FENO-GREGO AUMENTA OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor,
Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e PhD Student in Biological
Sciences: Pharmacology and Therapeutics, Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS)
Acho bastante curioso o discurso pseudocientífico (e midiático) em redes
sociais, especialmente advindo de profissionais de saúde, para “vender”
serviços e produtos sem qualquer comprovação científica. Não quero entrar no
mérito dos motivos (obscuros, talvez) de tais propagandas, mas recentemente
observei um discurso que o feno-grego, uma espécie vegetal dita “planta
medicinal”, teria “eficácia comprovada” para aumentar os níveis de testosterona
em homens e, consequentemnte, aumentar a força e massa muscular. Eficácia comprovada? Onde? Qual estudo se baseou essa oratória? Qual
o nível de evidência? Sou Prof. Joelso Peralta e gostaria de trazer alguns
estudos a respeito do feno-grego.
Feno-grego ou Trigonella
foenum-graecum é uma espécie vegetal que, segundo informações atreladas às
mídias sociais, possui propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e
antidiabéticas. Em outra ocasião podemos discutir tais alegações, mas no
momento que esclarecer a alegação do feno-grego em aumentar os níveis séricos
de testosterona em homens, o que resultaria em hipertrofia muscular e aumento
da força. Os “experts em mídias sociais” ou Digital Influencers não descrevem
os mecanismos pelos quais o feno-grego aumentaria os níveis de testosterona,
mas afirmam com toda convicção que funciona ou que possui “eficácia
comprovada”. Será mesmo? Separei 3 estudos para conversarmos.
Estudo 1: Testofen, a
specialised Trigonella foenum-graecum seed extract reduces age-related symptoms
of androgen decrease, increases testosterone levels and improves sexual function
in healthy aging males in a double-blind randomised clinical study. Randomized
Controlled Trial. Aging Male 2016;19(2):134-42 (doi:
10.3109/13685538.2015.1135323).
Segundo ensaio clínico randomizado, controlado por placebo (portanto,
elevado grau de evidência científica), publicado em 2016, o feno-grego (T. foenum-graecum), na dosagem de 600
mg/dia, por 12 semanas, melhorou a função sexual (número de ereções matinais e
frequência de atividade sexual), bem como aumentou as concentrações séricas de
testosterona total e livre quando comparado ao placebo. Um questionário de sintomas
do envelhecimento humano (AMS Questionnaire: Aging Male Symptom Scale) também
foi utilizado, mostrando melhoras nos escores. Neste estudo, foram avaliados
120 homens saudáveis adultos (43 a 75 anos), mas somente 111 completaram o
estudo. Estes foram distribuídos em 2 grupos: ativo, ou seja, uso do feno-grego
(n=56); e placebo (grupo controle, n=55).
Beleza, gostou? Peraí, vamos olhar os resultados com mais atenção?
Não há diferença estatística significativa entre ativo (feno-grego) e
placebo, respectivamente, para os seguintes parâmetros avaliados no estudo:
testosterona total (12,3 e 13,2 nmol/L), testosterona livre (241 e 254 pmol/L),
SHBG (34,5 e 36,6 nmol/L), DHEAS (3,6 e 3,9 umol/L) e androstenediona (5,6 e
5,6 nmol/L). Também não houve diferença significativa para o perfil lipídico
(TG, LDL, HDL, CT e relação HDL/LDL). Não foram avaliados hipertrofia muscular,
tão pouco a força dos voluntários. Em outras palavras, não se pode afirmar que
feno-grego melhorou o perfil hormonal (e lipídico) no grupo estudado ao ponto
de promover a hipertrofia muscular ou força.
A correlação estatística da testosterona com as demais variáveis (idade,
perfil lipídico, sono, função sexual e atividade física) também não ocorreu.
Quer dizer, não houve mudanças no padrão do sono ou quanto ao nível de
atividade física entre os grupos.
Aparentemente, observa-se melhoria na escala de sintomas do
envelhecimento humano, mas a análise estatística não encontrou alterações na
função e comportamento sexual, nem mesmo no número de orgasmos. Aliás, o AMS
Questionnaire é um questionário auto respondido, contendo 17 questões e,
portanto, o desejo sexual e número de ereções matinais auto relatada se torna
bastante subjetiva.
