INSULINA: HERÓI, VILÃO OU SIMPLESMENTE UM HORMÔNIO?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
Como
professor de bioquímica, fico um tanto perplexo com a falta de conhecimento
básico em bioquímica de alguns profissionais de saúde nas mídias sociais, que
parecem adorar distorcer a realidade para ganhar likes e seguidores no Instagram. Por exemplo, vi alguns “Doctors”
(médicos, mas não exatamente pessoas com doutorado) argumentar que insulina
alta causa hipertensão arterial, acidente vascular cerebral (AVC), debilidade
do sistema imunológico, obesidade, retenção hídrica e, até mesmo câncer. De
acordo com “médicos influenciadores digitais”, insulina é um vilão! Além disso,
relatam que insulina, esse grande vilão, só aumenta na presença de açúcares e
farinhas refinadas. Pois bem, não posso deixar passar tais desinformações.
O que aumenta insulina?
O que
aumenta o hormônio insulina (hiperinsulinemia), secretado pelas células beta
pancreáticas, são alimentos, particularmente carboidratos (não apenas açúcares
e farinhas) e alguns aminoácidos das proteínas (efeito insulinotrópico). Na presença
de carboidratos, por exemplo, ocorre aumento da glicemia (hiperglicemia) e da
insulina (insulinemia). Todavia, proteína também causa elevação da insulina,
embora menos que carboidratos. Ou seja, são conceitos bioquímicos básicos do
estado alimentado (estado pós-prandial).
Deixa-me
exemplificar:
Um estudo
randomizado investigou a coingestão de carboidrato com proteína sobre a síntese
proteica muscular no pós-exercício de força (musculação), onde podemos extrair
alguns dados interessantes para este post. Por exemplo, a administração apenas
de proteína (Whey Protein Hidrolisado, WPH), na ordem de 0,3 g/kg de peso
corporal por refeição (quer dizer: 0,3 g x indivíduo de 80 kg = 24 g de
proteína), aumentou a concentração de insulina para 22 a 25 mUI/mL,
corroborando com os dados de efeito insulinotrópico das proteínas. Quando
administrado pouco carboidrato (0,15 g/kg/refeição, ou seja, 0,15 g x 80 kg = 12
g de carboidrato) e proteína (0,3 g/kg/refeição ou 24 g), a insulina subiu para
40 mUI/mL. Por fim, quando administração um dose maior de carboidratos (0,6
g/kg/refeição, ou seja, 0,6 g x 80 kg = 48 g de carboidrato) com proteína (0,3
g/kg/refeição ou 24 g) a insulina subiu acima de 80 mUI/mL (doi:10.1152/ajpendo.00135.2007).
Legal,
não é mesmo?
A hiperinsulinemia
é um destaque no Grupo 3 (alto carboidrato + proteína), embora discreta no
Grupo 2 (baixo carboidrato + proteína) e não deixa de ocorrer no Grupo 1 (apenas
proteína, sem carboidrato). Claro, no Grupo 1 não tivemos aumento da glicemia,
pois WPH (Whey) não possui hidratos de carbono. O Grupo 3 temos os maiores níveis
de glicemia quando comparado ao Grupo 2, obviamente. Existem outros dados
interessantes neste estudo, que não cabem nesta matéria, mas resumidamente:
consumir carboidrato com proteína no pós-treino imediato não promove ganhos adicionais
sobre a síntese proteica muscular. Sim, você não precisa colocar dextrose, maltodextrina
ou qualquer bebida glicídica no Whey Protein pós-treino se pensa em
proteinogênese, exceto se busca “glicogenar” (aumentar os depósitos de
glicogênio).
Quais são os valores de referência para insulina?
Os
valores de referência para insulina, no jejum, devem ser bem baixos, afinal
insulina é o hormônio do estado alimentado. Neste sentido, os valores oscilam entre
2,6 a 24,9 uUI/mL (5 a 12 mUI/mL para outros autores). Os níveis de insulina de
jejum, em pessoas sem obesidade, variam de 5 a 7 mUI/mL; enquanto que pessoas
com obesidade e diabéticos tem valores entre 13 a 19 mUI/mL (doi.org/10.1210/jcem.85.7.6661). Em
minha prática clínica, as pessoas deveriam ter 3 e 7 mUI/mL de insulina no
jejum.
Insulina é um grande vilão da boa saúde?
Não, não mesmo!
Em primeiro
lugar, vejamos alguns efeitos bioquímicos da insulina:
Captação
de glicose (via GLUTs), portanto, reduzindo a glicemia;
Formação de
glicogênio (glicogênese hepática e muscular), portanto, reserva energética para
o jejum e exercício físico;
Geração
de energia (glicólise, seguido de ciclo de Krebs e cadeia respiratória);
Síntese proteica
muscular (transaminação de aminoácidos e estímulo da via Akt/mTOR/p70S6K).
Quer dizer,
leiam:
Murray et al. Harper: Bioquímica.
Ferrier & Harvey. Bioquímica
Ilustrada.
Voet, Voet & Pratt.
Fundamentos de Bioquímica.
Devlin. Manual de Bioquímica com
Correlações Clínicas.
Em segundo
lugar, o PROBLEMA NÃO É AUMENTAR INSULINA, mas, sim, a RESISTÊNCIA PERIFÉRICA À
INSULINA.
O que causa resistência insulínica?
