, 25 de novembro de 2021

DOENÇA DE ALZHEIMER

 


DOENÇA DE ALZHEIMER

 As doenças neurodegenerativas são caracterizadas por lesões e morte de neurônios, de forma progressiva e irreversível, incapacitando determinadas funções do sistema nervoso, que é acompanhada com prejuízos na vida de relação das pessoas. Entre as doenças neurodegenerativas, podemos citar: doença de Alzheimer (DALZ), doença de Parkinson (DPARK), Demência com Corpos de Lewy (DCL), Demência Frontotemporal (DFT), Esclerose Múltipla (EM), Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) e doença de Huntington (DH). Hoje, vamos nos deter a DALZ que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), afeta 35,6 milhões de pessoas em todo o mundo e estima-se que o número tende a dobrar até 2030. No Brasil, os números podem chegar a 1,2 milhões de pessoas.

Mas, afinal, o que é a doença de Alzheimer (DALZ)?

A DALZ foi descoberta, em 1906, pelo psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer (Aloysius Alzheimer, 1864-1915) e trata-se de uma doença neurodegenerativa e progressiva do sistema nervoso central (SNC), onde observa-se a redução do volume cerebral e na quantidade de neurônios, bem como prejuízo nas sinapses entre as células nervosas. A DALZ é mais comum em pessoas acima dos 65 anos de idade e, embora não tenha cura, existem vários tratamentos capazes de alterar o curso da doença, como veremos mais adiante.   

Quais são os sintomas da DALZ?

Antes de falarmos dos principais sinais e sintomas da doença, vejamos alguns famosos que tiveram Alzheimer: ator Gene Wilder (1933-2016), que interpretou Willie Wonka da "A Fantástica Fábrica de Chocolate" de 1971; o ator Charles Bronson (1921-2003), que fez sucesso como "durões" em filmes de faroeste; e o ex-presidente dos EUA Ronald Reagan (1911-2004), tendo sido o 40º presidente dos EUA (1981-1989).

Na DALZ ocorre deterioração das funções cerebrais e o paciente evolui para demência, ou seja, deterioração das capacidades intelectuais, que incluem a perda de memória e desorientação, a dificuldade de linguagem (falada e escrita), as alterações de comportamento e a incapacidade de cuidar de si próprio. A perda de memória acaba sendo uma característica bastante triste, pois o paciente com DALZ acaba esquecendo de fatos recentes (Onde está a chave do carro? Onde deixei o lápis que estava aqui? Será que já tomei café da manhã?), enquanto que no avançar da doença, não lembra mais quem são seus filhos, parentes e amigos. Por vezes, o paciente com DALZ não consegue completar uma frase inteira ou apresenta frases sem quaisquer conexões.

O que causa a DALZ?

Como causa, destacam-se a predisposição genética, incluindo mutações nos genes da proteína percursora amiloide (APP) e na presenilina 1 e 2 (PSEN1/2); e o acúmulo de placas extracelulares “pegajosas”, ou seja, presença do peptídeo beta-amilóide (Aβ). Todavia, nas bases moleculares da doença também existem outras hipóteses: disfunção colinérgica (envolvendo a acetilcolina) e glutaminérgica (referente ao glutamato), bem como presença de emaranhados intracelulares ou agregados fibrilas intracelulares, originários da proteína Tau hiperfosforilada. Alguns trabalhos, inclusive, sugerem que o acúmulo de beta-amilóide (Aβ) seria um ativador da hiperfosforilação da proteína Tau.

Em resumo, os fragmentos proteicos tóxicos ocupam os neurônios e espaços entre eles, causando perda das funções neuronais no hipocampo e córtex cerebral. Alguns estudiosos sugerem que a deposição Aβ ocorre no início da DALZ, enquanto que os agregados da Tau ocorrem no decorre e final da doença. De qualquer forma, parece existir forte relação entre estas alterações, que resultam nas lesões cerebrais na doença.

Qual relação existe entre o sistema imunológico e DALZ?

Este é um questionamento interessante, pois o sistema imunológico (SI) nas doenças neurodegenerativas, incluindo a DALZ, sempre foi deixada em segundo plano ou considerada como secundária à doença. Uma grande parcela dos estudos explorava o acúmulo do peptídeo b-amilóide (Ab) e da proteína Tau, bem como os sintomas e possíveis tratamentos na DALZ. Porém, especialmente a partir dos anos 2000, começaram a “explodir” diversos estudos destacando o sistema imune (SI) como o “ator central” no início e na progressão das doenças neurodegenerativas e DALZ. Aliás, em uma busca simples no PubMed, usando como descritores "Alzheimer disease and immune system" (doença de Alzheimer e sistema imunológico) aparecem 4.430 estudos. Se usarmos um filtro de 10 anos (2011-2021) no PubMed, aparecem 2.663 estudos. De fato, as doenças neurodegenerativas envolvem uma complexidade de interações imunológicas, genéticas e de danos neurais, que resultam em fenótipos cognitivos debilitantes. Atualmente podemos encontrar inúmeros estudos sobre microbiota intestinal e DALZ, que são achados fantásticos, embora de bastante complexos e, portanto, deixaremos este assunto para outro post.

