quinta-feira, 4 de agosto de 2022

HIV – AIDS: Parte 2

 

HIV – AIDS: Parte 2

 Aspectos históricos. Situação global. Transmissão. Sintomas. Diagnóstico. Ciclo viral. Medicamentos. Perspectivas futuras.

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.

 


Olá pessoal, tudo bem? Na “PARTE 1” discutimos, basicamente, os aspectos históricos do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), o vírus da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), bem como apresentei alguns dados estatísticos referentes ao cenário global da doença. Na “PARTE 2” (final), o “textão” abordará o modo de transmissão, os sintomas, o diagnóstico e o ciclo viral do HIV. Também falarei, porém muito brevemente, dos medicamentos (terapia antirretroviral). Por fim, darei uma “pincelada” nas perspectivas futuras do HIV/AIDS. Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta (Blog: https://peraltanutri.blogspot.com) e siga-me nas redes sociais (@peraltanutri).


TRANSMISSÃO

O HIV, o vírus responsável pela AIDS, pode ser transmitido pelo sangue, esperma e secreção vaginal, bem como leite materno ou transfusão de sangue contaminado. O portador do HIV, mesmo sem apresentar os sintomas da AIDS, pode transmitir o vírus. Quer dizer, você não deve confiar nos sintomas para saber se tem HIV, pois existem pessoas convivendo com HIV por 2, 5, 10 anos ou mais sem qualquer sintoma ou sintomas que podem ser confundidos como outras enfermidades e doenças. Neste sentido, faz-se necessário o uso de preservativo (camisinha) em todas as relações sexuais, afinal são 1,5 milhão de pessoas recém-infectadas pelo HIV em 2021. Os modos de transmissão podem ser resumidos da seguinte maneira:

·       Através de relações sexuais:

·       Heterossexuais;

·       Homossexuais masculinos (a transmissão entre mulheres é considerada rara, mas não nula).

·       Exposição acidental com sangue contaminado ou objetos/procedimentos relacionados com sangue:

·       Transfusões de sangue;

·    Uso de drogas injetáveis, onde se compartilham seringas com sangue contaminado;

·       Instrumentos contaminados entre trabalhadores de saúde (por isso, “todo cuidado é pouco”).

NOTA: As práticas de tatuagens, perfurações das orelhas e piercing, por exemplo, já foram apontadas como modos de transmissão do HIV/IADS. Atualmente, desde que respeitadas os cuidados de higiene e esterilização de instrumentos, são consideradas práticas seguras.

·       Transmissão vertical de mãe para filho:

·       Gravidez (intrauterina transplacentária);

·       Parto (exposição ao sangue materno);

·       Aleitamento materno (pós-parto).

·       Doação de órgãos

NOTA: A doação de órgãos é considerada uma forma de transmissão, embora rara, devido estratégias de segurança e avaliação entre doador e receptor do órgão transplantado. Lembre-se que, em 2019, um doador HIV soropositivo (Nina Martinez, 35 anos) consegue doar um rim para um receptor HIV soropositivo (nome não divulgado) nos Estados Unidos (https://www.virgula.com.br/saude/conheca-nina-martinez-a-primeira-doadora-de-orgaos-viva-com-hiv/). 

 

Agora que vimos os modos de transmissão do HIV ou, comumente dito “como se pega AIDS, precisamos falar de como “não se pega AIDS:

·       NÃO SE PEGA AIDS com aperto de mão ou abraço;

·       NÃO SE PEGA AIDS com beijo;

·      NÃO SE PEGA AIDS por contato ocasional pessoa-a-pessoa em casa, no trabalho ou em locais públicos ou sociais;

·       NÃO SE PEGA AIDS usando os mesmo pratos, talheres e copos;

·       NÃO SE PEGA AIDS usando sabonetes, toalhas ou lençóis;

·       NÃO SE PEGA AIDS por alimentos, ar ou água;

·       NÃO SE PEGA AIDS por picadas de insetos ou mosquitos;

·       NÃO SE PEGA AIDS por tosse, espiro ou cuspidela;

·       NÃO SE PEGA AIDS através de piscinas ou banheiros;

·       Enfim, NÃO SE PEGA AIDS doando e recebendo CARINHO!

