CHIP DA BELEZA: POSSO TE FALAR ALGUMAS VERDADES?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
O “chip
da beleza” é, na realidade, um implante hormonal, pequeno (até 1,5 a 3 cm),
inserido abaixo da pele, com anestesia local, e usado para fins estéticos:
perda de gordura localizada, eliminação da celulite e ganho de massa muscular. Este
“chip” (que não é um “chip”) pode conter um ou mais hormônios: ocitocina,
gestrinoma, testosterona, entre outros, que são liberados periodicamente na
corrente sanguínea.
Legal, não é mesmo?
Segundo reportagens
veiculadas nas mídias, algumas famosas já colocaram seu “chip da beleza”:
ex-BBB Flayslane, ex-Panicat Juju Salimeni, atriz Deborah Secco e cantora
Marvvila (Kassia Marvila).
Legal,
está interessado (a)?
Peraí, a ex-BBB
Flay diz ter se arrependido, pois seus cabelos caíram muito, ficou bastante
irritada e ficou inchada (https://gshow.globo.com/moda-e-beleza/noticia/chip-da-beleza-veja-famosas-que-ja-usaram-e-tiveram-reacoes.ghtml).
Hoje, dia 15/12/2023, uma jovem de 20 anos foi internada em estado grave, em um
hospital de São Paulo, com quadro de edema cerebral após colocar o “chi da
beleza” contendo ocitocina e outros hormônios (https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/12/15/chip-da-beleza-com-ocitocina-implante-hormonal-turbinado-leva-jovem-para-uti-veja-os-riscos.ghtml).
Não é
legal, não acha?
Beleza,
deixa te falar algumas verdades:
VERDADE Nº1:
O uso do “chip
da beleza” não é autorizado pela Conselho Federal de Medicina (CFM), pois não
existem estudos científicos que comprovem sua eficácia. Não existe uma
regulamentação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para o
uso do “chip da beleza”. O posicionamento da Sociedade Brasileira de
Endocrinologia e Metabologia (SBEM) ficou um tanto confuso (ou em cima do
muro), embora destacou que os benefícios não são maiores que os risco à saúde (https://www.endocrino.org.br/chip-ou-implante-da-beleza/).
Aliás, o “chip da beleza” não é recomendado pela Federação Brasileira das
Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), que destaca a falta de
controle das doses e dos hormônios usados. A Associção Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO) fez uma matéria sobre o ocitocina (encontrado no "chip da belaza"): "Hormônio Mostra Potencial na Perda de Peso", porém deveria ter destacado fortemente que estudos com animais não podem ser facilmente extrapolados para humanos e, ainda, destacar que faltam evidência científicas de forma geral com humanos.
VERDADE Nº2:
Não existe perda de gordura localizada com “chip da
beleza”!
Estamos falando
de hormônios e, dessa forma, podemos recorrer a fisiologia básica para evitar
equívocos: hormônios são substâncias que excitam, estimulam, uma atividade
celular, sendo produzidos por uma célula ou grupo de células, vão ao sangue e
agem sobre outros conjuntos de células. Existem, na realidade, diferentes ações
hormonais (endócrina, parácrina, autócrina e neurotransmissora), mas não existe
mobilização de gordura apenas no abdome, abaixo do umbigo, como se fosse uma “varinha
Pirelin Plim Plim” dos desenhos animados.
Você não vai eliminar a celulite com “chip da
beleza”.
A
celulite (lipodistrofia ginóide ou lipoesclerose nodular) é uma perturbação na
pele multifatorial (genética, hormonal, decorrência da má alimentação,
sedentarismo, tabagismo, alterações ou doenças circulatórias, uso de roupas
apertadas e sobrepeso ou obesidade) com diferentes graus caraterísticos e, portanto,
não seria apenas uma mudança em específico (“chip” com hormônios) capaz de “eliminar”
a celulite. Por isso, o tratamento da celulite é, geralmente, multifacetado (dieta,
exercício físico, auxilio dermatológico, drenagem linfática, lipocavitação,
radiofrequência, entre outros).
Não, você não ficar musculoso com “chip da beleza”.
O aumento
da secção transversa do músculo esquelético ou hipertrofia muscular requer a
combinação de inúmeros fatores: genética, fatores psicológicos e motivacionais,
equilíbrio hormonal, adequação do período de sono, alimentação balanceada e, possivelmente,
auxilio ergogênico nutricional. Em outras palavras, o anabolismo muscular deve
superar o catabolismo, mas o “turnover” proteico muscular é muito mais complexo
que acreditar na maravilhosa invenção do “chip da beleza”.
VERDADE Nº3:
Eu sei, é
dureza ler isso, mas os benefícios não superam os riscos. Quais riscos,
professor? Segura aí: aumento de oleosidade da pele e surgimento de acne, queda
de cabelo e risco de calvície, agressividade e irritabilidade, inchaço e
alterações menstruais. Dependendo da combinação hormonal no “chip da beleza”
(doses inesperadas de testosterona, por exemplo), pode-se esperar aumento da
pressão arterial, hipertrofia clitoriana, diminuição das mamas, hirsutismo
(crescimento de pelos na face e corpo), resistência periférica à insulina, dislipidemia
com elevação do colesterol sérico e queda do HDL-colesterol, hepatopatia e miocardiopatia.
Observem, ainda, que o “chip da beleza” não é recomendado para pessoas com
problemas cardíacos, dislipidêmicos e diabetes, porque será?
VERDADE Nº4:
Gestrinoma
não é para ganhar músculos, mas tem gente “vendendo” essa ideia. Ocitocina não é para
“secar barriga”, mas tem gente falando bobagem. Portanto, deixa-me ser direto:
O implante
de gestrinoma (que não é “chip”) foi desenvolvido para tratamento da endometriose,
adenomiose, miomatose e, até mesmo, tensão pré-menstrual (TPM). Para tanto, o
gestrinoma possui ação antiestrogênica e antiprogesterona. Como efeito
colaterol (e não adverso), observou-se aumento da massa muscular em alguns
indivíduos (mulheres). Acredita-se que o gestrinoma, inibindo estrógenos e
progestágenos, resulte em aumento, discreto, de testosterona nestas mulheres (propriedade
androgênica). Claro, algumas mulheres relatam reações adversas: acne, seborreia,
retenção de fluidos, ganho de peso, hirsutismo, alopecia, edema, diminuição do
volume das mamas e mudança no padrão da voz. Sendo assim, gestrinoma foi desenvolvido
para ganhar músculos?
Já ocitocina
(oxitocina) é um hormônio produzido nos núcleos supraópticos e
paraventriculares do hipotálamo, sendo secretado pela neuro-hipófise. Sua função
é promover a contração uterina durante o parto e permitir a ligação mãe-bebê
durante a amamentação. Além disso, parece existir alguma relação com vínculo
emocional ou afeito, por isso a ocitocina tem sido estudada no autismo. Todavia,
estudos com animais mostraram alguma redução de peso com ocitocina e, BINGO, as
pessoas já pensam em usar para emagrecimento. Porém, deixa-me dizer uma coisa:
em humanos, o uso de ocitocina com finalidades estéticas, emagrecimento ou
ganho de massa muscular, são insignificantes ou nulos. Aliás, os poucos estudos
que existem possuem limitações (pequeno grupo amostral, reduzido tempo de uso
e, até mesmo, viés de confusão porque combinam ocitocina com dieta, treino ou
medicamentos).
Enfim, é
óbvio que a palavra “chip da beleza” (beauty chip) não teria nenhum estudo no
PubMed ou em qualquer plataforma de busca. Afinal, não existem evidências científicas para o “chip da beleza”.
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