quinta-feira, 7 de dezembro de 2023

INSULINA: HERÓI, VILÃO OU SIMPLESMENTE UM HORMÔNIO?

 

INSULINA: HERÓI, VILÃO OU SIMPLESMENTE UM HORMÔNIO?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.





Olá pessoal, tudo bem?

Como professor de bioquímica, fico um tanto perplexo com a falta de conhecimento básico em bioquímica de alguns profissionais de saúde nas mídias sociais, que parecem adorar distorcer a realidade para ganhar likes e seguidores no Instagram. Por exemplo, vi alguns “Doctors” (médicos, mas não exatamente pessoas com doutorado) argumentar que insulina alta causa hipertensão arterial, acidente vascular cerebral (AVC), debilidade do sistema imunológico, obesidade, retenção hídrica e, até mesmo câncer. De acordo com “médicos influenciadores digitais”, insulina é um vilão! Além disso, relatam que insulina, esse grande vilão, só aumenta na presença de açúcares e farinhas refinadas. Pois bem, não posso deixar passar tais desinformações.

 

O que aumenta insulina?

O que aumenta o hormônio insulina (hiperinsulinemia), secretado pelas células beta pancreáticas, são alimentos, particularmente carboidratos (não apenas açúcares e farinhas) e alguns aminoácidos das proteínas (efeito insulinotrópico). Na presença de carboidratos, por exemplo, ocorre aumento da glicemia (hiperglicemia) e da insulina (insulinemia). Todavia, proteína também causa elevação da insulina, embora menos que carboidratos. Ou seja, são conceitos bioquímicos básicos do estado alimentado (estado pós-prandial).

Deixa-me exemplificar:

Um estudo randomizado investigou a coingestão de carboidrato com proteína sobre a síntese proteica muscular no pós-exercício de força (musculação), onde podemos extrair alguns dados interessantes para este post. Por exemplo, a administração apenas de proteína (Whey Protein Hidrolisado, WPH), na ordem de 0,3 g/kg de peso corporal por refeição (quer dizer: 0,3 g x indivíduo de 80 kg = 24 g de proteína), aumentou a concentração de insulina para 22 a 25 mUI/mL, corroborando com os dados de efeito insulinotrópico das proteínas. Quando administrado pouco carboidrato (0,15 g/kg/refeição, ou seja, 0,15 g x 80 kg = 12 g de carboidrato) e proteína (0,3 g/kg/refeição ou 24 g), a insulina subiu para 40 mUI/mL. Por fim, quando administração um dose maior de carboidratos (0,6 g/kg/refeição, ou seja, 0,6 g x 80 kg = 48 g de carboidrato) com proteína (0,3 g/kg/refeição ou 24 g) a insulina subiu acima de 80 mUI/mL (doi:10.1152/ajpendo.00135.2007).

Legal, não é mesmo?

A hiperinsulinemia é um destaque no Grupo 3 (alto carboidrato + proteína), embora discreta no Grupo 2 (baixo carboidrato + proteína) e não deixa de ocorrer no Grupo 1 (apenas proteína, sem carboidrato). Claro, no Grupo 1 não tivemos aumento da glicemia, pois WPH (Whey) não possui hidratos de carbono. O Grupo 3 temos os maiores níveis de glicemia quando comparado ao Grupo 2, obviamente. Existem outros dados interessantes neste estudo, que não cabem nesta matéria, mas resumidamente: consumir carboidrato com proteína no pós-treino imediato não promove ganhos adicionais sobre a síntese proteica muscular. Sim, você não precisa colocar dextrose, maltodextrina ou qualquer bebida glicídica no Whey Protein pós-treino se pensa em proteinogênese, exceto se busca “glicogenar” (aumentar os depósitos de glicogênio).

 

Quais são os valores de referência para insulina?

Os valores de referência para insulina, no jejum, devem ser bem baixos, afinal insulina é o hormônio do estado alimentado. Neste sentido, os valores oscilam entre 2,6 a 24,9 uUI/mL (5 a 12 mUI/mL para outros autores). Os níveis de insulina de jejum, em pessoas sem obesidade, variam de 5 a 7 mUI/mL; enquanto que pessoas com obesidade e diabéticos tem valores entre 13 a 19 mUI/mL (doi.org/10.1210/jcem.85.7.6661). Em minha prática clínica, as pessoas deveriam ter 3 e 7 mUI/mL de insulina no jejum.

 

Insulina é um grande vilão da boa saúde?

Não, não mesmo!

Em primeiro lugar, vejamos alguns efeitos bioquímicos da insulina:

Captação de glicose (via GLUTs), portanto, reduzindo a glicemia;

Formação de glicogênio (glicogênese hepática e muscular), portanto, reserva energética para o jejum e exercício físico;

Geração de energia (glicólise, seguido de ciclo de Krebs e cadeia respiratória);

Síntese proteica muscular (transaminação de aminoácidos e estímulo da via Akt/mTOR/p70S6K).

Quer dizer, leiam:

Murray et al. Harper: Bioquímica.

Ferrier & Harvey. Bioquímica Ilustrada.

Voet, Voet & Pratt. Fundamentos de Bioquímica.

Devlin. Manual de Bioquímica com Correlações Clínicas.

 

Em segundo lugar, o PROBLEMA NÃO É AUMENTAR INSULINA, mas, sim, a RESISTÊNCIA PERIFÉRICA À INSULINA.