E, falando em sistema imune (SI) e DALZ, vamos dar uma atenção especial a micróglia. As micróglias são células imunológicas cerebrais, cujo principal função é inspecionar o microambiente local e responder a lesões pela liberação de moléculas pró-inflamatórias (citocinas) e fagocitar patógenos e células mortas (células apoptóticas). Em condições fisiológicas, as micróglias mantêm a homeostase local. Porém, na doença, as micróglias mudam sua morfologia e estão envolvidos na resposta inflamatória persistente (neuroinflamação) e lesões degenerativas (neurodegeneração).

Como assim, professor?

Perfeito, acho que precisamos “mastigar” um pouco mais essa temática para não deixar nenhum “grão” no prato, por assim dizer. Sendo assim, vamos lá.

A micróglia em repouso (M0), em sua forma com ramificações, possui receptores do tipo toll-like (TLRs), que é um exemplo de receptores de reconhecimento de padrão (PRRs, pattern recognition receptors). Ou seja, os TLRs nas micróglias reconhecem padrões moleculares associados a patógenos (PAMPS, pathogen-associated molecular pattern) e padrões moleculares associados a danos (DAMPS, damage-associated molecular pattern). Por vezes, a sigla PAMPS pode ser substituída por padrões moleculares de reconhecimento de microorganismos (MAMPS), dependendo da fonte consultada. Os PAMPS (ou MAMPS) podem ser vírus (contendo DNA ou RNA), bactérias (contendo lipopolissacarídeos ou LPS, que são endotoxinas das bactérias gram-negativas, como Escherichia coli; e glicolipídeos, glicoproteínas e peptidoglicanos das bactérias gram-positivas, como Staphylococcus aureus) e fungos (contém zimosan, como Candida albicans). Já os DAMPS são substâncias endógenas produzidas ou liberadas por células danificadas ou mortas (células apoptóticas).

Pois bem, após o reconhecimento de PAMPS/DAMPS, as micróglias (M0) sofrem alterações fenotípicas para micróglias do tipo M1 (que são pró-inflamatórias e citotóxicas) ou tipo M2 (que são anti-inflamatórias e neuroprotetoras), ambas com forma ameboide (e não mais ramificada). A micróglia (M1), cronicamente ativada, libera citocinas pró-inflamatórias e espécies reativas de oxigênio (ROS, reactive oxygen species). Entre as citocinas liberadas pela micróglia do tipo M1 podemos citar: interleucina-1b (IL-1b), interleucina-6 (IL-6), interleucina-18 (IL-18) e fator de necrose tumoral-a (TNFa). Já entre as ROS, podemos citar: radical superóxido (O2-·), peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical livre hidroxil (OH·). A micróglia M2, por sua vez, libera interleucina-10 (IL-10), que é um inibidor da micróglia M1, o que justifica seu papel anti-inflamatório e neuroprotetor.

Quer dizer, os patógenos que porventura consigam invadir o sistema nervoso central (SNC) são atacados por micróglias (M1) e astrócitos (outro tipo de célula no SNC) ativados, que exercem funções neuroprotetoras e reparadoras neste microambiente. Além disso, os linfócitos T (células imunes periféricas) também podem ser recrutadas para atuar contra os patógenos.

Beleza, mas se micróglias, astrócitos e até linfócitos T atacam patógenos e protegem nosso cérebro, como justificar as doenças neurodegenerativas e a neuroinflamação?

Pois bem, vamos as problemáticas. Os depósitos de b-amilóide (Aβ), mencionados anteriormente, ativam as micróglias. As micróglias, então, fagocitam peptídeos Aβ e liberam substâncias tóxicas associadas a morte neuronal. Além disso, a micróglia também possui receptor de ligação b do tipo 1 e 2 (TGFBR1/2) para o fator de crescimento transformante-β (TGFβ), que é uma citocina neuroprotetora. Quer dizer, TGFβ regula a neurogênese, gliogênese, mielinização e sinapse, bem como reduz a placa amilóide e evita a morte neuronal. Todavia, em algumas doenças neurodegenerativas, como a DALZ, os receptores de TGFβ (chamados de TGFBR1/2), encontrados na superfície celular de neurônios e micróglia, não reconhecem TGFβ e, dessa forma, perde-se o efeito neuroprotetor desta citocina.

