terça-feira, 11 de junho de 2024

IOIMBINA EMAGRECE?

 

IOIMBINA EMAGRECE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e PhD Student in Biological Sciences: Pharmacology and Therapeutics, UFRGS.




Olá pessoal, tudo bem?

Certamente você já ouviu falar do suplemento esportivo conhecido como IOIMBINA (YOHIMBINE), não é mesmo? E, talvez, até pensou em usá-lo sob alegação que ajudaria no processo de emagrecimento, acertei? Parece bastante lógico, afinal em uma busca rápida pela internet poderá encontrar as seguintes informações:

“Não é de hoje que a capacidade da ioimbina para ajudar no controle do peso vem sendo avaliada e por esse motivo está presente em alguns suplementos emagrecedores. Ioimbina pode ter efeito estimulante no corpo, semelhante à cafeína”. [1]

“A literatura não é clara quando se fala em benefícios da ioimbina no emagrecimento, mas acredita-se que pode ter efeito termogênico leve, como também pode reduzir o apetite”. [2]

“Após ingerida, a ioimbina propicia a elevação da excitabilidade da célula, de forma de que ao consumir este fármaco, a célula intensifica o gasto de energia. Ao favorecer esse gasto energético mais elevado, consequentemente age na perda de peso, sobretudo na queima de gordura localizada”. [3]

“A ioimbina é usada na musculação como queimador de gordura, é uma das poucas ferramentas que queimam gordura localizada em locais problemáticos, como o abdômen”. [4]

 

Pois então, isso é o que você lê por aí, em sites, blogs e redes sociais, absolutamente sem cunho científico, mas, por vezes, bastante convincente. Porém, podemos falar seriamente agora? Ou melhor, posso lhe apresentar informações baseadas em ciência sobre a Ioimbina no emagrecimento? Se sim, vamos lá.

 

Se você procurar ioimbina (yohimbine) no PubMed (entre 1989 a 2024) encontrará 24.921 resultados (não pense que é muito, pois se colocar a palavra câncer encontrará 5.116.965 estudos). Se refinar sua pesquisa um pouco mais usando os descritores “yohimbine and body weight loss” (ioimbina e perda de peso corporal) encontrará apenas 46 resultados. Agora, vamos colocar um filtro de 5 anos (2019-2024, afinal 35 anos é uma janela muito grande de pesquisa), onde encontrará apenas 2 resultados. Isso mesmo: apenas 2 estudos! Peraí, vamos procurar aqueles de maior evidência científica (ou seja, meta-análises, revisões sistemáticas e ensaios clínicos randomizados). Perfeito, sua busca foi “NENHUM RESULTADO ENCONTRADO”. Exatamente: não existem estudos que comprovem benefícios/eficácia e segurança do uso de ioimbina no exercício e no esporte quando pensamos em emagrecimento. Em outras palavras, as pessoas usam substâncias sem evidências científicas para uma finalidade proposta e, pior, acreditam que a substância funciona lendo na “internet” ou obtendo opiniões de amigos do Universos Fitness.

 

BELEZA, não serei tão chato (rs)!

Lembra dos 46 resultados que achamos?

Deixa-me falar dos mais relevantes:

 

Um estudo publicado em 1991 (antigo ‘pra cacildis’), mostrou que 5 mg de ioimbina, 4 vezes ao dia, por 3 semanas, resultou em perda de peso (3,5 kg) versus placebo (2,2 kg) (UAU, baita diferença para 3 semanas, não é mesmo?). Todavia, os 25 indivíduos obesos que participaram do estudo recebiam, além da ioimbina, uma dieta hipocalórica (1000 kcal/dia). Quer dizer, entendeu ou preciso desenhar? [5]

 

Keep Calm (mantenha a calma), vamos para 2009, onde um estudo [6] mostrou que o uso de ioimbina (5 mg) em um fisiculturista de 37 anos resultou em efeitos neurotóxicos agudos e graves. Claro, culturistas usam muitas drogas associadas (polifarma), então temos um viés aqui.

