quarta-feira, 1 de setembro de 2021

QUEM TEVE COVID-19 NÃO DEVERIA SE VACINAR?


QUEM TEVE COVID-19 NÃO DEVERIA SE VACINAR?

Uma breve reflexão em tempos de pandemia, pois a Covid-19 não é restrita aos idosos, afetando toda a população, até mesmo os esportistas e atletas.

Alguns "doutores" dizem que os "estudos" confirmam a superioridade da imunidade natural (pela contaminação) sobre a imunidade vacinal e, dessa forma, quem já teve Covid-19 não deveria se vacinar. Seus seguidores em redes sociais, por sua vez, saem para defesa, dizendo que a "imunidade de rebanho" pela contaminação é a solução para a pandemia e as pessoas não passam de cobaias de uma vacinação experimental para enriquecer as indústrias farmacêuticas.

O discurso acima é simplista, equivocado e carregado de "cherry picking". Cherry picking é a expressão usada para evidência suprimida ou incompleta, onde o autor seleciona apenas dados que confirmem sua falácia e ignora os demais dados que contradizem sua posição. Em outras palavras, esses "doutores" estão selecionando as "cerejas do bolo" e você, infelizmente, pode ter caído de "cara no bolo".

Então, te pergunto: Você leu e entendeu estes "estudos" ou está apenas compartilhando as informações de seus "doutores" favoritos? KEEP CALM (mantenha a calma), pois vou te ajudar com alguns destes "estudos", porém de forma clara e honesta. Para tanto, continue lendo.

QUEM TEVE COVID-19 NÃO DEVERIA SE VACINAR, POIS A IMUNIDADE NATURAL É SUPERIOR A IMUNIDADE VACINAL?

Em primeiro lugar, uma DESinformação, uma notícia falsa (Fake News) ou uma notícia incompleta (cherry picking) em mídias sociais, especialmente divulgadas por profissionais da saúde (o que é lastimável) pode ser desastrosa e precisa ser rebatida. Embora possa parecer um afronta contra negacionistas estúpidos e antivacinas malucos (afinal, é impossível conhecer todos eles), o objetivo deste "textão" é mais humanitário: evitar uma tomada de decisão não acertiva no contexto da pandemia de Covid-19 por um discurso equivocado ou errôneo. Em segundo lugar, "a mente é como um paraquedas, só funciona quando aberta". Portanto, continue lendo, pois agora vamos analisar aprofundamento um destes "estudos" usado no discurso antivacinas.

ANÁLISE DO ESTUDO:

Sivan Gazit et al. Comparing SARS-CoV-2 natural immunity to vaccine-induced immunity: reinfections versus breakthrough infections, 2021 (traduzindo: comparando a imunidade natural da SARS-CoV-2 com a imunidade induzida pela vacina: reinfecções versus infecções revolucionárias). Se desejar, leia na íntegra: https://www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.08.24.21262415v1

Segundo estudo de Sivan Gazit et al. (2021), a imunidade natural é muito superior a imunidade vacinal, onde as pessoas vacinadas apresentam risco 13,06 vezes maior de se contaminar com a variante Delta (B.1.617.2) quando comparado aos que tiveram infecção prévia (que nunca foram vacinados). Ainda, o risco de hospitalização também é maior no grupo vacinado quando comparado a imunidade natural. Este estudo dividiu sua amostra em três grupos:

Grupo 1: indivíduos totalmente vacinados (receberam as 2 doses da vacina Pfizer/BioNTech) e com RT-PCR negativo para SARS-CoV-2;

Grupo 2: indivíduos não vacinados e com RT-PCR positivo para SARS-CoV-2;

Grupo 3: indivíduos vacinados (pelo menos 1 dose vacinal) e com RT-PCR positivo para SARS-CoV-2.

Lembramos que RT-PCR (reverse transcription polymerase chain reaction, ou seja, transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase) é um exame que detecta material genético viral e confirma a Covid-19.