 

SINTOMAS

Quanto aos sintomas da AIDS, a literatura identifica três fases:

·       Fase de infecção aguda: surgem algumas semanas após contaminação (2-3 semanas) e incluem febre, calafrios, cefaleias, dor de garganta e faringite, mialgias (dores musculares), linfadenopatia (aumento no tamanho dos nódulos linfáticos ou ínguas) e linfopenia (baixo nível de linfócitos no sangue, especialmente CD4+), distúrbios gastrintestinais (náusea, vômito e diarreia), manchas avermelhadas na pele (Rash), manchas brancas na língua, boca e garganta, e perda de peso. Essa fase também é chamada de Síndrome Retroviral Aguda (ARS) ou infecção primário, que corresponde à resposta natural do organismo à infecção pelo HIV. Algumas pessoas, contudo, não apresentam sintomas, mas podem contaminar outras pessoas. Neste período, os linfócitos T CD4+ diminuem rapidamente, pois são atacadas e destruídas do HIV. O sistema imune responde, aumentando a quantidade destes linfócitos. A soroconversão, que é o momento em que uma pessoa soropositiva tem anticorpos suficientes do HIV no sangue, capazes de serem detectados por testes, tem duração de 3-12 semanas. Essa “janela” é importante na obtenção de diagnósticos de infecção por HIV (https://unaids.org.br/estatisticas/);

·       Fase de infecção assintomática: essa fase tem duração variável (meses e anos), embora comumente referido como sendo 10 anos ou mais. Também é chamada de “Infecção Crônica do HIV” ou “Latência Clínica do HIV”. O HIV se reproduz em baixas taxas, mas a pessoa pode transmitir o vírus. Com tratamento adequado (terapia antirretroviral, por exemplo), os níveis de linfócitos T CD4+ tornam-se mais estáveis (constantes), enquanto que a carga viral (quantidade de vírus presente em um certo volume de sangue) é baixa. Em algum momento, contudo, os linfócitos caem e a carga viral aumenta, onde o paciente começa a exibir e relatar alguns sintomas, como veremos (https://unaids.org.br/estatisticas/);

·       Fase da doença sintomática: o sistema imunológico está debilitado e surgem as doenças oportunistas, tais como tuberculose, pneumonia, herpes e candidíase (https://unaids.org.br/estatisticas/). Os sintomas da AIDS podem se manifestar de em vários tecidos e órgãos: cérebro (toxoplasmose e Cryptococcal meningitis), olhos (Cytomegalovirus), boca e pescoço (candidíase), pulmões (Pneumocistis carinii, tuberculosis e histoplasmose), intestino (Cytomegalovirus, Cryptosporidium, Mycobacterium avium complex), pele (herpes simples ou “cobreiro” e sarcoma de Kaposi) e genitais (herpes genital, papilomavirus humano ou HPV e candidíase vaginal). Na doença avançada ocorre queda brusca dos linfócitos T CD4+, correspondendo a imunodeficiência severa.

         

É importante reforçar que em todas as três fases acima uma pessoa pode transmitir o HIV para outra pessoa (https://unaids.org.br/estatisticas/).

NOTA 1: Rash são manchas vermelhas na pele, distribuídas pelo corpo (tórax, pescoço, face, mãos e pés), apresentadas como lesões arredondadas, menores que 1 cm, que ocorrem 48 a 72h após o início da infecção pelo HIV. O sintoma pode durar 5 e 8 dias.

NOTA 2: Candidíase é uma infecção provocada pela Candida, que é um fungo. Nas mulheres, um desequilíbrio da Candida albicans na flora vaginal causa candidíase vaginal. Todavia, existem outros tipos de candidíase, como candidíase masculina (balanopostite, ou seja, inflamação da glande e prepúcio do pênis); candidíase da boca (comumente chamada de “sapinho”, representada por pequenas aftas na boca e dificuldade para engolir); candidíase do esôfago (a esofagite ocorre em pessoas imunodeprimidas, como ocorre na AIDS e câncer); e candidíase na pele (conhecida como intertrigo, onde uma micose se espalha pela virilha, axila, nádegas, barriga, pescoço, entre os dedos e parte interna das coxas).

NOTA 3: O sarcoma de Kaposi (SK) é um câncer que se desenvolve nos vasos sanguíneos, onde os acometidos exibem lesões na pele de coloração vermelho-arroxeada ou amarronzada em qualquer região do corpo. Esse tipo de câncer normalmente se desenvolve a partir do vírus da família do Herpes Vírus Humano-8 (HHV-8), mas também em consequência da infecção pelo vírus HIV. O SK é um tumor típico de pacientes imunossuprimidos.

