CRACK, TÔ FORA.
BIOQUÍMICA DO CRACK
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
Crack é
uma droga ilícita, criada na década de 70 e disseminada em meados dos 80, produzida a
partir da cocaína. Entre 1984 e 1990, falava-se em "Epidemia de Crack". Não sabemos
o número exato de usuários no Brasil, mas sugere-se 0,81% da população (mais de
370 mil usuários regulares) (https://www.icict.fiocruz.br/content/quantos-s%C3%A3o-os-usu%C3%A1rios-de-crack-no-brasil).
Enfim, meu objetivo, aqui, é apresentar uma breve discussão bioquímica do
crack, relacionada aos efeitos danosos à saúde. E, ao final, deixar três perguntas
reflexivas.
CRACK: UMA BREVE HISTÓRIA
O crack é
uma droga obtida da mistura da pasta-base de coca ou cocaína refinada, misturada
com bicarbonato de sódio ou amônia e água. Seus efeitos psicoativos iniciam
após 6 a 8 segundos (portanto, muito rápido) e duram 5 a 10 minutos (portanto, estimula
nova procura, especialmente devido dependência química). O crack possui diferentes vias de administração: aspirada,
fumada e injetada.
Ao fumar
o crack (“cachimbo”), seu princípio ativo (cocaína) é absorvido pelos capilares
pulmonares e segue pela corrente sanguínea, sendo distribuída por todo o corpo.
Devido sua lipossolubilidade (ou seja, insolúvel em água), o crack atravessa a
barreira hematoencefálica (BHE).
CRACK: MECANISMOS BIOQUÍMCOS
O crack/cocaína
bloqueia os canais de sódio voltagem-dependente, exercendo efeito anestésico local,
o que acaba interrompendo a transmissão dos impulsos nervosos. Além disso, o
crack inibe a recaptação de dopamina (DA), serotonina (5-HT) e norepinefrina (NE)
nos terminais monoaminérgicos no cérebro. Aliás, a hipótese monoaminérgica está
implicada na depressão, ou seja, em pessoas sadias, 5-HT e DA (neurotransmissores)
são liberados pelos neurônios pré-sinápticos e ligam-se em receptores
pós-sinápticos. Estes (5-HT e DA), também podem ser recaptados e degradados por
enzimas específicas. Pois bem, em pacientes depressivos, observamos redução dos
neuroquímicos e bloqueios na recaptação, que são corrigidas com medicação.
Claro, na
depressão existem outras vias sendo estudadas e, por isso, seria “muito errado”
falar que “pode curar a depressão comendo bananas porque tem triptofano”, como já
observei nas mídias sociais. Enfim, na depressão, estuda-se as alterações epigenéticas
associadas ao estresse e alguns genes: NRC31, SLCA4, BDNF, FKBP5, SKA2, OXTR,
LINGO3, POU3F1 e ITGB1. Ainda, existem estudos que apontam para a
neuroinflamação ou imunoinflamação na depressão, onde são focos de pesquisa as
citocinas pró-inflamatórias (IL-1b, IL-6 e TNFa) e o papel da micróglia e
astrócitos. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) tem sido frequentemente
estudado, onde a hipersecreção de cortisol e outros glicocorticoides poderia
elucidar alguns mecanismos na doença. Por que estou introduzindo a depressão?
KEEP CALM, pois já vai entender.
Retomando
o crack, sua dependência e vício tem relação com inibição no transporte de DA
nas terminações nervosas mesolímbicas e nigroestriais, embora não podemos descartar
outros desequilíbrios neuroquímicos (5-HT e NE).
Ainda falando
em cérebro, o córtex pré-frontal (CPF) – uma das áreas de estudo em meu
doutorado junto ao Programa de Farmacologia e Terapêutica da UFRGS – é a região
mais prejudicada pelo uso da substância (crack). BAH, aproveitando, deixa-me
contar uma pequena história sobre o CPF:
Phineas
Gage, 25 anos, era um funcionário de uma ferrovia americana, sendo considerado
um rapaz doce, sociável, amável. Em 1848, após uma explosão acidental no local
de trabalho, teve seu córtex pré-frontal (CPF) destruído por uma barra de
ferro. Ele não morreu e após muitas cirurgias, voltou ao convívio da sociedade.
Todavia, ele estava totalmente diferente: antissocial, agressivo,
inconsequente, rude. Quer dizer, o CPF modula
e controla o comportamento humano ou social, o que nos permitem ser seres
autônomos. Podemos tomar decisões e controlar nossas próprias vidas sob comando
do CPF. Ainda, ele controla o comportamento emocional, que permite a relação
interpessoal. Por fim, o CPF mantém à atenção, memória de trabalho, das
habilidades cognitivas. Uma lesão nesta região causa distração, dificuldade de
concentração, dificuldade para controlar impulsos, perda do senso de
responsabilidade, perda de flexibilidade cognitiva e raciocínio. Enfim,
prejudica o planejamento e a tomada de decisão, onde as pessoas perdem o
julgamento moral, a tomada mais assertiva das situações e da resolução dos
problemas.