Os autores concluíram que a imunidade natural confere proteção mais duradoura e mais forte contra infecção, doença sintomática e hospitalização por Covid-19, particularmente pela variante Delta do SARS-CoV-2, quando comparado a imunidade induzida pela vacina.

IMPRESSIONANTE, não é mesmo?! 

Será que fomos enganados por vacinas experimentais, que não nos protegem, mas apenas enriquecem as indústrias farmacêuticas?! Será que os "doutores", chamados de negacionistas e antivacinas, estão corretos em suas redes sociais?! Será que a imunidade de rebanho pela contaminação com SARS-CoV-2 é a solução para sairmos dessa pandemia?! Será que devemos apostar apenas em nossas defesas imunológicas naturais?!

Peraí, essas são PERGUNTAS ou AFIRMAÇÕES de seus "doutores" preferidos com milhares de seguidores nas redes sociais??? Tá, você leu e entendeu o estudo supracitado ou está apenas compartilhando as (Des)informações??? KEEP CALM (mantenha a calma), como foi dito, pois vou te ajudar no entendimento deste assunto. Seguem alguns comentários:

(1) O estudo é um PREPRINT, ou seja, um manuscrito (não é um artigo científico), de acesso livre no servidor público medRxiv e não revisado por pares (sem "controle de qualidade" sobre a metodologia científica). O próprio servidor medRxiv diz: "Este artigo é uma pré-impressão e não foi certificado pela revisão por pares". E continua: "Não devem ser usadas para orientar a prática clínica".

(2) Trata-se de um estudo coorte retrospectivo, ou seja, fazem parte dos estudos OBSERVACIONAIS. Neste caso, os pesquisadores observam uma população previamente definida, recolhem as informações pregressas (sem interferir na relação estudada) e buscam estabelecer uma ASSOCIAÇÃO. Ou seja, estudos observacionais não estabelecem CAUSALIDADE, não conseguem mensurar com exatidão a taxa de erro, possuem risco de viés e possuem inúmeros fatores de confundimento.

Poderia exemplificar essas "confusões"? Claro, te liga aí:

(A) Não foi aplicada a triagem por RT-PCR (exame que detecta material genético viral e confirma a Covid-19). Quer dizer, o estudo apenas observou o registro de casos positivos e negativos para RT-PCR em um banco de dados eletrônicos do Maccabi Healthcare Services (MHS), em Israel, entre 1º de março de 2020 a 14 de agosto de 2021.

E daí, qual problema?

Buenas, existem pessoas infectadas assintomáticas que não foram testados por RT-PCR. Quer dizer, podem existir pessoas que pegaram o vírus e não apresentam tosse, dor de garganta ou febre (mas que ainda podem transmitir o vírus) já que não foram testados por RT-PCR.

Além disso, devido caráter observacional do estudo, podem existir RT-PCR falso-negativo (teste deveria ser positivo já que o indivíduo possui Covid-19, mas deu negativo) e falso-positivo (teste deveria ser negativo, porque o indivíduo não possui o vírus, mas é positivo) já que um reteste (nova solicitação do exame) não foi realizado.

(B) As variáveis controladas neste estudo foram idade, sexo e região de residência, porém não foram controlados os comportamentos de prevenção da Covid-19 tais como o distanciamento social e o uso de máscaras faciais. 

(C) A afirmação de que as pessoas vacinadas apresentam risco maior de se contaminar com a variante Delta, quando comparado aos que tiveram infecção prévia, é leviana. Ou seja, a variante Delta foi a cepa dominante no local do estudo (não havia outras cepas para comparação). Dessa forma, uma redução da imunidade protetora (natural versus vacinal) não pode ser estabelecida.

Aliás, a variante Delta (B.1.617.2), que teria surgido pela primeira vez na Índia, em outubro de 2020, é considerada uma "variante de preocupação" pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos e Organização Mundial de Saúde (OMS). Quer dizer, as mutações do SARS COV-2 que representam um risco maior para a saúde pública recebem a nomenclatura de "variantes de preocupação" (VOC, variants of concern). A classificação também incluem as "variantes de interesse (VOI, variants of interest) e as "variantes de alto impacto" (VOHC, variants of high consequence).