NOTA 4: No estágio inicial, onde aparecem algumas doenças oportunistas (candidíase e herpes zoster, por exemplo), o número de linfócitos T CD4+ estão abaixo de 500 células por milímetro cúbico de sangue (< 500 células/mm3), lembrando que o valor de referência ou normalidade é de 1500 a 2500 células/mm3.  No estágio avançado da doença, onde há imunodeficiência será, além das infecções oportunistas (pneumonia, tuberculose e toxoplasmose, por exemplo), os linfócitos estão abaixo de 200 células/mm3. Quer dizer, o paciente progrediu do HIV para a doença AIDS.

 

DIAGNÓSTICO

Segundo UNAIDS (https://unaids.org.br/estatisticas/), não podemos confiar nos sintomas para suspeitar de infecção pelo HIV, pois algumas pessoas simplesmente não exibem sintomas ou exibem sintomas que podem aparecer em outras enfermidades (perda de peso, tosse, febre, diarreia, manchas no corpo, etc.). Além disso, muitas pessoas convivem 10 anos ou mais com a doença sem apresentar grandes sintomas, especialmente com tratamento medicamentoso adequado. Neste sentido, o diagnóstico é feito pela sorologia através do teste de anticorpos (ELISA) e confirmado por Western Blotting. O clínico também irá avaliar sinais sugestivos de infecção pelo HIV, como febre recorrentes, gânglios linfáticos aumentados, garganta inflamada, erupção e manchas pelo corpo, fadiga profunda e sem explicação.

 

CICLO VIRAL

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS) é uma doença infecciosa causada pela Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), que leva a perda progressiva da imunidade, resultando em infecções graves, tumores malignos e, infelizmente, ao óbito. O HIV é  um retrovírus, ou seja, um vírus cujo material genético é o RNA (ácido ribonucleico). Dessa forma, detalharei as características morfológicas do HIV para facilitar o entendimento do ciclo viral. O HIV possui a seguinte estrutura:

·   Envelope proteico (Env): contendo as moléculas gp120 e gp41, ligados a membrana lipídica (externa) do HIV. A glicoproteína gp120 consegue interagir com receptores CD4 de linfócitos (RTCD4);   

·       Proteína de matriz: proteína p17;

·       Cápsula proteica (capsídeo): camada proteica que protege o RNA e enzimas;

·     Fitas de ácido ribonucleico (RNA): possui duas fitas de RNA, que são protegidas pelo capsídeo;

·    Enzimas: protegidos pelo capsídeo, o HIV possui transcriptase reversa (TR) e integrase. A TR permite a replicação viral (RNA viral para DNA viral), enquanto que a integrase auxilia na integração do DNA viral ao DNA humano, como veremos;

 

Com base nisso, podemos entender como funciona o ciclo viral do HIV, que didaticamente foi dividido em 8 etapas:

O ciclo viral do HIV envolve a fusão do envelope viral com a membrana dos linfócitos T CD4+. Esse processo é facilitado pela proteína gp41 do HIV, mas a interação ocorre entre a proteína gp120 do HIV com os receptores CD4 de linfócitos (RTCD4) (ETAPA 1). Após fusão, o capsídeo é rompido, onde ocorre a liberação do RNA viral, transcriptase reversa (TR) e integrase (ETAPA 2). Em seguida, no citoplasma, ocorre transcrição reversa do RNA viral para o DNA viral pela transcriptase reversa (TR) (ETAPA 3). Algum RNA viral pode ser degradado, enquanto que o DNA viral é incorporado no núcleo dos linfócitos com auxílio da integrase (ETAPA 4). A partir daí, ocorre a transcrição de um novo RNA mensageiro (RNAm viral) pela RNA polimerase a partir do DNA viral, que foi incorporado no DNA humano (ETAPA 5). No citoplasma, o RNAm (viral) codifica proteínas virais (gp120, gp41, TR e integrase) (ETAPA 6). As proteínas virais recém-sintetizadas (gp120 e gp41) se inserem na membrana plasmática dos linfócitos para a montagem do virion, que é a partícula viral madura (ETAPA 7). Finalmente, ocorre brotamento e liberação do virion que, agora circulante, pode contaminar outros linfócitos T CD4+ (ETAPA 8).

