quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Você já ouviu falar em Ostarina? E em SARMs?

 

Você já ouviu falar em Ostarina? E em SARMs (modeladores seletivos dos receptores de andrógenos), já ouviu?


Recentemente, a atleta brasileira de vôlei, Tandara Caixeta, 32 anos se idade, foi suspensa provisoriamente das Olimpíadas de Tóquio por estar usando Ostarina, que pertence a classe dos SARMs. Algumas reportagens, contudo, relataram erroneamente que a atleta estava usando um "esteróide anabolizante" para aumentar grandemente sua massa muscular. Contudo, não confundam "fucinho de porco com tomada", pois Ostarina não é um esteróide anabólico-androgênico (EAA). A atleta estava muito abalada e, junto com seu advogado, está trabalhando em sua defesa. Seu advogado Marcelo Franklin comunicou a imprensa: "Confiamos plenamente que comprovaremos que a substância Ostarina entrou acidentalmente no organismo da atleta e que não foi utilizada para fins de performance esportiva".

O objetivo deste "textão" não é apoiar ou condenar o uso de quaisquer substâncias por parte dos atletas. O nome da atleta foi citado porque ganhou repercussão na mídia, mas meu objetivo é elucidar a temática quanto a substância que gerou e tem gerado discussões.

Sendo assim, o que Ostarina? O que é SARMs? O que é anabolizante? Quais são os benefícios esperados? Existem efeitos adversos à saúde?

O QUE É OSTARINA?

Ostarina (enobosarm) é uma substância que pertence a classe dos SARMs (Selective Androgen Receptor Modulators, ou seja, modeladores seletivos dos receptores de andrógenos). Ostarina não é, nunca foi e jamais seria um esteróide anabolizante ou, mais propriamente falando, um esteróide anabólico-androgênico (EAA).

EAA são drogas sintéticas, derivadas da testosterona, que estimulam o crescimento muscular. Na verdade, são esperados efeitos "anabólicos" (aumento da massa muscular, aumento na concentração da hemoglobina e hematócrito, retenção otimizada de nitrogênio, redução da gordura corporal, acelerada recuperação muscular entre as sessões de exercícios e aumento da densidade mineral óssea) e "androgênicos" (espessamento das cordas vocais, aumento na secreção pelas glândulas sebáceas, aumento de pêlos no corpo e na face e alterações na genitália) com o uso destas drogas (Paulo Rodrigo Pedroso da Silva et al. Esteróides anabolizantes no esporte. Revista Brasileira de Medicina do Esporte 8(6): 235-243, 2002).

Em nosso organismo (mecanismo endógeno), uma série de hormônios esteróides são produzidos a partir do ciclopentanoperidrofenantreno (CPPF), uma estrutura química com 17 carbonos e quatro anéis. O CPPF da origem ao colesterol que, por sua vez, dá origem aos hormônios pregnenolona, progesterona, DHEA (desidroepiandrosterona), DHT (diidrotestosterona), testosterona (TTT), estradiol, entre outros.

A TTT foi sintetizada e isolada por Ruzicka e Weltstein em 1935, o que rendeu o Prêmio Nobel de Química aos pesquisadores em 1939 (talvez os pesquisadores não visualizavam a adoração por essa estrutura química no futuro, tão pouco suas polêmicas).

Aliás, TTT pode se ligar aos receptores de andrógenos (RA) em tecidos-alvo, bem como pode ser convertida em estradiol (pela aromatase) e em DHT (pela 5a-redutase).

SARMs são ligantes do receptor de andrógenos (RA) e, dessa forma, ativam seletivamente uma resposta metabólica. No passado (1940) existiam SARMs esteróides através da modificação química da TTT, mas atualmente SARMs não esteróides ganharam força com o objetivo de uma resposta seletiva e anabólica sobre o músculo esquelético. Os SARMs não esteróides não são substratos da aromatase ou 5a-redutase, o que já os diferencia dos EAA. Ao mesmo tempo, SARMs são mais seletivos de ação sobre os músculos esqueléticos e o osso (Shalender Bhasin e Ravi Jasuja. Selective androgen receptor modulators (SARMs) as function promoting therapies. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 12(3): 232-240, 2010).

