terça-feira, 12 de dezembro de 2023

L-ARGININA, L-CITRULINA, L-ORNITINA E NITRATO: EXISTEM EVIDÊNCIAS NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE?

 

L-ARGININA, L-CITRULINA, L-ORNITINA E NITRATO: EXISTEM EVIDÊNCIAS NO EXERCÍCIO E NO ESPORTE?

 

JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina: Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.




Olá pessoal, tudo bem?

Hoje vamos falar de vasodilatação de arteríolas e artérias do músculo esquelético em resposta à suplementação de L-arginina, L-citrulina ou nitratos (NO3). Quer dizer, funcionam ou não passam de propagandas exageradas e enganosas? Essa matéria será dividida em duas partes: mecanismo de ação e evidências científicas.

 

PARTE 1: MECANISMO DE AÇÃO

 

L-arginina é substrato da arginase no ciclo da uréia, onde forma ornitina e uréia. Ciclo da uréia é uma via metabólica de detoxificação da amônia (NH3), que ocorre no tecido hepático. Uréia é uma substância nitrogenada oriunda do catabolismo de aminoácidos das proteínas, sendo a principal forma de eliminação de aminogrupos dos aminoácidos, perfazendo 90% dos compostos nitrogenados na urina.

Peraí, você lembra do ciclo da ureia nas aulas de bioquímica?

Se não, deixa-me resumir:

Amônia (NH3) se combina com bicarbonato (HCO3-) para formar carbamoil-fosfato (CAP) pela carbamoil-fosfato sintetase 1 (CPS1). CPS1 é regulado pelo N-acetilglutamato (NAG). CAP se combina com ornitina para formar citrulina em uma reação catalisada pela ornitina transcarbamoilase (OCT). Em seguida, citrulina se combina com aspartato para formar argininosuccinato pela argininosuccinato sintase (ASS). Este, se cliva em arginina e fumarato pela argininosuccinato liase (ASL). Fumarato entra no ciclo de Krebs (ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo TCA), enquanto que arginina segue para formar ornitina (que dá início ao ciclo) e ureia (que sai na urina).

Todavia, L-arginina também forma agmatina pela arginina descarboxilase ou, ainda, forma óxido nítrico (NO) pela óxido nítrico sintase (NOS). Agmatina tem sido estudada como possível neuromodulador (neurotransmissor) do sistema nervoso central (SNC), exercendo efeito antidepressivo. NO é um importante (se não o mais importante) fator de relaxamento derivado do endotélio (EDRF), quer dizer, um agente vasodilatador.

Na realidade, NO possui muitas funções no organismo em decorrência de suas propriedades anti-inflamatórias, anti-agregatórias, anticoagulantes e antioxidantes. É um “cara legal”, digamos assim. Você vai preferir um aumento de EDRF/NO do que aumento de endotelina-1 (ET1), que é um agente vasoconstritor quando pensa em saúde cardiovascular, evitando a aterosclerose.

O dinitrato de isossorbida (Isordil), usado para angina pectoris, libera NO. O citrato de sildenafila (Viagra) causa vasodilatação (relaxa os vasos sanguíneos e aumenta o fluxo de sangue) no pênis, pois libera NO. No exercício e no esporte, discute-se se a suplementação de L-arginina poderia provocar vasodilatação de arteríolas na musculatura esquelética, fornecendo nutrientes e oxigênio aos músculos solicitados durante o esforço físico, o que poderia reduzir a fadiga e aumentar a vasodilação (ou “bombeamento permanente”).

Para finalizar essa parte bioquímica, NO3- (nitrato) pode ser reduzir em NO2- (nitrito) e, em seguida, em NO (óxido nítrico). Além disso, um aumento de NO, via L-arginina, pode formar nitrosotiol (RS-NO) com auxílio de grupo tiol do N-acetilcisteína (SH-NAC). RS-NO forma guanosina monofosfato cíclico (cGMP), que possui efeito antiaterogênico. Por outro lado, NO também pode “fugir” para formar peroxinitrito (ONOO-). Quer dizer, ONOO- é formado pela combinação de NO com ânion superóxido (O2·-), sendo um poderoso oxidante de proteínas. Ainda, ONOO- pode protonar íon de hidrogênio (H+) para formar radical hidroxil (OH•), um poderoso oxidante celular.