 

NOTA: Existem coadjuvantes no ciclo viral do HIV, além da interação gp120 (do HIV) com RTCD4 (dos linfócitos), tais como CCR5 e CXCR4. Também existem outras proteases. Todavia, meu objetivo foi simplificar o ciclo viral que é descrito na maioria dos livros didáticos. De qualquer forma, na infecção avançada ocorre linfopenia (redução no número de linfócitos) com depleção de linfócitos T CD4+. Os linfócitos T CD4+ (linfócitos T-auxiliares) coordenam a resposta imunológica e estimulam a produção de anticorpos por linfócitos B (estes produzem anticorpos). Dessa forma, o HIV deixa o organismo extremamente debilitado do ponto de vista imunológico, facilitando as doenças oportunistas. Cabe lembrar que os linfócitos T-citotóxicos (CD8+) reconhecem antígenos (corpos estranhos ou agente invasor) e destroem as células infectadas por apoptose (morte celular programada). Todavia, ambos atuam de forma integrada na chamada IMUNIDADE ADAPTATIVA OU ADQUIRIDA, que se encontra debilitada pela AIDS.

 

MEDICAMENTOS

Aqui, meu objetivo não será discutir todos os medicamentos e antirretrovirais disponíveis para o tratamento do HIV/AIDS (aliás, não tenho tempo, nem conhecimento, para abordar os mesmos). Dessa forma, vou limitar minha explicação destacando que as drogas antirretrovirais atuam suprimindo a replicação viral (viremia), o que preserva ou mantém constante os níveis de linfócitos T CD4+. Os medicamentos na terapêutica do HIV/AIDS podem atuar de inúmeras maneiras: inibindo a fusão do HIV aos linfócitos CD4; inibindo a transcriptase reversa (TR) e integrase; inibindo a síntese de proteínas virais (gp120 e gp41); e inibir o brotamento/liberação dos virions à circulação. Claro, uma grande parte do tratamento se baseia no uso de antirretrovirais (ARV), o que pode prolongar a qualidade de vida e expectativa de vida dos pacientes, bem como diminuir as chances de transmissão. Não existem vacinas para AIDS, o que será explicado, em breve, pois algumas pessoas acreditam em Teorias Conspiracionistas, especialmente salientada na pandemia de Covid-19. Por fim, geralmente faz-se combinação de ARV, que parece ser o padrão-ouro de tratamento atual. 

 

PERSPECTIVAS FUTURAS

QUAL O FUTURO NO TRATAMENTO DO HIV/AIDS?

Finalmente, chegamos aos tempos atuais, onde convivemos com HIV/AIDS e, ao mesmo tempo, pandemia de SARS-CoV-2/Covid-19. Quer dizer, HIV/AIDS não desapareceu, mas as pessoas parecem que só falam de Covid-19 (o que é compreensível). Qual o futuro no tratamento do HIV/AIDS é uma pergunta difícil de responder, pois as perspectivas podem ser BOAS e RUINS. Como assim? Deixa-me explicar:

 

PERSPECTIVAS BOAS: a ciência evoluiu muito e podemos estar próximos de uma “cura” para AIDS, o que provavelmente será uma combinação de terapia antirretroviral, transplante de medula óssea e células-tronco e vacinas.

PERSPECTIVAS RUINS: vivemos na “Era Fake News” (notícias falsas), onde algumas mentiras e “bobagens” são compartilhadas sem qualquer critério de seleção, raciocínio lógico e, claro, sem qualquer escrúpulo.

 

Com base nisso, surge a pergunta: Por que não temos, em pleno 2022, vacinas para HIV/AIDS de forma tão rápida quanto ocorreu com Covid-19?