Entre os SARMs (não esteróides) destaca-se a Ostarina, que ficou famosa no caso da atleta brasileira de vôlei suspensa da Olimpíadas de Tóquio. Aliás, cabe destacar que a Ostarina (enobosarm) e o Ligandrol (LGD-4033) estão na lista de substâncias proibidas pela WADA (Agência Mundial Antidoping) e consideradas ilegais pela FDA (Food and Drug Administration). Ainda, a Resolução 791/2021 da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) proibiu a comercialização, distribuição, fabricação, importação, manipulação, propaganda e uso de produtos que contenham SARMs. Ostarina, portanto, é considerada Doping no Esporte porque sua utilização, por parte do atleta, é uma forma de obter uma vantagem desleal, artificial, em relação aos demais competidores.

Ué, mas se é proibido por vários órgãos reguladores, como esportistas e atletas (e não atletas) adquirem e usam Ostarina? Hummm, "não sei de nada inocente", mas como um frasquinho fresquinho chega pelo correio é algo curioso, não acham?

O uso de Ostarina, por sua vez, não implica necessariamente em um grande massa muscular, mas, sim, uma recuperação muscular mais rápida do atleta entre as sessões de treinamento e competição. Dessa forma, obtém-se uma vantagem artificial entre os competidores, que é Doping.

Em 2019, Leciejewska e colaboradores identificaram que Ostarina é um potente regulador do metabolismo lipídico em ratos Wistar (Effect Ostarine (enobosarm/GTX024), a selective androgen receptor modulator, ou adipocyte metabolism in Wistar rats. J Physiol Pharmacol 70(4): 525-533, 2019). Segundo estudo, Ostarina aumentou a lipólise (mobilização de ácidos graxos do tecido adiposo) e reduziu a lipogênese (conversão de glicose em lipídeos).

É possível que as alterações lipídicas se dêem via inibição de PPARg (receptores ativados por proliferadores de peroxissomas tipo gamma), que controla a expressão de genes que regulam a diferenciação de adipócitos e adipogênese.

Especula-se também que o SARMs atua modulando os receptores de andrógenos (RA), aumentando os níveis de testosterona, bem como o número de beta-adrenoreceptores e catecolaminas.

Além disso, o SARMs pode regular negativamente a expressão de mRNA para leptina (o hormônio da saciedade), que pode parecer interessante para pacientes apresentam polimorfismo do receptor hipotálamo para leptina, embora mais estudos sejam necessários para essa variável. SARMs também reduziu adiponectina, que está envolvida o com aumento da sensibilidade insulínica e maior captação de glicose pelo músculo esquelético, ou seja, funções antidiabéticas.

EXISTEM EFEITOS ADVERSOS ASSOCIADOS A OSTARINA/SARMs?

Embora se argumente que os efeitos anabólicos dos SARMs, incluindo a Ostarina, em doses usuais, sejam menores que aos EAA, eles não estão livres de efeitos adversos à saúde.

Leciejewska et al. (2019) relata redução do HDL-colesterol (comumente conhecido como "bom colesterol"), o que aumenta o risco cardiovascular.

Já Tomas Koller et al. (2021), relata dois relatos de caso (adultos jovens) de lesão hepática associada ao uso de SARMs em uma terapia pós-ciclo. Quanto a lesão, foi evidenciado icterícia, colestase e dano hepatocelular leve sem fibrose, além de alterações nos exames de sangue (altas concentrações de bilirrubina e ácidos biliares séricos). Os indivíduos se recuperaram da condição após 3 meses (Tomas Koller et al. Liver injury associated with the use of selective androgen receptor modulators and post-cycle therapy: Two case reports and literature review. World J Clin Cases, 2021).

Shalender Bhasin e Ravi Jasuja (2010), destacou redução do HDL e SHBG (proteína sérica ligadora de hormônios sexuais), bem como elevações de AST/ALT (aspartato aminotransferase e alanina aminotransferase, respectivamente). Elevações em enzimas hepáticas pode ser sugestivo de toxicidade hepática, embora outros marcadores deveriam ser evidenciados (Shalender Bhasin e Ravi Jasuja. Selective androgen receptor modulators (SARMs) as function promoting therapies. Curr Opin Clin Nutr Metab Care 12(3): 232-240, 2010).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Existem estudos da Ostarina na osteoporose em modelos de ratos, na cicatrização óssea em ratos, na perda de massa muscular e câncer em ratos. Ou seja, existem muitos estudos com ratos para você apostar todas suas fichas (e saúde) na Ostarina e outros SARMs.