sexta-feira, 14 de junho de 2024

FENO-GREGO AUMENTA OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?

 

FENO-GREGO AUMENTA OS NÍVEIS DE TESTOSTERONA?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e PhD Student in Biological Sciences: Pharmacology and Therapeutics, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)




Acho bastante curioso o discurso pseudocientífico (e midiático) em redes sociais, especialmente advindo de profissionais de saúde, para “vender” serviços e produtos sem qualquer comprovação científica. Não quero entrar no mérito dos motivos (obscuros, talvez) de tais propagandas, mas recentemente observei um discurso que o feno-grego, uma espécie vegetal dita “planta medicinal”, teria “eficácia comprovada” para aumentar os níveis de testosterona em homens e, consequentemnte, aumentar a força e massa muscular. Eficácia comprovada? Onde? Qual estudo se baseou essa oratória? Qual o nível de evidência? Sou Prof. Joelso Peralta e gostaria de trazer alguns estudos a respeito do feno-grego.

 

Feno-grego ou Trigonella foenum-graecum é uma espécie vegetal que, segundo informações atreladas às mídias sociais, possui propriedades anti-inflamatórias, antioxidantes e antidiabéticas. Em outra ocasião podemos discutir tais alegações, mas no momento que esclarecer a alegação do feno-grego em aumentar os níveis séricos de testosterona em homens, o que resultaria em hipertrofia muscular e aumento da força. Os “experts em mídias sociais” ou Digital Influencers não descrevem os mecanismos pelos quais o feno-grego aumentaria os níveis de testosterona, mas afirmam com toda convicção que funciona ou que possui “eficácia comprovada”. Será mesmo? Separei 3 estudos para conversarmos.

 

Estudo 1: Testofen, a specialised Trigonella foenum-graecum seed extract reduces age-related symptoms of androgen decrease, increases testosterone levels and improves sexual function in healthy aging males in a double-blind randomised clinical study. Randomized Controlled Trial. Aging Male 2016;19(2):134-42 (doi: 10.3109/13685538.2015.1135323).

Segundo ensaio clínico randomizado, controlado por placebo (portanto, elevado grau de evidência científica), publicado em 2016, o feno-grego (T. foenum-graecum), na dosagem de 600 mg/dia, por 12 semanas, melhorou a função sexual (número de ereções matinais e frequência de atividade sexual), bem como aumentou as concentrações séricas de testosterona total e livre quando comparado ao placebo. Um questionário de sintomas do envelhecimento humano (AMS Questionnaire: Aging Male Symptom Scale) também foi utilizado, mostrando melhoras nos escores. Neste estudo, foram avaliados 120 homens saudáveis adultos (43 a 75 anos), mas somente 111 completaram o estudo. Estes foram distribuídos em 2 grupos: ativo, ou seja, uso do feno-grego (n=56); e placebo (grupo controle, n=55).

Beleza, gostou? Peraí, vamos olhar os resultados com mais atenção?

Não há diferença estatística significativa entre ativo (feno-grego) e placebo, respectivamente, para os seguintes parâmetros avaliados no estudo: testosterona total (12,3 e 13,2 nmol/L), testosterona livre (241 e 254 pmol/L), SHBG (34,5 e 36,6 nmol/L), DHEAS (3,6 e 3,9 umol/L) e androstenediona (5,6 e 5,6 nmol/L). Também não houve diferença significativa para o perfil lipídico (TG, LDL, HDL, CT e relação HDL/LDL). Não foram avaliados hipertrofia muscular, tão pouco a força dos voluntários. Em outras palavras, não se pode afirmar que feno-grego melhorou o perfil hormonal (e lipídico) no grupo estudado ao ponto de promover a hipertrofia muscular ou força.

A correlação estatística da testosterona com as demais variáveis (idade, perfil lipídico, sono, função sexual e atividade física) também não ocorreu. Quer dizer, não houve mudanças no padrão do sono ou quanto ao nível de atividade física entre os grupos.

Aparentemente, observa-se melhoria na escala de sintomas do envelhecimento humano, mas a análise estatística não encontrou alterações na função e comportamento sexual, nem mesmo no número de orgasmos. Aliás, o AMS Questionnaire é um questionário auto respondido, contendo 17 questões e, portanto, o desejo sexual e número de ereções matinais auto relatada se torna bastante subjetiva.

