AÇÚCAR: TÓXICO PARA O CORPO E A MENTE?
JOELSO PERALTA, Nutricionista, Professor, Palestrante, Mestre em Medicina:
Ciências Médicas e Doutorando: PPG Farmacologia e Terapêutica - UFRGS.
Olá pessoal, tudo bem?
Como nutricionista,
não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), pois nutricionalmente
não traz vitaminas e minerais em sua composição, embora tenha calorias advindas
dos carboidratos (“calorias vazias”). Porém, como professor e pesquisador vejo
muitas postagens afirmando que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”,
segundo estudos. Uma grande parte destas postagens em mídias sociais não trazem
as referências (estudos científicos) em suas oratórias. Quando trazem
referências, citam sempre o mesmo estudo de 2013: Ruff J.S. et al. Human-relevant levels of added
sugar consumption increase female mortality and lower male fitness in mice. Nat Commun 4, 2245, 2013 (https://doi.org/10.1038/ncomms3245).
Como dito, não quero sair em defesa do açúcar, ou melhor, da sacarose, um
dissacarídeo formado por 1 unidade de glicose e 1 unidade de frutose unidas por
ligação 1-alpha-2-beta glicosídica, mas precisamos analisar as evidências. Certamente
voltarei a falar deste assunto e, no momento, vejamos o estudo supracitado.
Conte-me sobre o estudo, professor?
Claro, o estudo
de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos selvagens (Mus musculus) e, de antemão, não podemos
extrapolar facilmente estudos com animais (ratos, camundongos, coelhos, porcos,
chipanzés, etc.) para seres humanos.
AHHH, professor, mas o Projeto Genoma mostrou que
não somos muito diferentes geneticamente destes animais, não é?
Sim e não, quero dizer: usamos mamíferos em
experimentos pré-clínicos porque apresentam fisiologia semelhante à nossa, mas semelhança
não é igualdade. Aliás, os camundongos têm 30 mil genes e nós 100 mil, porém
apenas 300 genes são responsáveis pelas diferenças entre camundongos e humanos.
Isso te parece surpreendente ou humilhante?
Sim e
não, quero dizer: se o
que nos distingue de camundongos são apenas 300 genes, então você é um rato ou um
homem? Peraí, você está esquecendo a complexidade do meio ambiente que rodeia e
influencia os seres humanos. Diferentemente dos ratos e camundongos, nós
(homens e mulheres), comemos (para mais ou para menos) quando estamos ansiosos
ou estressados, quando sofremos desilusões amorosas e, até mesmo, quando
estamos alegres e felizes. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse
dizendo: família, vamos comemorar o aniversário da mamãe com tele pizza,
sorvete e refrigerante?
Sim e
não, quero dizer: o ser
humano, diferentemente dos ratos e camundongos, comem emocionalmente (“comer
hedônico”) e somos motivados aos hábitos familiares (saudáveis ou não) por circuitos
de amizades e mídias sociais. Quero dizer, por acaso você viu Mickey Mouse olhando
TV, lá no biotério das Universidades, e sentindo aquela vontade louca de pedir
um hambúrguer com batata-frita?
Sim e
não, quero dizer: usamos
modelos animais em estudos pré-clínicos, mas cuidado com as extrapolações, pois
os seres humanos, diferentes do Mickey Mouse, vive em ambientes obesogênicos e
possuem preferências (food craving) e
tabus alimentares.
Sim e
não, quero dizer: entre
os mamíferos, algum tempo atrás reportagens faziam menção que seriamos 98 a 99%
semelhantes aos chipanzés. Quer dizer, somente 1 a 2% dos diferencia dos
chipanzés? Calma, surgiram críticas neste sentido, pois ao sobrepor as sequências
de bases nitrogenadas do DNA, comparando seres humanos e chipanzés, as porções
não correspondentes entre eles foram excluídas do modelo matemático (ou seja,
1,3 bilhões de bases nitrogenadas, restando 2,4 bilhões de bases
remanescentes). Estudos posteriores encontraram estimativas de 70%, já
considerando as bases não correspondentes nos materiais genéticos. Seja 70% ou
99%, não pense que 1% ou 30% é pouca coisa, pois 1% pode significar 30 milhões
de diferenças em uma única célula entre as 10 trilhões (1.000.000.000.000.000.000,
segundo notação brasileira) que temos.
