DOENÇA DE ALZHEIMER
Mas, afinal, o que é a doença de Alzheimer (DALZ)?
A DALZ foi descoberta, em 1906, pelo
psiquiatra e neuropatologista alemão Alois Alzheimer (Aloysius Alzheimer,
1864-1915) e trata-se de uma doença neurodegenerativa e progressiva do sistema
nervoso central (SNC), onde observa-se a redução do volume cerebral e na
quantidade de neurônios, bem como prejuízo nas sinapses entre as células
nervosas. A DALZ é mais comum em pessoas acima dos 65 anos de idade e, embora
não tenha cura, existem vários tratamentos capazes de alterar o curso da
doença, como veremos mais adiante.
Quais são os sintomas da DALZ?
Antes de falarmos dos principais
sinais e sintomas da doença, vejamos alguns famosos que tiveram Alzheimer: ator
Gene Wilder (1933-2016), que interpretou Willie Wonka da "A Fantástica
Fábrica de Chocolate" de 1971; o ator Charles Bronson (1921-2003), que fez
sucesso como "durões" em filmes de faroeste; e o ex-presidente dos
EUA Ronald Reagan (1911-2004), tendo sido o 40º presidente dos EUA (1981-1989).
Na DALZ ocorre deterioração das
funções cerebrais e o paciente evolui para demência, ou seja, deterioração das
capacidades intelectuais, que incluem a perda de memória e desorientação, a dificuldade
de linguagem (falada e escrita), as alterações de comportamento e a incapacidade
de cuidar de si próprio. A perda de memória acaba sendo uma característica
bastante triste, pois o paciente com DALZ acaba esquecendo de fatos recentes
(Onde está a chave do carro? Onde deixei o lápis que estava aqui? Será que já
tomei café da manhã?), enquanto que no avançar da doença, não lembra mais quem
são seus filhos, parentes e amigos. Por vezes, o paciente com DALZ não consegue
completar uma frase inteira ou apresenta frases sem quaisquer conexões.
O que causa a DALZ?
Como causa, destacam-se a
predisposição genética, incluindo mutações nos genes da proteína percursora amiloide
(APP) e na presenilina 1 e 2 (PSEN1/2); e o acúmulo de placas extracelulares
“pegajosas”, ou seja, presença do peptídeo beta-amilóide (Aβ). Todavia, nas bases
moleculares da doença também existem outras hipóteses: disfunção colinérgica
(envolvendo a acetilcolina) e glutaminérgica (referente ao glutamato), bem como
presença de emaranhados intracelulares ou agregados fibrilas intracelulares,
originários da proteína Tau hiperfosforilada. Alguns trabalhos, inclusive,
sugerem que o acúmulo de beta-amilóide (Aβ) seria um ativador da
hiperfosforilação da proteína Tau.
Em resumo, os fragmentos proteicos
tóxicos ocupam os neurônios e espaços entre eles, causando perda das funções
neuronais no hipocampo e córtex cerebral. Alguns estudiosos sugerem que a
deposição Aβ ocorre no início da DALZ, enquanto que os agregados da Tau ocorrem
no decorre e final da doença. De qualquer forma, parece existir forte relação
entre estas alterações, que resultam nas lesões cerebrais na doença.
Qual relação existe entre o sistema imunológico e DALZ?
Este é um questionamento
interessante, pois o sistema imunológico (SI) nas doenças neurodegenerativas,
incluindo a DALZ, sempre foi deixada em segundo plano ou considerada como
secundária à doença. Uma grande parcela dos estudos explorava o acúmulo do
peptídeo b-amilóide (Ab) e da proteína Tau, bem como os sintomas
e possíveis tratamentos na DALZ. Porém, especialmente a partir dos anos 2000,
começaram a “explodir” diversos estudos destacando o sistema imune (SI) como o
“ator central” no início e na progressão das doenças neurodegenerativas e DALZ.
Aliás, em uma busca simples no PubMed, usando como descritores "Alzheimer
disease and immune system" (doença de Alzheimer e sistema imunológico) aparecem
4.430 estudos. Se usarmos um filtro de 10 anos (2011-2021) no PubMed, aparecem
2.663 estudos. De fato, as doenças
neurodegenerativas envolvem uma complexidade de interações imunológicas,
genéticas e de danos neurais, que resultam em fenótipos cognitivos
debilitantes. Atualmente podemos encontrar inúmeros estudos sobre microbiota
intestinal e DALZ, que são achados fantásticos, embora de bastante complexos e,
portanto, deixaremos este assunto para outro post.