 

O que causa resistência insulínica?

Vários fatores podem causar resistência periférica à insulina em tecidos-alvo: atividade aumentada da proteína tirosina fosfatase-1b (doi:10.1016/j.beem.2007.08.004); alterações no receptor tirosina quinase (RTK) e baixa atividade da fosfatidilinositol-3-quinase (PI3K) (doi:10.7150/ijbs.27173); falha na translocação de GLUT4 (doi:10.3390/ijms23031264); mas também obesidade, inflamação e aumento da resistina (doi.org/10.1016/j.abb.2021.108951).

A resistência insulínica também aparece na gravidez com diabetes gestacional (doi.org/10.1590/S0104-42302008000600006) e SOP - Síndrome dos Ovários Policísticos (doi.org/10.2217/whe.14.73).

 

O “Doctor” disse que insulina engorda, é verdade?

Pois então, seu “Doctor” está fazendo confusão!

Para engordar, você precisa de excesso calórico (balanço energético positivo ou superávit), onde a insulina apenas “abrirá a porta das células” para captação da glicose e demais nutrientes calóricos. A insulina é um hormônio (do grego ‘hormon’) e, como tal, excitam, estimulam, permitem uma atividade celular. No caso da insulina, sua função básica é promover a captação de glicose (efeito hipoglicemiante).

Então, INSULINA NÃO É VILÃO, TÃO POUCO SUPER-HERÓI, pois trata-se apenas de um hormônio! Simples assim!

Deixa-me explicar melhor:

Estudos com animais (camundongos e ratos Wistar) mostram que baixos níveis de insulina evitam obesidade. BAH, então elevados níveis de insulina engordam?

KEEP CALM (mantenha a calam), pois você não entendeu nada (rs).  

Beleza, vamos pensar:

Pessoal, por acaso somos Mickey Mouse ou animais de laboratório?

Aliás, estes animais comem pizza, xis, cachorro-quente, batata-frita, refrigerante e chocolate ou apenas ração comercial, controlada, com água potável?

Além disso, estes animais sofrem a ação dos ambientes obesogênicos que promovem e facilitam uma alimentação hipercalórica e hiperpalatável?

E, estes animais sofrem desilusões amorosas e descontam seu estresse emocional na comida (comer hedônico, comer emocional)?

Por fim, já observou o que ocorre com estes animais quando fornecemos uma “dieta de cafeteria”?

AHHH, mas no insulinoma engordamos, né Prof.?

Em humanos, o insulinoma (tumor de células pancreáticas que conduz à hipersecreção insulínica) pode acarretar ganho ponderal. Neste caso, a insulina favorece o acúmulo de triglicerídeos no tecido adiposo (lipogênese), enquanto inibe a mobilização de ácidos graxos dos adipócitos (lipólise).

Porém, pensa comigo:

Quantas pessoas você conhece que estão acima do peso (sobrepeso e obesidade) em decorrência de um insulinoma?

Quantas? Estou esperando em 3...2...1...

 

Enfim, se aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), então também deveríamos aceitar que o cortisol é responsável pelo estresse e não um acidente, um trauma, uma desilusão amorosa ou a morte de um ente querido? Cortisol não seria apenas uma resposta fisiológica ao estímulo externo?

Se aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), então os hormônios contra regulatórios (glucagon, cortisol e adrenalina) emagrecem e não a dieta de baixa caloria associado ao exercício físico? Hormônios emagrecem ou são produzidos na medida da necessidade frente aos estímulos externos?

Se aceitarmos que insulina engorda (e não o excesso calórico), afinal insulina é um hormônio anabólico, então a testosterona também deveria engordar porque é anabólica? Adolescentes e adultos jovens possuem elevados níveis de testosterona, então não deveriam estar todos obesos?

Enfim, o “Doctor” (ou Doctors) está confundindo “insulina engorda” com desbalanço na equação do equilíbrio energético (normal, né, pois não são nutricionistas).

Bem, agora que você entendeu isso, deixa-me complementar:

A insulina estimula a síntese de lipídeos (lipogênese) via proteína 1c de ligação do elemento de resposta aos esteróis (SREBP1c), bem como estimula acetil-CoA carboxilase (ACC) e ácido graxo sintase (AGS) no tecido hepático. Sendo assim, no excesso calórico (carboidratos, lipídeos e proteínas), formam-se triglicerídeos (TG) que serão encaminhados ao tecido adiposo via lipoproteína de muito baixa densidade (VLDL) e, assim, você engorda.

Com base no texto acima, você ainda acha que insulina engorda?

Para finalizar, deixa-me trazer um bônus:

A insulina também pode interagir com hipotálamo, córtex pré-frontal dorsolateral, estriado ventral e hipocampo. Portanto, um excesso de insulina, decorrente da resistência insulínica, geralmente presente na obesidade e síndrome metabólica, pode perturbar as sinalizações de fome e saciedade, bem como a tomada de decisão frente à comida, mas aí são assuntos para outra matéria de minha autoria (sim, “textão”).

 

Uma dica: estudem bioquímica e sejam profissionais diferenciados no mercado de trabalho. Se precisar de ajuda, entre em contato comigo (jperaltanutri@gmail.com) para obter informações sobre aulas particulares, grupos de estudos, cursos e mentorias acadêmicas.

Compartilhe à vontade a matéria, desde que citado a fonte: Blog do Prof. Peralta (peraltanutri.blogspot.com).