Uau, não é mesmo? Porém, ainda não acabou.

As micróglias também possuem um receptor chamado receptor transmembrânico expresso em células mieloides 2 (TREM2). A inibição ou mutação de TREM2 diminui o número de micróglias, aumenta a quantidade de proteína Tau e parece estar envolvida no envelhecimento. Ao mesmo tempo, dependendo o ligante, a ativação do TREM2 resulta em ativação exacerbada do fator nuclear kappa B (NFkB), que responde com sinalização inflamatória persistente. A expressão da enzima indoleamina-2,3-deoxigenase (IDO) também é observada na micróglia. Quer dizer, esta enzima (IDO) está envolvida no catabolismo do aminoácido triptofano (TRP) para formar quinurerina. A quinurenina é um metabólito do aminoácido TRP usado na produção de niacina (vitamina B3). Em mamíferos, apenas 5% do TRP é catabolizado através da via da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT), pois a grande maioria do TRP é metabolizada na via da quinurerina. Pois bem, os metabólitos do TRP induzem a apoptose em células vizinhas (formam-se células apoptóticas). Essa pode ser considerada uma barreira imunológica que protege o SNC, desde que não exagerada (afinal, não queremos “morte” exagerada de células nervosas). No exercício e no esporte, como sabemos, o excesso de quinurenina e ácido quinurínico no cérebro de roedores estão implicados com a fadiga central (já fiz um debate sobre os BCAAs – aminoácidos de cadeia ramificada –, triptofano, quinureninas e fadiga central neste Blog).

E os astrócitos, professor?

Buenas, podemos falar rapidamente sobre eles.

Os astrócitos são células do tipo neuroglia (neuróglia, células da glia ou, simplesmente, glia), que são células do sistema nervoso central (SNC) que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios. Os astrócitos são os tipos celulares mais abundantes no SNC (50% do número total de células do SNC). Pois bem, os astrócitos expressam receptores que são membros do fator de necrose tumoral (TNF), envolvidos na regulação da morte celular. Quer dizer, astrócitos expressam o ligante FasL, que interagem com Fas (também chamado de CD95 ou Apo-1 ou TNFRSF6) em linfócitos T autoativos, resultando em apoptose dos linfócitos que poderiam ser potencialmente danosos ao SNC. Em outras palavras, a morte mediada pela interação Fas-FasL garante a homeostase imunológica, “eliminando” uma resposta exacerbada dos linfócitos no SNC. Outros autores dizem que os astrócitos desempenham um papel de barreira sangue-cérebro (evitando a entrada de moléculas grandes, como os anticorpos e o sistema do complemento) e, consequentemente, modulando a resposta imune inflamatória. As células da glia também liberam o fator neurotrófico derivado do cérebro (BNDF), envolvido na neuroplasticidade. Astrócitos também liberam o fator de crescimento transformante-β (TGFβ), que é uma citocina neuroprotetora, como já discutido. Por fim, em condições normais o SNC é anti-inflamatório (protegido por IL-10 e TGFb, por exemplo) e as citocinas pró-inflamatórias estão presentes em condições basais. Porém, durante um estado inflamatório exacerbado, como na doença, um excesso de citocinas e ROS prejudicam o SNC, o que também compromete o funcionamento dos astrócitos. Aliás, a função dos astrócitos também está comprometida no envelhecimento, o que poderia justificar o avanço das doenças neurodegenerativas com a idade avançada.

Qual tratamento da DALZ?

O tratamento na DALZ é baseado na intervenção farmacológica e não farmacológica. Na farmacológica, destaca-se os inibidores da acetilcolinesterase (AChE), os antagonistas de receptores de N-metil-D-aspartato (NMDA), os agentes quelantes de metais e a terapia de suporte (ou seja, uso de fármacos específicos para tratar outros distúrbios neuropsiquiátricos, como a depressão, mas usados também no Alzheimer). Não pretendo apresentar e discutir aqui os diferentes tipos de medicamentos na terapêutica da DALZ, onde podem encontrar maiores detalhes nas referências bibliográficas após o texto.

Quanto aos recursos não farmacológicos podemos citar a terapia com música (musicoterapia) e com animais (pet terapia) e a fonoaudiologia (essencial para preservar a comunicação, fala, leitura, mastigação e deglutição). Na realidade, a terapia comportamental e ocupacional é muito abrangente e útil no Alzheimer.

E a Nutrição, professor e nutricionista, não é uma estratégia viável de tratamento na DALZ?