 

Alguns preferem responder com abordagens conspiracionistas, mas vou me limitar aos aspectos científicos, que poderá ser melhor entendido se você reler o capítulo do ciclo viral do HIV. Resumidamente, quatro (04) fatos explicam essa pergunta:

 

(1) O HIV é um retrovírus, ou seja, um vírus cujo material genético é o RNA. Além disso, os retrovírus possuem a enzima transcriptase reversa (TR), que converte RNA viral em DNA viral. Os coronavírus, como o SARS-CoV-2 (novo coronavírus), são membros da família Coronaviridae, que são vírus de RNA simples, sem transcriptase reversa (TR). Em outras palavras, o HIV pode se incorporar no DNA do hospedeiro;

(2) O sistema imunológico não se cura do HIV, mas nosso sistema imune responde ao SARS-CoV-2. Quer dizer, na Covid-19, causada pelo SARS-CoV-2, nosso sistema imune reage e combate o coronavírus. Já na AIDS, causada pelo HIV, o vírus é “invisível”. Em outras palavras, o HIV se esconde, por longos períodos, no sistema linfático (nódulos linfáticos), enfraquecendo o sistema imunológico. Além disso, no sangue, o vírus pode ser “invisível”, pois encontra-se dentro dos leucócitos;

(3) O SARS-CoV-2, por exemplo, possui dezenas de variantes, enquanto que HIV tem centenas e milhares de variantes. Atualmente, discute-se sobre a atualização de vacinas para o novo coronavírus, então imaginem para centenas e milhares de HIV?;

(4) O novo coronavírus (SARS-CoV-2) ataca os pulmões e outros órgãos, provocando uma resposta inflamatória grave. O HIV enfraquece o sistema imunológico, ou seja, provoca imunodeficiência. Como criar vacinas para fortalecer o sistema imune, que não responde efetivamente ao HIV?

 

Enfim, as vacinas para HIV, diferentemente daquelas para coronavírus, precisam vencer estes obstáculos para se tornarem viáveis. Obviamente, o investimento financeiro neste campo de pesquisa faz-se necessário (e não adianta criticar a BigPharma, pois verdadeiramente não são instituições filantrópicas). Ao mesmo tempo, alguns pesquisadores admitem que a criação de uma vacina para combater o HIV/AIDS pode estar próxima, mas concordam que a profilaxia (isto é, aplicação de medidas preventivas para a preservação da saúde) sempre será necessária.

 

E, VOCÊ, QUE NÃO É PESQUISADOR OU CIENTISTA, O QUE PODE FAZER NO CENÁRIO HIV/AIDS?

A resposta mais simples seria: aprenda sobre os modos de transmissão e mantenha todos os cuidados necessários para evitar a transmissão do HIV, responsável pela AIDS. Contudo, tenho outra dica: não compartilha Fake News e não de créditos aos negacionistas de plantão. Deixa-me exemplificar:

Algum tempo atrás foi compartilhado nas redes sociais que o Nobel de Medicina, o Dr. Luc Montagnier (sim, aquele que falamos na Parte 1), teria dito que o novo coronavírus (SARS-CoV-2) teria surgido em laboratório e causaria AIDS. Em seguida, outras pessoas compartilhavam em suas redes sociais que vacinas para Covid-19 causariam AIDS. Pronto: o pânico foi instalado na população leiga. Deixa-me, contudo, explicar.