(D) A afirmação de que as pessoas vacinadas tinham maior risco de contaminação e hospitalização também é leviana, pois os vacinados deste grupo também tinham mais comorbidades. Quer dizer, o grupo de indivíduos vacinados tinham altas taxas de comorbidades (21,7%) quando comparado aos previamente infectados, ou seja, que nunca receberam vacinação (16,2%). Na lista de comorbidades, neste estudo, estavam a hipertensão, a doença cardiovascular, o diabetes e o indivíduos imunocomprometidos. Aliás, os vacinados imunocomprometidos (quer dizer, onde o sistema imune não responde adequadamente às infecções, inclusive não responde para medicamentos e vacinas) eram 2,6 vezes maior que no grupo previamente infectado (não vacinado). E, no grupo vacinado, o câncer era quase o dobro (3,9%) que no grupo previamente infectado (2,0%).

Com base nisso, te pergunto: As comorbidades não aumentam o risco de agravamento da Covid-19, podendo conduzir o paciente à hospitalização e óbito? Não é justamente por isso que as pessoas com comorbidades tem prioridade quanto a imunização? Então, o grupo vacinado tem realmente um maior risco de contaminação e complicações da Covid-19 ou, neste grupo, as comorbidades favorecem um quadro clínico pior quando comparado aos não vacinados?

Além disso, não é verdade que os indivíduos imunossuprimidos possuem reduzida a ação de seu sistema imunológico contra doenças e remédios? Se sim, o grupo de imunossuprimidos vacinados tem maior risco de complicações e hospitalizações ou, por serem imunossuprimidos, as vacinas podem responder mais fracamente neste grupo? E, sendo assim, você diria que a vacina é "fraca" e "não funciona" ou deveria dizer que as pessoas imunosuprimidas e imunocomprometidas podem ter respostas diferentes quanto a vacinação, o que justificaria, até mesmo, uma terceira dose do imunizante?

E, por fim, pergunto: Pacientes oncológicos tem um sistema imunológico debilitado e imunocomprometido? É verdade que as taxas de mortalidade por Covid-19, em pacientes com câncer, tende a ser elevada? Se sim, prestem atenção: o grupo vacinado e que tem câncer, neste estudo de Sivan Gazit et al. (2021), tem maior risco de se contaminar por Covid-19. Entretanto, o maior risco de contaminação (e de apresentar complicações de saúde) em pacientes oncológicos vacinados deve-se à doença debilitante e não as vacinas "fracas" e que "não funcionam", como alguns alegam de forma equivocada. A resposta vacinal pode estar comprometida nas comorbidades, nos pacientes imunosuprimidos e nos pacientes oncológicos, sendo que isso não é novidade para ninguém que estudo imunologia básica.

Tá, confessa, você não leu o estudo na íntegra e jamais refletiu dessa forma sobre os posts de seus "doutores" negacionistas e antivacinas preferidos, não é?

Creio que os fatores de confusão nos estudos observacionais foram esclarecidos, então volto a sequência numérica de comentários, onde chegamos ao terceiro item.

(3) O manuscrito preprint, além de observacional, analisou apenas a proteção conferida pela vacina de Pfizer/BioNTech. Portanto, não se pode extrapolar informações sobre outras vacinas. É absurdamente irracional (e de má índole) dizer que "todas" as vacinas não funcionam e aumentam risco de contaminação com base neste único estudo preprint observacional retrospectivo.

Enfim, existe uma frase atribuída ao físico e astrônomo Galileu Galilei, que se encaixa perfeitamente para finalizar esses "textão" (sim, você conseguiu ler até aqui, meus parabéns):

"Não se pode ensinar tudo a alguém, pode-se apenas ajudá-lo a encontrar por si mesmo o caminho".