E, falando em sistema
imune (SI) e DALZ, vamos dar uma atenção especial a micróglia. As micróglias são
células imunológicas cerebrais, cujo principal função é inspecionar o
microambiente local e responder a lesões pela liberação de moléculas
pró-inflamatórias (citocinas) e fagocitar patógenos e células mortas (células apoptóticas).
Em condições fisiológicas, as micróglias mantêm a homeostase local. Porém, na
doença, as micróglias mudam sua morfologia e estão envolvidos na resposta
inflamatória persistente (neuroinflamação) e lesões degenerativas
(neurodegeneração).
Como assim, professor?
Perfeito, acho que precisamos “mastigar” um pouco mais essa temática
para não deixar nenhum “grão” no prato, por assim dizer. Sendo assim, vamos lá.
A micróglia em repouso (M0), em sua forma com ramificações, possui receptores
do tipo toll-like (TLRs), que é um
exemplo de receptores de reconhecimento de padrão (PRRs, pattern recognition receptors). Ou seja, os TLRs
nas micróglias reconhecem padrões moleculares associados a patógenos (PAMPS, pathogen-associated
molecular pattern) e padrões moleculares
associados a danos (DAMPS, damage-associated molecular
pattern). Por vezes, a sigla PAMPS pode ser substituída por
padrões moleculares de reconhecimento de microorganismos (MAMPS), dependendo da
fonte consultada. Os PAMPS (ou MAMPS) podem ser vírus (contendo DNA ou RNA),
bactérias (contendo lipopolissacarídeos ou LPS, que são endotoxinas das
bactérias gram-negativas, como Escherichia
coli; e glicolipídeos, glicoproteínas e peptidoglicanos das bactérias
gram-positivas, como Staphylococcus
aureus) e fungos (contém zimosan, como Candida
albicans). Já os DAMPS são substâncias endógenas produzidas ou liberadas
por células danificadas ou mortas (células apoptóticas).
Pois bem, após o reconhecimento de PAMPS/DAMPS,
as micróglias (M0) sofrem alterações fenotípicas para micróglias do tipo M1
(que são pró-inflamatórias e citotóxicas) ou tipo M2 (que são anti-inflamatórias
e neuroprotetoras), ambas com forma ameboide (e não mais ramificada). A
micróglia (M1), cronicamente ativada, libera citocinas pró-inflamatórias e
espécies reativas de oxigênio (ROS, reactive
oxygen species). Entre as citocinas liberadas pela micróglia do tipo M1 podemos
citar: interleucina-1b (IL-1b), interleucina-6 (IL-6), interleucina-18
(IL-18) e fator de necrose tumoral-a (TNFa). Já entre as ROS, podemos citar: radical superóxido (O2-·),
peróxido de hidrogênio (H2O2) e radical livre hidroxil (OH·).
A micróglia M2, por
sua vez, libera interleucina-10 (IL-10), que é um inibidor da micróglia M1, o
que justifica seu papel anti-inflamatório e neuroprotetor.
Quer dizer, os patógenos que porventura consigam invadir o
sistema nervoso central (SNC) são atacados por micróglias (M1) e astrócitos (outro
tipo de célula no SNC) ativados, que exercem funções neuroprotetoras e
reparadoras neste microambiente. Além disso, os linfócitos T (células imunes
periféricas) também podem ser recrutadas para atuar contra os patógenos.
Beleza, mas se micróglias, astrócitos e até linfócitos T atacam
patógenos e protegem nosso cérebro, como justificar as doenças
neurodegenerativas e a neuroinflamação?
Pois bem, vamos as problemáticas. Os depósitos de b-amilóide (Aβ), mencionados
anteriormente, ativam as micróglias. As micróglias, então, fagocitam peptídeos Aβ
e liberam substâncias tóxicas associadas a morte neuronal. Além disso, a micróglia
também possui receptor de ligação b do tipo 1 e 2
(TGFBR1/2) para o fator de crescimento transformante-β (TGFβ), que é uma citocina
neuroprotetora. Quer dizer, TGFβ regula a neurogênese, gliogênese, mielinização
e sinapse, bem como reduz a placa amilóide e evita a morte neuronal. Todavia,
em algumas doenças neurodegenerativas, como a DALZ, os receptores de TGFβ
(chamados de TGFBR1/2), encontrados na superfície celular de neurônios e
micróglia, não reconhecem TGFβ e, dessa forma, perde-se o efeito neuroprotetor
desta citocina.
Uau, não é mesmo? Porém, ainda não acabou.