Vários
fatores podem causar resistência periférica à insulina em tecidos-alvo: atividade
aumentada da proteína tirosina fosfatase-1b (doi:10.1016/j.beem.2007.08.004); alterações no receptor tirosina
quinase (RTK) e baixa atividade da fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) (doi:10.7150/ijbs.27173); falha na
translocação de GLUT4 (doi:10.3390/ijms23031264);
mas também obesidade, inflamação e aumento da resistina (doi.org/10.1016/j.abb.2021.108951).
A resistência
insulínica também aparece na gravidez com diabetes gestacional (doi.org/10.1590/S0104-42302008000600006) e
SOP - Síndrome dos Ovários Policísticos (doi.org/10.2217/whe.14.73).
O “Doctor” disse que insulina engorda, é verdade?
Pois então,
seu “Doctor” está fazendo confusão!
Para engordar,
você precisa de excesso calórico (balanço energético positivo ou superávit),
onde a insulina apenas “abrirá a porta das células” para captação da glicose e demais
nutrientes calóricos. A insulina é um hormônio (do grego ‘hormon’) e, como tal, excitam, estimulam, permitem uma atividade
celular. No caso da insulina, sua função básica é promover a captação de glicose
(efeito hipoglicemiante).
Então,
INSULINA NÃO É VILÃO, TÃO POUCO SUPER-HERÓI, pois trata-se apenas de um
hormônio! Simples assim!
Deixa-me
explicar melhor:
Estudos
com animais (camundongos e ratos Wistar) mostram que baixos níveis de insulina
evitam obesidade. BAH, então elevados níveis de insulina engordam?
KEEP CALM
(mantenha a calam), pois você não entendeu nada (rs).
Beleza, vamos
pensar:
Pessoal, por
acaso somos Mickey Mouse ou animais de laboratório?
Aliás,
estes animais comem pizza, xis, cachorro-quente, batata-frita, refrigerante e
chocolate ou apenas ração comercial, controlada, com água potável?
Além
disso, estes animais sofrem a ação dos ambientes obesogênicos que promovem e
facilitam uma alimentação hipercalórica e hiperpalatável?
E, estes
animais sofrem desilusões amorosas e descontam seu estresse emocional na comida
(comer hedônico, comer emocional)?
Por fim,
já observou o que ocorre com estes animais quando fornecemos uma “dieta de
cafeteria”?
AHHH, mas
no insulinoma engordamos, né Prof.?
Em
humanos, o insulinoma (tumor de células pancreáticas que conduz à hipersecreção
insulínica) pode acarretar ganho ponderal. Neste caso, a insulina favorece o
acúmulo de triglicerídeos no tecido adiposo (lipogênese), enquanto inibe a
mobilização de ácidos graxos dos adipócitos (lipólise).
Porém, pensa
comigo:
Quantas
pessoas você conhece que estão acima do peso (sobrepeso e obesidade) em decorrência
de um insulinoma?
Quantas?
Estou esperando em 3...2...1...
Enfim, se
aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), então também
deveríamos aceitar que o cortisol é responsável pelo estresse e não um
acidente, um trauma, uma desilusão amorosa ou a morte de um ente querido? Cortisol
não seria apenas uma resposta fisiológica ao estímulo externo?
Se
aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), então os hormônios contra
regulatórios (glucagon, cortisol e adrenalina) emagrecem e não a dieta de baixa
caloria associado ao exercício físico? Hormônios emagrecem ou são produzidos na
medida da necessidade frente aos estímulos externos?
Se
aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), afinal insulina é
um hormônio anabólico, então a testosterona também deveria engordar porque é
anabólica? Adolescentes e adultos jovens possuem elevados níveis de
testosterona, então não deveriam estar todos obesos?
Enfim, o “Doctor”
(ou Doctors) está confundindo “insulina engorda” com desbalanço na equação do
equilíbrio energético (normal, né, pois não são nutricionistas).
Bem,
agora que você entendeu isso, deixa-me complementar:
A insulina
estimula a síntese de lipídeos (lipogênese) via proteína 1c de ligação do
elemento de resposta aos esteróis (SREBP1c), bem como estimula acetil-CoA
carboxilase (ACC) e ácido graxo sintase (AGS) no tecido hepático. Sendo assim,
no excesso calórico (carboidratos, lipídeos e proteínas), formam-se triglicerídeos
(TG) que serão encaminhados ao tecido adiposo via lipoproteína de muito baixa
densidade (VLDL) e, assim, você engorda.
Com base
no texto acima, você ainda acha que insulina engorda?
Para
finalizar, deixa-me trazer um bônus:
A insulina
também pode interagir com hipotálamo, córtex pré-frontal dorsolateral,
estriado ventral e hipocampo. Portanto, um excesso de insulina, decorrente da resistência
insulínica, geralmente presente na obesidade e síndrome metabólica, pode
perturbar as sinalizações de fome e saciedade, bem como a tomada de decisão
frente à comida, mas aí são assuntos para outra matéria de minha autoria (sim, “textão”).
Uma dica:
estudem bioquímica e sejam profissionais diferenciados no mercado de trabalho.
Se precisar de ajuda, entre em contato comigo (jperaltanutri@gmail.com) para
obter informações sobre aulas particulares, grupos de estudos, cursos e
mentorias acadêmicas.
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(peraltanutri.blogspot.com).