Retomando
o crack, ele “destrói” seu córtex pré-frontal (CPF), além de perturbar a química
dos neurotransmissores (5-HT, DA e NE). Não esqueçam, ainda, que o CPF,
especialmente o CPF dorsolateral, recebe fibras de todas as demais áreas do
córtex e mantém comunicação recíproca com o sistema límbico (hipocampo,
amígdala e hipotálamo). Em suma, caso não captou a mensagem: o crack vai “derreter”
seu cérebro (em uma linguagem leiga, obviamente).
Agora,
vamos falar dos efeitos sistêmicos do crack:
De forma
sistêmica, a exposição à cocaína/crack causa agitação, insônia, alucinação,
convulsão, hipertermia, hipertensão arterial, taquicardia, midríase (dilatação
das pupilas), ansiedade, irritabilidade, depressão, psicose, paranoia, perda do
apetite, rigidez muscular, comprometimento do sistema imunológico e depressão
cardiorrespiratória, podendo conduzir ao óbito por morte súbita, eventos
cerebrovasculares, isquêmicos ou hemorrágicos. E, para constar, estou apenas
resumindo os efeitos sistêmicos.
CRACK: COMENTÁRIOOS FINAIS E REFLEXÃO
Além dos
danos mentais e físicos, não devemos negligenciar os danos sociais do uso do
crack e cocaína, que afetam o trabalho, lazer, gestão financeira e convívio
familiar, mas também se manifestam no roubo, violência, assassinato, suicídio, acidente
de trânsito e viver na “marginalidade”. Não esqueçamos, também, o aumento nos
casos de HIV/AIDS e outras doenças sexualmente transmissíveis em usuários de
drogas ilícitas, incluindo cocaína e crack.
Neste sentido,
deixo três perguntas, reflexões:
PRIMEIRO:
os viciados em crack são criminosos ou pessoas doentes?
Não quero
influenciar sua resposta (mas já influenciando, rs), lembre-se: são inúmeros os motivos que levam uma pessoa a
“cair” nas drogas, sendo eles baixa autoestima, fracasso na vida pessoal e
financeira, influência de amigos (ou seriam inimigos?), bullying, problemas
sociais e familiares, violência familiar e abuso sexual e, até mesmo, pura
curiosidade ou predisposição genética. Portanto, não se limite em dizer que “Crocolândia
é uma região zumbi”, vamos refletir mais profundamente.
SEGUNDO:
quem produz e vende crack/cocaína é comerciante ou assassino?
Existem “Leis de Drogas” para quem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer, com pena de reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos, pagamento de multa (R$ 500,00 a R$ 1500,00 por dia-multa), mas minha pergunta é mais profunda, pense bem antes de responder.
Deixa-me complicar ainda mais sua reflexão: 1 g de cocaína vale R$ 6 a 25 (6 a 25 reais). O traficante compra por R$ 4 (4 reais) e revende por R$12 (12 reais), segundo algumas reportagens. Em outras reportagens brasileiras, 1 kg de crack custa 20 a 45 mil reais, dependendo da pureza. Em média, digamos assim, 30 mil/kg. Quanto fatura uma pessoa, traficando, comerciante, que possui 10, 15 ou 20 toneladas de crack? Faz o cálculo aí, lembrando que 1 tonelada = 1000 kg.
Mesmo não tendo domínio bioquímico do assunto, será que o “comerciante”,
traficante, não sabe que o crack/cocaína causa vício rapidamente e “destrói”
completamente a vida de filhos, filhas, irmãos, irmãs, pais, mães, avós,
amigos, colegas e sociedade em geral?
TERCEIRO, qual política efetiva para combate às drogas temos no Brasil e no Mundo?
Aliás, e no Universo Conectado da Internet, onde facilmente se compra e vende qualquer droga, como funciona o combate?
Será que uma campanha publicitária “Crack, tô fora”
funciona?
Sugestões
de leitura:
Rev Med
Minas Gerais 2015; 25(2): 253-259 (doi: 10.5935/2238-3182.20150045).
Aletheia
42, set./dez. 2013.
Rev Assoc
Med Bras 2012; 58(2):141-153.
Saúde em
Debate. Rio de Janeiro, v. 37, n. especial, p. 12-20, dezembro 2013.
Toxins
(Basel). 13;14(4):278, 2022 (doi: 10.3390/toxins14040278).
Rev
Neurosci. 18;31(1):59-75, 2019 (doi: 10.1515/revneuro-2018-0118).
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