Com essas breves palavras, retornamos ao estudo:
O estudo
de Ruff J.S. et al. (2013) foi realizado com 158 camundongos, com duração de 32
semanas, onde os animais foram divididos em dois grupos: aqueles alimentados com
ração contendo amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos integrais,
fibras, vitaminas e minerais, água ad
libitum; e aqueles alimentados com ração modificada contendo açúcar (ou
seja, 25% das calorias totais contendo metade de glicose e outra metade
frutose).
E quais foram os resultados?
As fêmeas
apresentaram duas vezes mais taxas de mortalidade (na realidade, 1,97 vezes) do
que o grupo controle. Nos machos, não houve diferença na mortalidade, mas 25,3%
dos animais se tornaram menos territoriais e, portanto, houve menor taxa de
reprodução neste grupo quando comparado ao grupo controle.
O que as pessoas compartilharam nas mídias sociais?
Estudo
finalmente mostra que açúcar é tóxico, mesmo de doses normais ou baixas. Ainda,
camundongos alimentados com dieta rica em açúcar apresentaram alta mortalidade
e se reproduziram menos. Enfim, açúcar é um veneno aos seres humanos, que podem
morrer cedo ou apresentar infertilidade, comprovado pela ciência.
Peraí, meu irmão, o estudo é com camundongos (rs).
E, além disso,
você leu e entendeu o estudo na integra? Creio que não, então vou te ajudar.
Alimentação
contendo glicose/frutose e sobrevivências das fêmeas:
As fêmeas
apresentaram 1,97 vezes mais taxas de mortalidade do que o grupo controle. Porém,
o metabolismo do animal (fêmea) aumenta 18-25% em decorrência das exigências da
gestação e lactação, então será que a dieta rica em glicose e frutose não
supriu as necessidades energéticas e de nutrientes dos animais, favorecendo a
mortalidade?
A culpa
da mortalidade foi a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) ou foi a falta de
energia/nutrientes imposta pela dieta não comumente realizada pelos animais?
A manipulação
dietética e nutricional (mais açúcar, menos nutrientes) favoreceu a mortalidade
ou a dieta rica em açúcar (glicose e frutose) que realmente conduz a mortalidade?
E, se
açúcar aumenta a mortalidade, porque a mortalidade se apresentou apenas nas fêmeas
e não nos machos?
Humm, o número
de filhos (prole) favoreceu a mortalidade nas fêmeas, afinal são elas que vão “dar
à luz”?
Quais mecanismos
fisiobioquímicos explicam a mortalidade, pois o estudo não trouxe, você viu?
Alimentação
contendo glicose/frutose e habilidade competitiva e sucesso reprodutivo nos
machos:
Nos machos,
25,3% dos animais se tornaram menos territoriais e menos reprodutivos. Porém,
porque a taxa reprodutiva reduziu durante o estudo?
Animais obesos
apresentam menos taxas reprodutivas, mas estes animais (machos e, até mesmo,
fêmeas) não engordaram, como veremos.
Será que
um declínio reprodutivo não se deve à falta de energia e nutrientes da dieta
comercial padrão? Quer dizer, 25% das calorias totais (e nutrientes) foram excluídos
a favor de açúcar (glicose e frutose) e, portanto, a baixa habilidade
competitiva territorial e reprodutiva se deve ao açúcar ou falta de
energia/nutrientes?