Sim, com certeza. A nutrição é um campo fértil de estudo na DALZ. Existem estudos sobre a vitamina E e C, quercetina, coenzima Q10, ácido lipóico, resveratrol, curcuma/curcumina, beta-glucana, lactoferrina, probióticos e ácido docosahexaenoico (DHA, que é um ácido graxo ômega-3). Quanto ao DHA, por exemplo, parece que ameniza o Alzheimer por inibição da apoproteína E4 (ApoE4), que é um fator de risco para DALZ. Novamente, para maiores detalhes seguem as referências ao final do texto.

E as novidades na terapêutica da DALZ?

Sim, também existem novidades. Recentemente foi divulgada uma vacina contra a DALZ, sendo a primeira vacina para testes clínicos em humanos (leia: https://canaltech.com.br/saude/por-que-o-brasil-e-o-unico-a-adotar-a-terceira-dose-da-vacina-da-janssen-202258/). A vacina chamada ALZ-101, da empresa sueca Alzinova, faz parte de um estudo randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, com 26 voluntários diagnosticados no estágio inicial da doença. Essa vacina carregaria anticorpos sintéticos, que miram uma proteína tóxica chamada beta-amilóide (Ab), que se acumula nos neurônios e ao seu redor. Algum tempo atrás também tinha sido anunciado uma nova vacina nasal para prevenir e retardar a progressão da DALZ (leia: https://www.brighamandwomens.org/about-bwh/newsroom/press-releases-detail?id=4029). Neste caso, o Brigham and Women’s Hospital, em Massachusetts, nos EUA, haviam anunciado uma vacina nasal. A vacina nasal usaria um modulador imunológico chamado protolina, derivado de bactérias, capaz de ativas leucócitos em linfonodos nas regiões do pescoço, que migrariam até regiões cerebrais para degradar a beta-amilóide (Ab).

Referências:

Alzheimer’s disease – The Lancet. Disponível em: https://www.thelancet.com/clinical/diseases/alzheimers-disease#:~:text=Alzheimer%27s%20disease%2C%20the%20most%20prevalent%20cause%20of%20dementia%2C,causality%20as%20proposed%20in%20the%20original%20amyloid%20hypothesis.

Anna De Falco et al. Doença de Alzheimer: hipóteses etiológicas e perspectivas de tratamento. Quím Nova 39(1): 63-80, 2016.

Can you recognize the warning signs of Alzheimer’s disease? – Harvard Health Publishing. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/can-you-recognize-the-warning-signs-of-alzheimers-disease#:~:text=Wandering%2C%20becoming%20agitated%2C%20hiding%20things%2C%20wearing%20too%20few,if%20a%20person%20hasn%27t%20behaved%20that%20way%20earlier.

Cody M. Wolfe et al. The Role of APOE and TREM2 in Alzheimer’s Disease - Current Understanding and Perspectives. International Journal of Molecular Sciences.

Instituto Alzheimer Brasil (www.institutoalzheimerbrasil.org.br). Disponível em:  https://www.institutoalzheimerbrasil.org.br/epidemiologia/?pag=epidemiologia/

 Luca Muzio et al. Microglia in neuroinflammation and neurodegeneration: from understanding to therapy. Frontiers in Neuroscience 15:742065, 2021.

Rhonda P. Patrick. Role of phosphatidylcholine-DHA in preventing APOE4-associated Alzheimer's disease. FASEB J 33(2):1554-1564, 2019.

Stages of Alzheimer’s – Alzheimer’s Association. Disponível em: https://www.alz.org/alzheimers-dementia/stages#:~:text=Alzheimer%E2%80%99s%20disease%20typically%20progresses%20slowly%20in%20three%20general,%E2%80%94%20or%20progress%20through%20the%20stages%20%E2%80%94%20differently.

Timothy R. Hammond et al. Immune Signaling in Neurodegeneration. Immunity 50: 955-974, 2019.

Vacina do Alzheimer. Disponível em: https://canaltech.com.br/saude/por-que-o-brasil-e-o-unico-a-adotar-a-terceira-dose-da-vacina-da-janssen-202258/

Vacina nasal no Alzheimer. Disponível em: https://www.brighamandwomens.org/about-bwh/newsroom/press-releases-detail?id=4029

What Are the Signs of Alzheimer’s Disease? – National Institutes of Health (NIH). Disponível em: https://www.nia.nih.gov/health/what-alzheimers-disease#:~:text=Memory%20problems%20are%20typically%20one%20of%20the%20first,signal%20the%20very%20early%20stages%20of%20Alzheimer%E2%80%99s%20disease.