Creio que os autores valorizam “um pouquinho” sua conclusão.

Leia o estudo inteiro!

Vejamos outro estudo:

 

Estudo 2: Effect of fenugreek extract supplement on testosterone levels in male: A meta-analysis of clinical trials. Phytother Res 2020;34(7):1550-1555 (doi: 10.1002/ptr.6627).

Aqui temos uma meta-análise de ensaios clínicos, portanto, outro estudo de elevada evidência científica. Foram selecionados 29 estudos em diferentes bancos de dados (Medline, PubMed, Scopus, Cochrane Library, Web of Science e Google Scholar), onde 4 são ensaios clínicos randomizados. Vamos verificar estes 4 estudos, afinal possuem maior grau de evidência. As dosagens de feno-grego oscilaram de 250 a 600 mg/dia, por 8 a 12 semanas. Foram identificados, portanto, um total de 206 participantes. Segundo autores, citando outros estudos, o feno-grego melhora os níveis de testosterona e também possuem atividades anabólicas e androgênicas.

Peraí, quais foram os resultados deste estudo?

Se você observar o gráfico Forest Plot (gráfico de floresta), que compara a intervenção A (feno-grego) com B (controle), poderá observar que quem ganhou foi o controle. Em outras palavras, não existe evidência científica para afirmar qualquer benefício do feno-grego sobre os níveis hormonais de testosterona em homens. Estes autores concluem dizendo: a eficácia do extrato de feno-grego sobre os níveis de testosterona total necessita de estudos complementares.

Portanto, parece óbvio que não eficácia comprovada.

Contudo, os DESinfluenciadores digitais não desistem, sendo que alguns deles são médicos, o que torna mais divertida nossa discussão.

Não existem muitos estudos sobre feno-grego, então estou selecionando aqueles com maior grau de evidência para discutir com vocês. Quer dizer, alguns estudos possuem metodologia duvidosa ou foram realizados in vitro ou com roedores e, portanto, não cabem em nossa discussão mais criteriosa para achar uma “eficácia comprovada” em seres humanos.

Vejamos, finalmente, outro estudo:

 

Estudo 3: Efficacy and Safety of a Mixed Extract of Trigonella foenum-graecum Seed and Lespedeza cuneata in the Treatment of Testosterone Deficiency Syndrome: A Randomized, Double-Blind, Placebo-Controlled Clinical Trial. World J Mens Health 2018;36(3):230-238 (doi: 10.5534/wjmh.170004).

Este é um ensaio clínico randomizado, duplo-cego, controlado por placebo, que buscou investigar a eficácia do feno-grego na síndrome de deficiência de testosterona. Foram selecionados 88 homens coreanos. Além do feno-grego (Trigonella foenum-graecum), este estudo também utilizou Lespedeza cuneata. Neste sentido, a sigla TFGL refere-se a mistura das duas plantas administradas em uma única cápsula. Os pacientes recebiam cápsulas de TFGL de 200 mg (substâncias juntas) ou placebo, 2 vezes ao dia (portanto, 400 mg/dia), por 8 semanas. Vamos direto aos resultados: o grupo suplementado exibiu melhora significativa nos escores AMS Questionnaire (já falamos dele), bem como aumento de testosterona total e livre em 4 e 8 semanas. Também relatam uma melhora significativa nos escores de colesterol total, HDL-C, LDL-C e triglicerídeos.

Interessante, não é mesmo? Claro, mas vamos aos detalhes:

O nível de testosterona sérica total passou de 4,3 para 4,9 ng/mL (430 para 490 ng/dL) ao final de 8 semanas no grupo tratado (TFGL), o que representa uma diferença de apenas 0,6 ng/mL (60 ng/dL). Esse achado foi considerado estatisticamente significativo (p<0,001).

Já no grupo placebo, a testosterona total passou de 4,4 para 3,9 ng/mL (440 para 390 ng/dL), ou seja, uma redução de apenas 0,5 ng/mL (50 ng/dL), o que foi estatisticamente significativo (p<0,001).