 

Continuemos...

 

OK, vamos limitar a busca para 10 anos, onde temos 4 estudos:

 

Estudo publicado em 2016 [7], revisando a fitoterapia na obesidade, concluiu que será necessário estudar mais as ervas nativas, incluindo ioimbina, para determinar sua eficácia e segurança quando os objetivos envolvem a perda de peso. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

No próximo estudo, publicado em 2016 [8], os autores abordaram o sistema endocanabinóide (papel de neurotransmissores endógenos que regulam funções como humor, apetite, sono, memória, dor e resposta imune, cujo receptores estão predominantemente no cérebro). Não é um estudo específico sobre ioimbina, mas a busca jogou neste porquê algumas plantas (por exemplo, gênero Cannabis) podem influenciar o sistema endocanabinóide. Além disso, o estudo é com raros (não seres humanos) e buscava investigar ansiedade e depressão e não emagrecimento. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

O terceiro desta busca [9] foi publicado em 2020 e buscou estudar disfunção mitocondrial em modelo experimental (roedores) de fibromialgia induzida por reserpina. Não tem relação com ioimbina, mas a busca jogou nele porquê reserpina é um alcalóide proveniente da Rauwolfia serpentina, da família Apocynaceae, nativo da Índia, sendo uma substância que atua no sistema nervoso simpático. A ioimbina também é um alcalóide, porém encontrada na espécie Pausinystalia yohimbe e Rauwolfia serpentina, por isso a confusão na busca. Quer dizer, a inexistência de estudos atuais sobre a ioimbina é tão grande que a própria busca gera confusão, mas tanta achar algo semelhante, similar, parecido para agradar à busca. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

Por fim, o último estudo desta busca [10] foi publicado em 2023, portanto, bem atual. Segundo estudo, foram avaliados 91 suplementos alimentares destinados a perda de peso, os quais poderiam ter substâncias declaradas (ou não) com potencial risco à saúde. Neste sentido, aminas biológicas e alcalóides naturais são avaliados, incluindo ioimbina. O estudo encontrou fraudes na rotulagem de suplementos alimentares à base de plantas (26% das amostras não estavam em conformidade). Contudo, tem um trecho interessante: “Suplementos contendo ioimbina são proibidos no Canadá, Austrália, Holanda e Reino Unido, devido relatos de efeitos adversos à saúde”. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

E aí, percebeu a diferença entre “ler reportagens aleatórias e não científicas” e LER, ESTUDAR, ENTENDER, COMPREENDER, ACEITAR o que diz a literatura científica a respeito da ioimbina no emagrecimento?

 

Peraí, não tô 100% satisfeito, então segura mais um embasamento científico:

 

Uma revisão sistemática (1043 estudos identificados, onde 18 mais relevantes foram selecionados) publicada em 2023 [11], avaliou o efeito de suplementos alimentares (inclusive ioimbina) sobre o desempenho atlético em jogadores de futebol. Quer saber o resultado da ioimbina? Segura: os dados disponíveis não suportam o uso de ioimbina para melhorar o desempenho atlético em jogadores de futebol. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

Puxa, sacanagem você pensa alto:

“Eu acreditei que funcionava, comprei e usei”.

 

Pois meu amigo ou minha amiga, porque não consultou um profissional nutricionista altamente capacitado para lhe ajudar com a dieta e uso racional de suplementos esportivos?

 

Peraí, tenho mais algumas coisas para te contar.