Creio que os autores valorizam “um pouquinho” sua conclusão.
Leia o estudo inteiro!
Vejamos outro estudo:
Estudo 2: Effect of
fenugreek extract supplement on testosterone levels in male: A meta-analysis of
clinical trials. Phytother Res 2020;34(7):1550-1555 (doi: 10.1002/ptr.6627).
Aqui temos uma meta-análise de ensaios clínicos, portanto, outro estudo
de elevada evidência científica. Foram selecionados 29 estudos em diferentes
bancos de dados (Medline, PubMed, Scopus, Cochrane Library, Web of Science e Google
Scholar), onde 4 são ensaios clínicos randomizados. Vamos verificar estes 4
estudos, afinal possuem maior grau de evidência. As dosagens de feno-grego
oscilaram de 250 a 600 mg/dia, por 8 a 12 semanas. Foram identificados,
portanto, um total de 206 participantes. Segundo autores, citando outros
estudos, o feno-grego melhora os níveis de testosterona e também possuem
atividades anabólicas e androgênicas.
Peraí, quais foram os resultados deste estudo?
Se você observar o gráfico Forest Plot (gráfico de floresta), que
compara a intervenção A (feno-grego) com B (controle), poderá observar que quem
ganhou foi o controle. Em outras palavras, não existe evidência científica para
afirmar qualquer benefício do feno-grego sobre os níveis hormonais de
testosterona em homens. Estes autores concluem dizendo: a eficácia do extrato
de feno-grego sobre os níveis de testosterona total necessita de estudos
complementares.
Portanto, parece óbvio que não eficácia comprovada.
Contudo, os DESinfluenciadores digitais não desistem, sendo que alguns
deles são médicos, o que torna mais divertida nossa discussão.
Não existem muitos estudos sobre feno-grego, então estou selecionando
aqueles com maior grau de evidência para discutir com vocês. Quer dizer, alguns
estudos possuem metodologia duvidosa ou foram realizados in vitro ou com roedores e, portanto, não cabem em nossa discussão
mais criteriosa para achar uma “eficácia comprovada” em seres humanos.
Vejamos, finalmente, outro estudo:
Estudo 3: Efficacy
and Safety of a Mixed Extract of Trigonella foenum-graecum Seed and Lespedeza
cuneata in the Treatment of Testosterone Deficiency Syndrome: A Randomized,
Double-Blind, Placebo-Controlled Clinical Trial. World J Mens Health
2018;36(3):230-238 (doi: 10.5534/wjmh.170004).
Este é um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por
placebo, que buscou investigar a eficácia do feno-grego na síndrome de
deficiência de testosterona. Foram selecionados 88 homens coreanos. Além do
feno-grego (Trigonella foenum-graecum),
este estudo também utilizou Lespedeza
cuneata. Neste sentido, a sigla TFGL refere-se a mistura das duas plantas
administradas em uma única cápsula. Os pacientes recebiam cápsulas de TFGL de
200 mg (substâncias juntas) ou placebo, 2 vezes ao dia (portanto, 400 mg/dia),
por 8 semanas. Vamos direto aos resultados: o grupo suplementado exibiu melhora
significativa nos escores AMS Questionnaire (já falamos dele), bem como aumento
de testosterona total e livre em 4 e 8 semanas. Também relatam uma melhora
significativa nos escores de colesterol total, HDL-C, LDL-C e triglicerídeos.
Interessante, não é mesmo? Claro, mas vamos aos detalhes:
O nível de testosterona sérica total passou de 4,3 para 4,9 ng/mL (430
para 490 ng/dL) ao final de 8 semanas no grupo tratado (TFGL), o que representa
uma diferença de apenas 0,6 ng/mL (60 ng/dL). Esse achado foi considerado estatisticamente
significativo (p<0,001).
Já no grupo placebo, a testosterona total passou de 4,4 para 3,9 ng/mL
(440 para 390 ng/dL), ou seja, uma redução de apenas 0,5 ng/mL (50 ng/dL), o
que foi estatisticamente significativo (p<0,001).
O nível de testosterona livre passou de 7,7 para 8,8 pg/mL ao final de 8
semanas no grupo tratado (TFGL), que representa uma diferença de 1,1 pg/mL
(p<0,001).