Primeiro, francês Dr. Luc Montagnier é médico e virulogista, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina em 2008, em decorrência de seus estudos com HIV, o vírus da AIDS. Dr. Montagnier realmente causou polêmica afirmando que o SARS-CoV-2 teria sido criado em laboratório chinês, mas jamais disse que o novo coronavírus causa AIDS, o que são coisas diferentes. Quer dizer, o médico não acredita no surgimento natural do novo coronavírus em “mercados úmidos” (feiras livres chineses) e, embora respeitamos sua opinião, cabe lembrar que a ciência diz que Dr. Montagnier estava equivocado (em outro post posso discutir a origem do SARS-CoV-2). De qualquer forma, parece que a “opinião pessoal” (ou seja, baixo grau de evidência científica) ganhou força entre “negacionistas” e adoradores das Teorias Conspiracionistas, afinal é uma pessoa de renome falando. Pois bem, pouco tempo depois descobriu-se que a “opinião pessoal” do Dr. Montagnier pode ter como base a leitura de um estudo da Escola de Ciências Biológicas Kusuma, localizada no Instituto Indiano de Tecnologia, na Índia, publicado no site bioRxiv. O estudo (Prashant Pradhan et al. Uncanny similarity of unique inserts in the 2019-nCoV spike protein to HIV-1 gp120 and Gag) relata existir uma estranha semelhança entre a proteína spike (proteína S) do novo coronavírus com a glicoproteína gp120 e Gag do HIV-1. Porém, cabe relembrar que o site bioRxiv é um repositório de pré-impressão (preprint) de acesso aberto de estudos NÃO REVISADOS POR PARES, ou seja, que passam apenas por uma triagem básica para evitar plágio. Os preprints são “manuscritos” científicos depositados pelos autores em servidores públicos (livre acesso), não revisador por pares, tais como bioRxiv e medRxiv. Os preprints possuem introdução, metodologia, resultado e conclusão, tem “cara” de artigo científico, mas trata-se apenas de um “manuscrito” que EU, VOCÊ ou QUALQUER PESSOA poderia escrever, mas que podem ou não se tornar uma publicação científica. Uma grande parcela dos preprints são desmentidos pela ciência, enquanto que outros jamais são publicados por erros metodológicos. A falta de revisão por pares (uma “espécie de controle de qualidade”) sobre a metodologia científica pode acarretar problemas sérios nestes “manuscritos” e influenciar negativamente os leitores. A comunidade científica, por exemplo, analisou e relatou que o estudo lido pelo Dr. Montagnier possui inúmeros erros metodológicos e de interpretação, estabelecendo conclusões equivocadas e falsas. Este estudo, por sua vez, foi retirado pelos autores da plataforma bioRxiv, devido grande número de críticas e, ATÉ HOJE, não retornou a plataforma com as devidas correções/revisões. Por outro lado, o estrago já foi feito, ou seja, as pessoas continuam citando o estudo excluído da plataforma e colocando palavras não ditas na boca do Dr. Montagnier. Segundo a epidemiologista PhD Gowri Gopalakrishna, em entrevista na Medscape: “A ciência errada, tendenciosa e preguiçosa está sendo amplificada pelas mídias sociais”. De acordo com Dra. Gowri, os preprints podem fazer parte do problema, especialmente quando se trata de intervenções e tratamentos no cenário da pandemia (https://portugues.medscape.com/verartigo/6505145).

 

Segundo, algumas pessoas se apoiam no "Argumentum ad verecundiam", que é uma expressão em latim para se referir ao “ARGUMENTO DE AUTORIDADE”, para defender suas ideias, que nem são suas. Para tanto, a “falácia lógica” (ou ilógica) quando perde a força em um debate, apela para as palavras de uma autoridade ou pessoa de grande reputação, mesmo sem apoio da comunidade científica. O “VIÉS DE AUTORIDADE” ou “FALÁCIA DE AUTORIDADE”, agora, busca dar uma basta na discussão, pois tem uma autoridade presente no contexto. Porém, cabe lembrar que os grandes Gênios da Ciência também erraram, incluindo Albert Eintein, Linus Pauling e Charles Darwin. Dessa forma, como disse Augusto Cury, psiquiatra, professor e escritor brasileiro: “De Gênio e Louco todo mundo tem um pouco”. Em outras palavras, em um primeiro momento, obviamente, você deve dar atenção a “autoridade”, afinal deve ser alguém que dedicou sua vida estudando tal assunto. Por exemplo, seu “Genivalson” (nome fictício), embora tenha boa oratória, diz que a terra é plana, mas não pode provar. Já a senhora “Mariamonrosen” (nome fictício), que é astrofísica, diz que a terra é redonda e tem dados na NASA (National Aeronautics and Space Administration, Administração Nacional de Aeronáutica e Espaço) para provar. Neste caso, devemos acreditar na Sra. Mariamonrosen, pois além de autoridade (astrofísica), ela fez algo fantástico: TROUXE AS PROVAS!

Meu recado final, portanto, seria:

É importante verificar se as informações, geralmente divulgadas em redes sociais, são verdadeiras ou falsas antes de sair compartilhando. Ao mesmo tempo, não devemos inverter o ônus da prova, ou seja, o autor da “falácia” (ilógica) deve provar o que diz e não argumentar que está baseado em sua “experiência de vida”, “experiência clínica” ou “feeling” (impressão baseada em sentimentos, sensações, pressentimentos ou vivências). Lembre-se: liberdade de expressão é diferente de compartilhar Fake News, que pode causar danos irreparáveis à uma população.

 

Lembre-se: se gostou pode compartilhar, desde que citado a fonte: Prof. Joelso Peralta (Blog: https://peraltanutri.blogspot.com) e siga-me nas redes sociais (@peraltanutri).