segunda-feira, 18 de dezembro de 2023

AÇÚCAR: TÓXICO PARA O CORPO E A MENTE?

 

AÇÚCAR: TÓXICO PARA O CORPO E A MENTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.



Olá pessoal, tudo bem?

Como nutricionista, não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), pois nutricionalmente não traz vitaminas e minerais em sua composição, embora tenha calorias advindas dos carboidratos (“calorias vazias”). Porém, como professor e pesquisador vejo muitas postagens afirmando que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”, segundo estudos. Uma grande parte destas postagens em mídias sociais não trazem as referências (estudos científicos) em suas oratórias. Quando trazem referências, citam sempre o mesmo estudo de 2013: Ruff J.S. et al. Human-relevant levels of added sugar consumption increase female mortality and lower male fitness in mice. Nat Commun 4, 2245, 2013 (https://doi.org/10.1038/ncomms3245). Como dito, não quero sair em defesa do açúcar, ou melhor, da sacarose, um dissacarídeo formado por 1 unidade de glicose e 1 unidade de frutose unidas por ligação 1-alpha-2-beta glicosídica, mas precisamos analisar as evidências. Certamente voltarei a falar deste assunto e, no momento, vejamos o estudo supracitado.

 

Conte-me sobre o estudo, professor?

Claro, o estudo de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos selvagens (Mus musculus) e, de antemão, não podemos extrapolar facilmente estudos com animais (ratos, camundongos, coelhos, porcos, chipanzés, etc.) para seres humanos.

 

AHHH, professor, mas o Projeto Genoma mostrou que não somos muito diferentes geneticamente destes animais, não é?

 

 Sim e não, quero dizer: usamos mamíferos em experimentos pré-clínicos porque apresentam fisiologia semelhante à nossa, mas semelhança não é igualdade. Aliás, os camundongos têm 30 mil genes e nós 100 mil, porém apenas 300 genes são responsáveis pelas diferenças entre camundongos e humanos. Isso te parece surpreendente ou humilhante?

Sim e não, quero dizer: se o que nos distingue de camundongos são apenas 300 genes, então você é um rato ou um homem? Peraí, você está esquecendo a complexidade do meio ambiente que rodeia e influencia os seres humanos. Diferentemente dos ratos e camundongos, nós (homens e mulheres), comemos (para mais ou para menos) quando estamos ansiosos ou estressados, quando sofremos desilusões amorosas e, até mesmo, quando estamos alegres e felizes. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse dizendo: família, vamos comemorar o aniversário da mamãe com tele pizza, sorvete e refrigerante?

Sim e não, quero dizer: o ser humano, diferentemente dos ratos e camundongos, comem emocionalmente (“comer hedônico”) e somos motivados aos hábitos familiares (saudáveis ou não) por circuitos de amizades e mídias sociais. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse olhando TV, lá no biotério das Universidades, e sentindo aquela vontade louca de pedir um hambúrguer com batata-frita?  

Sim e não, quero dizer: usamos modelos animais em estudos pré-clínicos, mas cuidado com as extrapolações, pois os seres humanos, diferentes do Mickey Mouse, vive em ambientes obesogênicos e possuem preferências (food craving) e tabus alimentares.

Sim e não, quero dizer: entre os mamíferos, algum tempo atrás reportagens faziam menção que seriamos 98 a 99% semelhantes aos chipanzés. Quer dizer, somente 1 a 2% dos diferencia dos chipanzés? Calma, surgiram críticas neste sentido, pois ao sobrepor as sequências de bases nitrogenadas do DNA, comparando seres humanos e chipanzés, as porções não correspondentes entre eles foram excluídas do modelo matemático (ou seja, 1,3 bilhões de bases nitrogenadas, restando 2,4 bilhões de bases remanescentes). Estudos posteriores encontraram estimativas de 70%, já considerando as bases não correspondentes nos materiais genéticos. Seja 70% ou 99%, não pense que 1% ou 30% é pouca coisa, pois 1% pode significar 30 milhões de diferenças em uma única célula entre as 10 trilhões (1.000.000.000.000.000.000, segundo notação brasileira) que temos.  

 

Com essas breves palavras, retornamos ao estudo:

O estudo de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos, com duração de 32 semanas, onde os animais foram divididos em dois grupos: aqueles alimentados com ração contendo amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos integrais, fibras, vitaminas e minerais, água ad libitum; e aqueles alimentados com ração modificada contendo açúcar (ou seja, 25% das calorias totais contendo metade de glicose e outra metade frutose).

 

E quais foram os resultados?

As fêmeas apresentaram duas vezes mais taxas de mortalidade (na realidade, 1,97 vezes) do que o grupo controle. Nos machos, não houve diferença na mortalidade, mas 25,3% dos animais se tornaram menos territoriais e, portanto, houve menor taxa de reprodução neste grupo quando comparado ao grupo controle.

 

O que as pessoas compartilharam nas mídias sociais?

Estudo finalmente mostra que açúcar é tóxico, mesmo de doses normais ou baixas. Ainda, camundongos alimentados com dieta rica em açúcar apresentaram alta mortalidade e se reproduziram menos. Enfim, açúcar é um veneno aos seres humanos, que podem morrer cedo ou apresentar infertilidade, comprovado pela ciência.

 

Peraí, meu irmão, o estudo é com camundongos (rs).

E, além disso, você leu e entendeu o estudo na integra? Creio que não, então vou te ajudar.