No grupo placebo, a testosterona livre passou de 7,7 para 6,9 pg/mL, que
representa uma diferença de 0,8 pg/mL (p<0,001).
Interessante, você não acha? Contudo, faço as seguintes perguntas:
Embora significativo do ponto de vista estatístico, qual a relevância clínica
(ou esportiva) nessa discreta diferença, em 8 semanas, para testosterona total (aumentou
em 60 ng/dL) e testosterona livre (aumentou em 1,1 pg/mL) no grupo tratado? Peraí,
vamos relembrar os níveis normais de testosterona em homens:
Testosterona total: 300 a 1000 ng/dL (adultos)
(Quer dizer, aumento de 60 ng/dL lhe parece muito expressivo?)
Testosterona livre: 18 a 40 pg/mL (adultos)
(Quer dizer, aumento de 1,1 pg/mL lhe parece muito expressivo,
considerando que os valores já estavam abaixo do referencial?)
Observem que o nível de testosterona total e livre no baseline (dados
basais) era o mesmo em ambos os grupos: tratado e placebo (4,3 e 4,4 ng/dL e
7,7 e 7,7 pg/dL, respectivamente). Portanto, porque em apenas 8 semanas o nível
de testosterona total e livre diminuiu? Quer dizer que placebo reduz
testosterona (rsrs)?
Ainda, será que os resultados seriam diferentes se os indivíduos fossem
submetidos ao treinamento de força concomitante? Além disso, os resultados
seriam diferentes (melhores ou piores) se houvesse acompanhamento dietético,
por exemplo, dieta rica em proteínas de alto valor biológico associado ao treino
de força?
Será que os resultados seriam diferentes se a amostra não fosse composta
com apenas por indivíduos coreanos? Quer dizer, como seriam os resultados em
outras etnias? Aliás, a idade média no grupo tratado foi de 59,2 anos e no
grupo placebo de 57 anos. Portanto, os resultados seriam diferentes em adultos jovens
(30 a 45 anos, por exemplo)?
Enfim, não podemos afirmar que feno-grego tem “eficácia comprovada” para
aumentar os níveis de testosterona e, como isso, resultar em aumento da
hipertrofia e da força. Nota-se, claramente, que não podemos extrapolar os
resultados deste estudo (e tantos outros) para toda população que faça uso do
feno-grego.
Peraí, não acabei:
O AMS Questionnaire é bastante subjetivo e já falamos disso
anteriormente. Contudo, sem problemas, pois faz parte das limitações que todos
os estudos possuem. Contudo, a composição corporal dos indivíduos não se
alterou (massa muscular e massa de gordura) ao final do estudo (e não há diferença
estatística significativa). De acordo com os autores, a inexistência de mudanças
na composição corporal deve-se ao pequeno período do estudo. AHHH TAH, se fosse
12 semanas teríamos resultado mais expressivo?
Além disso, foi administrado as duas plantas ao mesmo tempo (Trigonella foenum-graecum e Lespedeza cuneata, portanto, TFGL) em
cápsulas de 200 mg/dia (2 vezes ao dia). Dessa forma, qual espécie vegetal
realmente foi responsável pelos resultados (que não me parecem nada surpreendentes)?
Veja, L. cuneata pode sequestrar
radicais livres, deixando o ambiente antioxidante mais favorável. A espécie L. cuneata também pode ter efeito
vasodilatador, mediado por GMPc-NO (guanosina monofosfato cíclico e óxido
nítrico), que poderia tratar uma disfunção erétil (dando escore positivos nos
questionários avaliativos). Sendo assim, T.
foenum-graecum (feno-grego) ou L.
cuneata foram responsáveis pelos resultados avaliativos?
Por fim, nenhum mecanismo de ação foi estudado (avaliado, mensurado) nos
estudos acima para afirmar que testosterona aumenta a força e a massa muscular via
eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, envolvendo LH (hormônio luteinizante) e FSH
(hormônio folículo estimulante). Portanto, qualquer argumentação neste sentido
é, no mínimo, leviana, mentirosa ou mal-intencionada. Repito minha introdução: acho
bastante curioso o discurso pseudocientífico (e midiático) em redes sociais para
“vender” serviços e produtos sem qualquer comprovação científica.