O nível de testosterona livre passou de 7,7 para 8,8 pg/mL ao final de 8 semanas no grupo tratado (TFGL), que representa uma diferença de 1,1 pg/mL (p<0,001).

No grupo placebo, a testosterona livre passou de 7,7 para 6,9 pg/mL, que representa uma diferença de 0,8 pg/mL (p<0,001).   

Interessante, você não acha? Contudo, faço as seguintes perguntas:

Embora significativo do ponto de vista estatístico, qual a relevância clínica (ou esportiva) nessa discreta diferença, em 8 semanas, para testosterona total (aumentou em 60 ng/dL) e testosterona livre (aumentou em 1,1 pg/mL) no grupo tratado? Peraí, vamos relembrar os níveis normais de testosterona em homens:

Testosterona total: 300 a 1000 ng/dL (adultos)

(Quer dizer, aumento de 60 ng/dL lhe parece muito expressivo?)

Testosterona livre: 18 a 40 pg/mL (adultos)

(Quer dizer, aumento de 1,1 pg/mL lhe parece muito expressivo, considerando que os valores já estavam abaixo do referencial?)

Observem que o nível de testosterona total e livre no baseline (dados basais) era o mesmo em ambos os grupos: tratado e placebo (4,3 e 4,4 ng/dL e 7,7 e 7,7 pg/dL, respectivamente). Portanto, porque em apenas 8 semanas o nível de testosterona total e livre diminuiu? Quer dizer que placebo reduz testosterona (rsrs)?

Ainda, será que os resultados seriam diferentes se os indivíduos fossem submetidos ao treinamento de força concomitante? Além disso, os resultados seriam diferentes (melhores ou piores) se houvesse acompanhamento dietético, por exemplo, dieta rica em proteínas de alto valor biológico associado ao treino de força?

Será que os resultados seriam diferentes se a amostra não fosse composta com apenas por indivíduos coreanos? Quer dizer, como seriam os resultados em outras etnias? Aliás, a idade média no grupo tratado foi de 59,2 anos e no grupo placebo de 57 anos. Portanto, os resultados seriam diferentes em adultos jovens (30 a 45 anos, por exemplo)?

Enfim, não podemos afirmar que feno-grego tem “eficácia comprovada” para aumentar os níveis de testosterona e, como isso, resultar em aumento da hipertrofia e da força. Nota-se, claramente, que não podemos extrapolar os resultados deste estudo (e tantos outros) para toda população que faça uso do feno-grego.

Peraí, não acabei:

O AMS Questionnaire é bastante subjetivo e já falamos disso anteriormente. Contudo, sem problemas, pois faz parte das limitações que todos os estudos possuem. Contudo, a composição corporal dos indivíduos não se alterou (massa muscular e massa de gordura) ao final do estudo (e não há diferença estatística significativa). De acordo com os autores, a inexistência de mudanças na composição corporal deve-se ao pequeno período do estudo. AHHH TAH, se fosse 12 semanas teríamos resultado mais expressivo?

Além disso, foi administrado as duas plantas ao mesmo tempo (Trigonella foenum-graecum e Lespedeza cuneata, portanto, TFGL) em cápsulas de 200 mg/dia (2 vezes ao dia). Dessa forma, qual espécie vegetal realmente foi responsável pelos resultados (que não me parecem nada surpreendentes)? Veja, L. cuneata pode sequestrar radicais livres, deixando o ambiente antioxidante mais favorável. A espécie L. cuneata também pode ter efeito vasodilatador, mediado por GMPc-NO (guanosina monofosfato cíclico e óxido nítrico), que poderia tratar uma disfunção erétil (dando escore positivos nos questionários avaliativos). Sendo assim, T. foenum-graecum (feno-grego) ou L. cuneata foram responsáveis pelos resultados avaliativos?

 

Por fim, nenhum mecanismo de ação foi estudado (avaliado, mensurado) nos estudos acima para afirmar que testosterona aumenta a força e a massa muscular via eixo hipotálamo-hipófise-gonadal, envolvendo LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo estimulante). Portanto, qualquer argumentação neste sentido é, no mínimo, leviana, mentirosa ou mal-intencionada. Repito minha introdução: acho bastante curioso o discurso pseudocientífico (e midiático) em redes sociais para “vender” serviços e produtos sem qualquer comprovação científica.