Novamente,
outros estudos dizem que obesidade prejudica competição e reprodução, mas neste
estudo os animais não se tornaram obesos.
Ainda, este
estudo deixa claro que a ração modificada, contendo glicose e frutose, tornou
deficiente a dieta dos animais, já pensou nisso?
Os outros
animais, por sua vez, recebiam amido de milho (no lugar da glicose e frutose), grãos
integrais, fibras, com vitaminas e minerais adequados e otimizados, água ad libitum, será que isso não
influenciou nos resultados?
Alimentação
contendo glicose/frutose e coisas que você deveria pensar:
Pense Nº1:
Não houve
diferença, nos dois grupos, quanto a obesidade, níveis de insulina,
concentração de glicose e triglicerídeos. Ou seja, a dieta rica em glicose e
frutose não tornou os camundongos “gordinhos”, mas você não dizia que açúcar
engorda e lhe deixa obeso? É o açúcar que engorda ou excesso de calorias na
dieta, sejam carboidratos, lipídeos ou proteínas?
Pense Nº
2:
Ainda, as
taxas de depuração da glicose não foram afetadas pela dieta rica em açúcar (glicose
e frutose). Aliás, as medidas de glicose, triglicerídeos e insulina em jejum
não foram afetadas pela dieta rica em glicose e frutose. Ué, não mídias sociais
você não dizia que açúcar causa diabetes? É o açúcar que causa diabetes ou a
doença é multifatorial e você não estudou “direitinho”?
Pense Nº
3:
O colesterol
total (CT) aumentou 1,69 vezes nos animais alimentados com dieta rica em
glicose e frutose. Porém, podemos dizer que existe disfunção hepática na
produção de colesterol (colesterologênese) se não foram avaliados outros parâmetros,
como VLDL, LDL e HDL? Aliás, que teste de função hepática foi realizado? Ué,
você não dizia que açúcar causa infarto, mas não foram avaliadas LDL oxidadas
(ox-LDL), tão pouco placas de ateroma nestes animais.
Pense Nº
4:
Um diferencial
neste estudo é que os animais deste experimento não foram obtidos de linhagens
de laboratórios, criados em gaiolas, em biotérios, como normalmente ocorrem. Foram
utilizados animais descendentes de linhagens “selvagens” a fim de estimular um “grau
de liberdade ou instinto de exploração territorial” nos animais. Peraí, o Mickey
Mouse pensa: sacanagem, me escolheram como linhagem selvagem, buscam um
ambiente mais realista, livre de gaiolas, mas me oferecem “suco contendo açúcar”
(rs)? OK, apenas uma brincadeira, pois acho válida a estratégia.
Pense Nº
5:
Semanas
antes do experimento, todos os animais receberam dieta rica em açúcar e,
somente com início do estudo, houve separação dos grupos. Essa “experimentação
prévia de açúcar” pode ter interferido nos resultados? Aliás, não entendi
porque a experimentação prévia, embora foi descrito o Organismal Performance
Assays (OPAs), que é um método para avaliação de desempenho, tentando imitar
condições seminaturais, como o consumo de açúcar pelos seres humanos (13-25%
dos americanos), resumidamente.
Considerações finais
Como nutricionista,
não quero sair em defesa do consumo do açúcar (sacarose), mas não vejo como
este estudo pode provar que “açúcar é um veneno” ou “açúcar é tóxico”, me
entende? Aliás, qual método sensível podemos utilizar para mensurar a
toxicidade (corporal ou mental) do açúcar em animais e seres humanos? Por fim,
não estou falando do açúcar mascavo e similares nesta postagem, tão pouco
dizendo que adoçantes são melhores açúcares, portanto, não faça confusão. A postagem
está limitada na análise do estudo e, certamente, trarei outros estudos para
responder à pergunta original: o açúcar é tóxico?
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www.peraltanutri.blogspot.com do Prof. Joelso Peralta. Contato: @peraltanutri e
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