As micróglias também possuem um receptor
chamado receptor transmembrânico expresso em células mieloides 2 (TREM2). A
inibição ou mutação de TREM2 diminui o número de micróglias, aumenta a
quantidade de proteína Tau e parece estar envolvida no envelhecimento. Ao mesmo
tempo, dependendo o ligante, a ativação do TREM2 resulta em ativação exacerbada
do fator nuclear kappa B (NFkB), que responde
com sinalização inflamatória persistente. A expressão da enzima indoleamina-2,3-deoxigenase
(IDO) também é observada na micróglia. Quer dizer, esta enzima (IDO) está envolvida
no catabolismo do aminoácido triptofano (TRP) para formar quinurerina. A
quinurenina é um metabólito
do aminoácido TRP usado na produção de niacina (vitamina B3). Em mamíferos, apenas
5% do TRP é catabolizado através da via da serotonina (5-hidroxitriptamina ou 5-HT),
pois a grande maioria do TRP é metabolizada na via da quinurerina. Pois bem, os
metabólitos do TRP induzem a apoptose em células vizinhas (formam-se células
apoptóticas). Essa pode ser considerada uma barreira imunológica que protege o
SNC, desde que não exagerada (afinal, não queremos “morte” exagerada de células
nervosas). No exercício e no esporte, como sabemos, o excesso de quinurenina e
ácido quinurínico no cérebro de roedores estão implicados com a fadiga central
(já fiz um debate sobre os BCAAs – aminoácidos de cadeia ramificada –,
triptofano, quinureninas e fadiga central neste Blog).
E os astrócitos, professor?
Buenas, podemos falar rapidamente
sobre eles.
Os astrócitos são células do tipo neuroglia (neuróglia,
células da glia ou, simplesmente, glia), que são células do sistema nervoso central
(SNC) que proporcionam suporte e nutrição aos neurônios. Os astrócitos são os
tipos celulares mais abundantes no SNC (50% do número total de células do SNC).
Pois bem, os astrócitos expressam
receptores que são membros do fator de necrose tumoral (TNF), envolvidos na
regulação da morte celular. Quer dizer, astrócitos expressam o ligante FasL,
que interagem com Fas (também chamado de CD95 ou Apo-1 ou TNFRSF6) em
linfócitos T autoativos, resultando em apoptose dos linfócitos que poderiam ser
potencialmente danosos ao SNC. Em outras palavras, a morte mediada pela
interação Fas-FasL garante a homeostase imunológica, “eliminando” uma resposta
exacerbada dos linfócitos no SNC. Outros autores dizem que os astrócitos
desempenham um papel de barreira sangue-cérebro (evitando a entrada de moléculas
grandes, como os anticorpos e o sistema do complemento) e, consequentemente,
modulando a resposta imune inflamatória. As células da glia também liberam o
fator neurotrófico derivado do cérebro (BNDF), envolvido na neuroplasticidade. Astrócitos
também liberam o fator de crescimento transformante-β (TGFβ), que é uma citocina
neuroprotetora, como já discutido. Por fim, em condições normais o SNC é
anti-inflamatório (protegido por IL-10 e TGFb, por exemplo) e as
citocinas pró-inflamatórias estão presentes em condições basais. Porém, durante
um estado inflamatório exacerbado, como na doença, um excesso de citocinas e
ROS prejudicam o SNC, o que também compromete o funcionamento dos astrócitos. Aliás,
a função dos astrócitos também está comprometida no envelhecimento, o que
poderia justificar o avanço das doenças neurodegenerativas com a idade
avançada.
Qual tratamento da DALZ?
O tratamento na DALZ é baseado na
intervenção farmacológica e não farmacológica. Na farmacológica, destaca-se os inibidores
da acetilcolinesterase (AChE), os antagonistas de receptores de
N-metil-D-aspartato (NMDA), os agentes quelantes de metais e a terapia de
suporte (ou seja, uso de fármacos específicos para tratar outros distúrbios
neuropsiquiátricos, como a depressão, mas usados também no Alzheimer). Não pretendo
apresentar e discutir aqui os diferentes tipos de medicamentos na terapêutica da
DALZ, onde podem encontrar maiores detalhes nas referências bibliográficas após
o texto.
Quanto aos recursos não
farmacológicos podemos citar a terapia com música (musicoterapia) e com animais
(pet terapia) e a fonoaudiologia (essencial para preservar a comunicação, fala,
leitura, mastigação e deglutição). Na realidade, a terapia comportamental e
ocupacional é muito abrangente e útil no Alzheimer.
E a Nutrição, professor e nutricionista,
não é uma estratégia viável de tratamento na DALZ?