Aí, vem a pergunta de interesse:

L-arginina poderia ter um efeito agudo sobre a dilatação do calibre dos vasos sanguíneos nos músculos submetidos ao esforço físico? E, ainda, L-arginina poderia aumentar as concentrações do hormônio do crescimento (GH) (efeito crônico), tendo um papel no desempenho atlético?

Bem, continue a leitura na Parte 2, logo abaixo.

 

PARTE 2: EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS

 

EFEITO DA L-ARGININA SOBRE GH/IGF1

 

Estudo publicado em 1999 (doi.org/10.1590/S0004-27302007000400013) avaliou a vasodilatação e secreção do hormônio do crescimento (GH) com a suplementação de L-arginina intravenosa em 10 homens saudáveis e não encontrou qualquer benefício da suplementação sobre os parâmetros avaliados.

Em outro estudo, de 2005 (doi: 10.1016/j.ghir.2004.12.004), a L-arginina intravenosa, em 8 homens saudáveis, observou aumento na concentração de GH com pico iniciando em 30 e decréscimo após 60 minutos.

Todavia, em 2007 (doi.org/10.1590/S0004-27302007000400013), um estudo com humanos mostrou que a suplementação oral de L-arginina não aumentou GH, nem mesmo o fator de crescimento semelhante à insulina (IGF1).

 Já em ratos Wistar, um estudo publicado por Chiyoda et al. (2009) (doi: 10.6063/motricidade.5(4).166), a suplementação de L-arginina reduziu GH.

Vamos para 2014, onde um estudo (doi: 10.1123/ijsnem.2013-0106) mostrou que a suplementação de L-arginina não aumentou GH, IGF1 ou grelina.

Beleza, vejamos o que diz uma revisão sistemática com metanálise (portanto, elevado grau de evidência científica) de 2022 (doi: 10.1155/2022/8739289): a suplementação de L-arginina aumenta as concentrações de GH em indivíduos deficientes de GH. A deficiências de GH pode afetar o crescimento e estatura das pessoas, especialmente na faixa etária pediátrica e, portanto, a suplementação pode ter uma finalidade terapêutica de interesse. A secreção de GH pode ser maior quando arginina é combinada com outros aminoácidos (metionina, lisina e/ou histidina), porém em pessoas deficientes de GH.

Enfim, sob à “luz das evidências”, um possível efeito crônico da L-arginina sobre a síntese e secreção de GH/IGF1 no exercício e no esporte não possui comprovação científica. O exercício físico afeta a secreção de GH pela inibição na liberação hipotalâmica de somatostatina e estimulação na liberação do hormônio liberador de GH (GHRH) e grelina. Sua indicação para déficit pôndero-estatural é controverso, necessitando de estudos adicionais.

Será que existem evidências sobre a vasodilatação? Vejamos!

 

EFEITO DA L-ARGININA SOBRE VASODILATAÇÃO

 

Em 2011, um estudo (doi: 10.1123/ijsnem.21.4.291) avaliou o efeito da arginina alpha-cetoglutarato (AAKG) sobre o fluxo sanguíneo em 24 homens, fisicamente ativos, por 7 dias. Ao final do estudo, os pesquisadores concluíram que o aumento do fluxo sanguíneo foi associado ao exercício físico e não a suplementação de AAKG.

Já em 2012, um estudo (doi: 10.1139/h11-144) com 15 homens, ingerindo altas doses de L-arginina (6 g/dia) observou um aumento do fluxo sanguíneo muscular, mas sem qualquer aumento na força durante o treinamento resistido. Segundo os autores, seria muito prematuro recomendar tal suplementação como auxílio ergogênico.

Então, em 2014, outro estudo (doi: 10.3402/fnr.v58.22569) com 15 homens e mulheres, fisicamente ativos, usando 6 g/dia de L-arginina, não encontrou qualquer diferença sobre a insulina, GH/IGF1, vasodilatação ou desempenho esportivo.