 

Alimentação contendo glicose/frutose e sobrevivências das fêmeas:

As fêmeas apresentaram 1,97 vezes mais taxas de mortalidade do que o grupo controle. Porém, o metabolismo do animal (fêmea) aumenta 18-25% em decorrência das exigências da gestação e lactação, então será que a dieta rica em glicose e frutose não supriu as necessidades energéticas e de nutrientes dos animais, favorecendo a mortalidade?

A culpa da mortalidade foi a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) ou foi a falta de energia/nutrientes imposta pela dieta não comumente realizada pelos animais?

A manipulação dietética e nutricional (mais açúcar, menos nutrientes) favoreceu a mortalidade ou a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) que realmente conduz a mortalidade?

E, se açúcar aumenta a mortalidade, porque a mortalidade se apresentou apenas nas fêmeas e não nos machos?

Humm, o número de filhos (prole) favoreceu a mortalidade nas fêmeas, afinal são elas que vão “dar à luz”?

Quais mecanismos fisiobioquímicos explicam a mortalidade, pois o estudo não trouxe, você viu?

 

Alimentação contendo glicose/frutose e habilidade competitiva e sucesso reprodutivo nos machos:

Nos machos, 25,3% dos animais se tornaram menos territoriais e menos reprodutivos. Porém, porque a taxa reprodutiva reduziu durante o estudo?

Animais obesos apresentam menos taxas reprodutivas, mas estes animais (machos e, até mesmo, fêmeas) não engordaram, como veremos.

Será que um declínio reprodutivo não se deve à falta de energia e nutrientes da dieta comercial padrão? Quer dizer, 25% das calorias totais (e nutrientes) foram excluídos a favor de açúcar (glicose e frutose) e, portanto, a baixa habilidade competitiva territorial e reprodutiva se deve ao açúcar ou falta de energia/nutrientes?

Novamente, outros estudos dizem que obesidade prejudica competição e reprodução, mas neste estudo os animais não se tornaram obesos.

Ainda, este estudo deixa claro que a ração modificada, contendo glicose e frutose, tornou deficiente a dieta dos animais, já pensou nisso?

Os outros animais, por sua vez, recebiam amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos integrais, fibras, com vitaminas e minerais adequados e otimizados, água ad libitum, será que isso não influenciou nos resultados?

 

Alimentação contendo glicose/frutose e coisas que você deveria pensar:

Pense Nº1:

Não houve diferença, nos dois grupos, quanto a obesidade, níveis de insulina, concentração de glicose e triglicerídeos. Ou seja, a dieta rica em glicose e frutose não tornou os camundongos “gordinhos”, mas você não dizia que açúcar engorda e lhe deixa obeso? É o açúcar que engorda ou excesso de calorias na dieta, sejam carboidratos, lipídeos ou proteínas?

Pense Nº 2:

Ainda, as taxas de depuração da glicose não foram afetadas pela dieta rica em açúcar (glicose e frutose). Aliás, as medidas de glicose, triglicerídeos e insulina em jejum não foram afetadas pela dieta rica em glicose e frutose. Ué, não mídias sociais você não dizia que açúcar causa diabetes? É o açúcar que causa diabetes ou a doença é multifatorial e você não estudou “direitinho”?

Pense Nº 3:

O colesterol total (CT) aumentou 1,69 vezes nos animais alimentados com dieta rica em glicose e frutose. Porém, podemos dizer que existe disfunção hepática na produção de colesterol (colesterologênese) se não foram avaliados outros parâmetros, como VLDL, LDL e HDL? Aliás, que teste de função hepática foi realizado? Ué, você não dizia que açúcar causa infarto, mas não foram avaliadas LDL oxidadas (ox-LDL), tão pouco placas de ateroma nestes animais.   

Pense Nº 4:

Um diferencial neste estudo é que os animais deste experimento não foram obtidos de linhagens de laboratórios, criados em gaiolas, em biotérios, como normalmente ocorrem. Foram utilizados animais descendentes de linhagens “selvagens” a fim de estimular um “grau de liberdade ou instinto de exploração territorial” nos animais. Peraí, o Mickey Mouse pensa: sacanagem, me escolheram como linhagem selvagem, buscam um ambiente mais realista, livre de gaiolas, mas me oferecem “suco contendo açúcar” (rs)? OK, apenas uma brincadeira, pois acho válida a estratégia.

Pense Nº 5:

Semanas antes do experimento, todos os animais receberam dieta rica em açúcar e, somente com início do estudo, houve separação dos grupos. Essa “experimentação prévia de açúcar” pode ter interferido nos resultados? Aliás, não entendi porque a experimentação prévia, embora foi descrito o Organismal Performance Assays (OPAs), que é um método para avaliação de desempenho, tentando imitar condições seminaturais, como o consumo de açúcar pelos seres humanos (13-25% dos americanos), resumidamente.  

 

Considerações finais

Como nutricionista, não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), mas não vejo como este estudo pode provar que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”, me entende? Aliás, qual método sensível podemos utilizar para mensurar a toxicidade (corporal ou mental) do açúcar em animais e seres humanos? Por fim, não estou falando do açúcar mascavo e similares nesta postagem, tão pouco dizendo que adoçantes são melhores açúcares, portanto, não faça confusão. A postagem está limitada na análise do estudo e, certamente, trarei outros estudos para responder à pergunta original: o açúcar é tóxico?

 

Gostou? Compartilhe à vontade, desde que citado a fonte: Blog www.peraltanutri.blogspot.com do Prof. Joelso Peralta. Contato: @peraltanutri e jperaltanutri@gmail.com