Sim, com certeza. A nutrição é um
campo fértil de estudo na DALZ. Existem estudos sobre a vitamina E e C,
quercetina, coenzima Q10, ácido lipóico, resveratrol, curcuma/curcumina,
beta-glucana, lactoferrina, probióticos e ácido docosahexaenoico (DHA, que é um
ácido graxo ômega-3). Quanto ao DHA, por exemplo, parece que ameniza o
Alzheimer por inibição da apoproteína E4 (ApoE4), que é um fator de risco para
DALZ. Novamente, para maiores detalhes seguem as referências ao final do texto.
E as novidades na terapêutica da
DALZ?
Sim, também existem novidades. Recentemente
foi divulgada uma vacina contra a DALZ, sendo a primeira vacina para testes
clínicos em humanos (leia: https://canaltech.com.br/saude/por-que-o-brasil-e-o-unico-a-adotar-a-terceira-dose-da-vacina-da-janssen-202258/).
A vacina chamada ALZ-101, da empresa sueca Alzinova, faz parte de um estudo
randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, com 26 voluntários
diagnosticados no estágio inicial da doença. Essa vacina carregaria anticorpos sintéticos,
que miram uma proteína tóxica chamada beta-amilóide (Ab), que se acumula nos neurônios e ao
seu redor. Algum tempo atrás também tinha sido anunciado uma nova vacina nasal
para prevenir e retardar a progressão da DALZ (leia: https://www.brighamandwomens.org/about-bwh/newsroom/press-releases-detail?id=4029).
Neste caso, o Brigham and Women’s Hospital, em Massachusetts, nos EUA, haviam
anunciado uma vacina nasal. A vacina nasal usaria um modulador imunológico
chamado protolina, derivado de bactérias, capaz de ativas leucócitos em
linfonodos nas regiões do pescoço, que migrariam até regiões cerebrais para
degradar a beta-amilóide (Ab).
Referências:
Alzheimer’s disease – The Lancet. Disponível em: https://www.thelancet.com/clinical/diseases/alzheimers-disease#:~:text=Alzheimer%27s%20disease%2C%20the%20most%20prevalent%20cause%20of%20dementia%2C,causality%20as%20proposed%20in%20the%20original%20amyloid%20hypothesis.
Anna De Falco et
al. Doença de Alzheimer: hipóteses etiológicas e perspectivas de tratamento.
Quím Nova 39(1): 63-80, 2016.
Can you recognize the warning signs of Alzheimer’s disease? – Harvard
Health Publishing. Disponível em: https://www.health.harvard.edu/mind-and-mood/can-you-recognize-the-warning-signs-of-alzheimers-disease#:~:text=Wandering%2C%20becoming%20agitated%2C%20hiding%20things%2C%20wearing%20too%20few,if%20a%20person%20hasn%27t%20behaved%20that%20way%20earlier.
Cody M. Wolfe et
al. The Role of APOE and TREM2 in Alzheimer’s Disease - Current Understanding and
Perspectives. International Journal of Molecular Sciences.
Instituto Alzheimer
Brasil (www.institutoalzheimerbrasil.org.br). Disponível em: https://www.institutoalzheimerbrasil.org.br/epidemiologia/?pag=epidemiologia/
Luca Muzio et al. Microglia in
neuroinflammation and neurodegeneration: from understanding to therapy.
Frontiers in Neuroscience 15:742065, 2021.
Rhonda P. Patrick. Role
of phosphatidylcholine-DHA in preventing APOE4-associated Alzheimer's disease.
FASEB J 33(2):1554-1564, 2019.
Stages of Alzheimer’s – Alzheimer’s Association. Disponível em: https://www.alz.org/alzheimers-dementia/stages#:~:text=Alzheimer%E2%80%99s%20disease%20typically%20progresses%20slowly%20in%20three%20general,%E2%80%94%20or%20progress%20through%20the%20stages%20%E2%80%94%20differently.
Timothy R. Hammond
et al. Immune Signaling in Neurodegeneration. Immunity 50: 955-974, 2019.
Vacina do Alzheimer.
Disponível em: https://canaltech.com.br/saude/por-que-o-brasil-e-o-unico-a-adotar-a-terceira-dose-da-vacina-da-janssen-202258/
Vacina nasal no
Alzheimer. Disponível em: https://www.brighamandwomens.org/about-bwh/newsroom/press-releases-detail?id=4029
What Are the Signs of Alzheimer’s Disease? – National Institutes of
Health (NIH). Disponível em: https://www.nia.nih.gov/health/what-alzheimers-disease#:~:text=Memory%20problems%20are%20typically%20one%20of%20the%20first,signal%20the%20very%20early%20stages%20of%20Alzheimer%E2%80%99s%20disease.