Que decepção, não é mesmo?

Você “jurava” que aumentava GH e obtinha “bombeamento permanente”, não é mesmo? Pois é, os estudos não apoiam sua observação ou opinião pessoal. De certa forma, a suplementação com L-arginina foi perdendo força a cada estudo (“tapa na cara”) e, obviamente, a indústria dos suplementos esportivos tinham que promover outros candidatos à vasodilatação: L-citrulina e nitratos (NO3).

Então, vamos lá novamente:

Uma revisão sistemática e metanálise (elevado grau de evidência científica), publicado em 2020 (doi: 10.1249/MSS.0000000000002363), relata que a suplementação de nitrato (NO3) tem utilidade limitada como recurso ergogênico e mais estudos seriam necessários com validar sua utilização.

Outra revisão sistemática e metanálise de ensaios clínicos randomizados, publicado em 2021 (doi: 10.1186/s12970-021-00472-y), avaliou 59 estudos com uso de polifenois, arginina, citrulina e nitrato (NO3). Direto à conclusão: atletas podem se beneficiar com polifenois, mas não NO3, arginina ou citrulina.

Em outro estudo, publicado em 2021 (doi: 10.1007/s00421-021-04774-6), a suplementação de citrulina no desempenho atlético é incerta, pois a grande parte dos estudos tem metodologias inadequadas.

Já outra revisão sistemática, publicada em 2022 (doi: 10.3390/ijerph19020762), mostrou que nitratos (NO3) podem melhorar o exercício explosivo, mas não sabemos os efeitos em diferentes modalidades esportivas.

Enfim, novamente sob à “luz das evidências”, um possível efeito agudo da L-arginina, L-citrulina e NO3- sobre a vasodilatação, via formação de NO (óxido nítrico), não possui respaldo científico. E, antes que perguntem, não existem estudos sérios e com boa metodologia sobre a suplementação de L-ornitina (temos poucos trabalhos combinando ornitina com BCAA – aminoácidos de cadeia ramificada – e outros aminoácidos, mas não ornitina isoladamente).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

No passado, as pessoas acreditavam que consumir L-arginina aumentaria NO (ou mesmo GH/IGF1) no exercício e no esporte, afinal arginina pode virar NO diretamente pela NOS (óxido nítrico sintase). Porém, as evidências esmagam nossas esperanças e destroem completamente as falácias dos “treinadores de campões” do Universos Fitness e, até mesmo, irritam as indústrias mulbilionárias dos suplementos esportivos. O exercício físico aumenta NO naturalmente na medida da necessidade (doi.org/10.4025/reveducfis.v23i3.11738) e, por isso, reduz o risco de hipertensão e aterosclerose. Talvez (e só talvez), os suplementos de L-arginina poderiam beneficiar pacientes cardiopatas, que realmente tem alguma deficiência na via de EDRF/NO com aumento de endotelina-1 (ET-1), mas estou apenas especulando. Da mesma forma, não existem evidências para indicação da suplementação de L-citrulina, L-ornitina e nitratos (NO3-).

 

Bom, pelo menos não existem risco à saúde, né Professor?

Peraí, não é bem assim.

A exacerbação das vias EDRF/NO pode favorecer a formação de espécies reativas de nitrogênio (RNS). Quer dizer, o NO possui uma dualidade de função: benéfica (vasodilatação, importante para saúde cardiovascular) e maléfica ou tóxica (forma-se peroxinitrito ou ONOO-). ONOO- é um poderoso oxidante de proteínas. Ainda, ONOO- pode protonar íon de hidrogênio (H+) para formar radical hidroxil (OH•), outro poderoso oxidante celular. Não existem fortes investigações neste sentido, que não é foco de interesse nos estudos relacionados ao esporte, mas é interesse nosso: professores de bioquímica aplicada à clínica. 

AHHH, para curiosidade: NO3- (nitratos) são encontrados em vegetais folhosos verdes e beterraba, enquanto que nitritos e nitratos de sódio são usados como conservantes alimentícios. Estes últimos são perigosos à saúde, pois se transformam em nitrosaminas associados ao câncer gástrico, por exemplo.

 

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