 

Um relatório sobre os suplementos alimentares utilizados no esporte, publicado em 2022 [12] avaliou 17 produtos. Neste relatório ioimbina nem apareceu na discussão, devido inexistência de estudos ou de bons estudos para discussão. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

E o que diz o Colégio Americano de Medicina do Esporte (ACSM, American College of Sports Medicine [13]? No capítulo sobre suplementos alimentares e auxílios ergogênicos, os mesmos foram classificados em 4 grupos: auxílios ergogênicos que funcionam (creatina, cafeína, bebidas esportivas, bicarbonato de sódio, suplementos proteicos e alguns aminoácidos); auxílios ergogênicos que podem funcionar, mas faltam evidências (glutamina, HMB, colostro e ribose); auxílios ergogênicos que não funcionam (alguns aminoácidos isolados, pólen de abelha, BCAA, carnitina, picolinato de cromo, coenzima Q10, ácido linoleico conjugado, Ginseng, inosina, TCM e vanádio); e auxílios ergogênicos perigosos, proibidos e ilegais (suplementos que contenham esteroides anabólicos e derivados esteroides ou GH, Tribulus terrestris e Ephedra). Ou seja, Ioimbina nem entra na discussão pela inexistência de estudos que comprovem seu uso, eficácia e segurança. Traduzindo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

E a Sociedade Internacional de Nutrição Esportiva (INSS, International Society of Sports Nutrition) [14], diz o quê? Entre suas inúmeras publicações relacionadas ao binômio nutrição e exercício, encontramos uma revisão da fitoterapia no esporte, incluindo a suplementação de alcalóides. Ioimbina  só aparece ao final do texto em uma sessão dita “ervas comercializadas com pesquisa limitada”. Em outras palavras, não existem evidências científicas para indicar o consumo de ioimbina, ou seja, não há comprovação científica de eficácia e segurança. Sendo repetitivo: não há evidência!

 

Continuemos...

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Em suma, as alegações fantasiosas e mirabolantes (emagrecedor, queimador de gordura, acelerador metabólico, termogênico, supressor do apetite, perda de gordura localizada, entre outras) associadas à Ioimbina carecem totalmente de evidência científica e, mesmo assim, vem sendo comercializada, prescrita (inacreditável) e usada por muitos esportivas e atletas, bem como população não atleta que busca emagrecimento. Existem, obviamente, outras alegações para a utilização desse alcalóide (por exemplo, como estimulante sexual), mas também existem efeitos colaterais que estão sendo ignorados pelos usuários (por exemplo, aumento da pressão arterial e desordens psíquicas). Espero, sinceramente, que este post abra seus olhos e sua mente, pois crer em Digital Influenciers com milhares de seguidores, mas nenhuma capacitação e competência profissional é, no mínimo, muita inocência de sua parte!

 

 

REFERÊNCIAS:

1.  1) Ioimbina emagrece? Disponível em: treinomestre.com.br

2.  2) Ioimbina emagrece? Disponível em: www.terra.com.br

3.  3) Ioimbina. Disponível em: www.dicasdetreino.com.br

4.  4) Ioimbina. Disponível em: www.hipertrofia.org

5.  5) C Kucio, K Jonderko, D Piskorska. Isr J Med Sci 1991;27(10):550-6

6.  6) Andres Giampreti et al. Clin Toxicol 2009;47(8):827-9.

7.  7) Mahmound et al. J Evid Based Complementary Altern Med 2016;21(3):228-34.

8.  8) Aliou et al. Int Neuropsicofarmacol 2016;30;19(12):pyw068.

9.  9) Evelyne SB et al. Mol Neurobiol 2020;57(10):4202-4217.

10) Giovanna Esposito et al. J Food Prot 2023;86(10):100152.

1  11) Rodrigo Abreu et al. J Int Soc Sports Nutr 2023;20(1):2236060.

12) Roberto Cannataro, Natascia Straface, Erika Cione. Human Nutrition and Metabolism (Science Direct) 2022;29:200155.

13) Medicine & Science in Sports & Exercise 2009;41(3):709-731. American Dietetic Association (ADA), Dietitians of Canada (DC), and ACSM.

1  14) Maha S et al. J Int Soc Sports Nutrition 2018, 15:14.